SEGREDO DE ESTILO
JOÃO COTTA/TV GLOBO
Lorena (Mariana Sena), Candoca (Isadora Cruz) e Labibe (Theresa Fonseca) na primeira fase da novela
As meninas mais crescidas já aderiam ao "vestido bem cintado" em 1953, quando foi composta a primeira versão de O Xote das Meninas, de Luiz Gonzaga (1912-1989). Mar do Sertão seguiu a mesma linha, apesar de se passar entre 60 e 70 anos depois. Os gibões, couros e bordados, em tons de branco ou marrom, também marcam presença. Afinal, a escolha é um apelo à tradição sertaneja ou uma nova representação do estereótipo de que o Nordeste está preso no tempo?
Não há uma resposta concreta. O fato é que, desde a estreia, os internautas reclamam da visão estereotipada retratada na novela das seis da Globo. É a mesma representação do Nordeste que já foi exibida várias outras vezes, em diversos produtos culturais: os nordestinos como pobres, analfabetos, vivendo em uma cidade pequena e sem recursos, sofrendo com a seca e com o coronelismo. Isso acontece, sim, mas há outros lados do Nordeste que deveriam ser retratados.
Apelar ao mesmo estilo de 60 anos atrás também parece uma medida neste sentido. Mas há outras abordagens que podem ser consideradas. "Quando pensamos em caatinga, automaticamente pensamos nos visuais vibrantes e na terra. Trazer tons terrosos para o figurino acaba sendo uma referência à região. A tradicionalidade vem pelos vestidos, rendas. Está mais presente na modelagem e nos tecidos das peças", explica Camile Stefano, consultora de moda e personal stylist.
Outro ponto que se deve levar em consideração é que a primeira fase se passou em 2012, época em que o estilo boho --formado também por vestidos curtos, estampados, bordados e com renda-- estava em alta. Tanto que, depois da mudança de fase, os personagens até modernizaram suas roupas. Principalmente Candoca (Isadora Cruz), a protagonista do folhetim.
joão cotta/tv globo
Lorena, Labibe e Candoca após passagem
"A virada mostra uma protagonista mais urbana através do jeans e das camisas. Se adequando ao local e até mesmo devido à sua profissão. Mostra que ela mudou, mas a sua essência, de menina simples, ainda se mantém", explica a stylist. Essa essência pode ser vista pelas cores: o branco, os vermelhos rosados e as tonalidades de marrom continuam ali. "As cores do figurino demonstram a ligação forte da mocinha com a cultura e os valores do local."
Os coletes, chapéus e sandálias de couro, à la Timbó (Enrique Diaz), são mais raros na vida real. No caso desse personagem, a referência aos estereótipos da região é clara --embora em formato de "homenagem" a outras obras icônicas.
Timbó segue o estilo e refaz as mesmas artimanhas de João Grilo, protagonista de O Auto da Compadecida (1955), de Ariano Suassuna (1927-2014). Analfabeto, mas inteligente; pobre, mas rico de valores; pouco corajoso, mas sempre com uma carta na manga. De certa forma, o homem bondoso também é uma crítica às más condições de parte da população. Inclusive pelas roupas.
O personagem de Enrique Diaz preserva as vestes mais tradicionais pelo puro e simples fato de não ter condições para frequentar o seu admirado "shop cênti". "Os vestidos de renda, peças de crochê e sandálias de couro são típicos porque são construídos artesanalmente", conta Camile.
reprodução/tv globo
Timbó usa o tradicional gibão na novela
Assim como o chamado "timão", que Luiz Gonzaga também se refere em O Xote das Meninas --uma das músicas que faz parte da trilha da novela. "Timão é um vestido que as meninas usavam até uns dez anos, geralmente feito em casa pelas mães, uma peça que chegava até abaixo dos joelhos. Muitas vezes feito de saco de farinha", contou o compositor, à época, em entrevista à Rádio Nacional. Eram eles que acabavam substituídos pelo vestidos acinturados.
O couro também é carta marcada nas novelas ambientadas no Nordeste por outra questão: o cangaço. Basta lembrar de Domingos Montagner (1962-2016) como o capitão Herculano, de Cordel Encantado (2011) --que, diferentemente de Mar do Sertão, era uma novela de época. O líder dos justiceiros Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião (1898-1938), literalmente ditou moda. Difícil olhar o gibão com três estrelas gravadas e pensar em qualquer outra pessoa.
Problematizações à parte, os tecidos leves, os bordados e as cores dos trajes podem ser usados para compor o visual na vida cotidiana. Mesmo para quem opta por um estilo mais urbano. "Os vestidos bordados e de renda são complementos ideais para as jaquetas jeans e de couro e para as botas modelo coturno ou cowboy, tendência que vamos ver muito durante a primavera”, destaca a stylist.
A renda renascença, artesanato típico do sertão da Paraíba e patrimônio cultural nacional, e o crochê, outra herança artesanal muito popular na região, também reaparecerão entre as tendências.
O crochê voltará principalmente nos acessórios, e a renda estará presente nas transparência. A combinação básica camisa branca e jeans pode ser complementada com uma gola com aplicações de renda e finalizada com uma bolsa de tricô.
É mais uma prova de que, no final das contas, o passado não é só lugar de tradição ou de estereotipo, mas também de referência e inspiração. Pelo menos desde a década de 1940, quando Christian Dior (1905-1957) lançou uma coleção inspirada em antigas tendências e explodiu no mundo da moda. Claro, sempre transformando alguns detalhes. "A moda sempre volta repaginada, com modelagens e cortes diferentes, porém com mesmas referências", crava a profissional.
Mar do Sertão é a novela da faixa das 18h da Globo. O folhetim é escrito por Mario Teixeira e dirigido por Allan Fiterman. Leia os resumos dos próximos capítulos da novela das seis.
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