TRÊS FASES
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Danilo Grangheia (Roney) e Renata Gaspar (Stephany) em cena de Um Lugar ao Sol, novela da Globo
O fim trágico de Stephany (Renata Gaspar) em Um Lugar ao Sol leva para o horário nobre da Globo uma ferida aberta: a violência doméstica que culmina em feminicídio. Na novela, a personagem tentou sobreviver a um relacionamento com idas e vindas --que no passado era romantizado e chamado de "ioiô"--, mas que mostra a realidade de milhões de mulheres presas no chamado ciclo do abuso.
De acordo com pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) divulgada após um ano de pandemia, 15% das brasileiras com 16 anos ou mais declararam ter vivido algum tipo de violência psicológica, física ou sexual vinda de parente ou companheiro e ex-companheiro íntimo durante a pandemia. O número equivale a 13,4 milhões de mulheres.
A agressão, no entanto, é apenas uma das fases do ciclo, que tende a se repetir. "Isso que chamamos de ciclo é uma sequência, às vezes imperceptível, de violências, chantagens, medos e controle", define Denice Santiago, major da PM da Bahia. Ela é criadora da Ronda Maria da Penha, uma equipe dentro da Polícia Militar do Estado, criada em 2015 para proteger e acompanhar mulheres vítimas de violência doméstica.
Em entrevista ao Notícias da TV, Denice detalhou cada uma das fases da relação abusiva que pode terminar em feminicídio:
"Após a conquista, inicia a fase do acúmulo de tensão em que o parceiro tenta controlar diversas características da mulher. Nessa fase, qualquer coisa vira um estopim para brigas", explica a policial.
Na trama de Lícia Manzo, isso foi retratado na forma do ciúme doentio de Roney (Danilo Grangheia), que sequer deixava a mulher trabalhar fora de casa. Mesmo se sentindo presa, Stephany acabava topando atender clientes de manicure em casa para evitar brigas com o marido.
Outro ponto retratado na história, e que também surge como obstáculo para as vítimas, é a dependência financeira. A personagem de Renata Gaspar tinha seu trabalho, mas se sentia enredada por causa do apartamento comprado em comunhão com o companheiro.
É aqui que a violência fica mais evidente. Nesse ponto, a tensão se transforma em agressões verbais, físicas, sexuais ou psicológicas. A maioria das denúncias são feitas nesse momento do ciclo. Muitas mulheres, no entanto, morrem antes de conseguir ajuda.
"O IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] sinaliza que para uma mulher romper o ciclo da violência e denunciar, ela já sofreu em média sete violências anteriores. O que isso significa? É que quando uma mulher relata que foi vítima de violência doméstica nunca foi a primeira vez", alerta Denice.
Aqui o companheiro demonstra arrependimento, diz que vai mudar e que a explosão nunca mais irá acontecer. "Por uma construção social, por exigência familiar, por dependência econômica e emocional, por amor (por que não?), a mulher perdoa e acontece a reconciliação", detalha a major.
"O homem permanece amoroso por um período mas, com o passar do tempo, retoma as mesmas práticas, e aí se estabelece o ciclo", completa.
A fase carinhosa, como também é chamada, se assemelha ao início da relação, ao período da conquista. Assim, abre-se espaço para, novamente, iniciar a tensão, com críticas e tentativas de controlar a parceira.
As chances de o ciclo se romper aumentam quando há uma rede de apoio em torno da vítima, além de políticas públicas específicas. "Claro que uma rede do poder público organizada e efetiva é fundamental, mas quem está próximo deve apoiar essa mulher, não julgar (nenhuma pessoa gosta de apanhar!), levá-la a assistir à palestras, a vídeos, ler esta entrevista", enumera Denice.
No enredo de Um Lugar ao Sol, no entanto, nem isso foi o suficiente. Mesmo com as tentativas da irmã, Érica (Fernanda de Freitas), Stephany continuou presa ao marido violento e que não aceitava a separação. Qualquer semelhança com a realidade, infelizmente, não é mera coincidência.
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