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ESPECIALISTA EXPLICA

Cadê o juiz? Trama da guarda de Tonho em Travessia está errada do início ao fim

FOTOS: REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Mãe e filho em Travessia, Brisa (Lucy Alves) e Tonho (Vicente Alvite) estão abraçados em cena da novela

Brisa (Lucy Alves) e Tonho (Vicente Alvite) em Travessia; disputa por guarda impulsiona novela

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 22/1/2023 - 8h50

Difamação, manipulação e prejuízo na convivência de mãe e filho: os sinais de alienação parental por parte de Ari (Chay Suede) em Travessia são claros, mas, ainda assim, Brisa (Lucy Alves) é a maior prejudicada na disputa pela guarda de Tonho (Vicente Alvite). Aparentemente, não há um juiz muito atento no caso. Ou Juliana (Tabata Contri), a advogada de defesa, está empenhada em complicar a situação. O fato é que uma das principais tramas da novela das nove da Globo tem vários erros.

O Notícias da TV consultou o advogado especialista em alienação parental Luiz Carlos Souza Vasconcelos Júnior,  que já atuou em inúmeros casos do gênero, para tirar algumas dúvidas. Segundo ele, na vida real, o arquiteto da ficção poderia sofrer consequências pelos seus maus atos --e também pelos de Núbia (Drica Moraes), que manipulou o neto deliberadamente. 

Não que todas as atitudes de Brisa sejam positivas. Ela errou feio em tentar levar o filho para o Maranhão --o que pode, sim, ser considerado como sequestro--, mas isso ficou no passado. Tampouco há motivos para ela se preocupar tanto com o crime de Oto (Romulo Estrela).

Se o juiz não se deixar levar por estigmas, isso não deve interferir na guarda, o que já eliminaria a maior dor de cabeça da protagonista. O advogado explica:

O que a gente tem que avaliar não é o que a pessoa já fez. O que temos de ficar de olho é se o comportamento com a criança no dia a dia é prejudicial. Não é o passado da pessoa, é o que está acontecendo naquele momento. Ela dá maus exemplos? Grita, tem surtos de estresse, submete a criança a situações vexatórias, como bebedeira ou uso de drogas? É isso que importa.

"Há um estereótipo da pessoa que foi presa; a sociedade não costuma vê-la com bons olhos, mas isso não define a personalidade dela ou a impede de ter convivência com o filho ou enteado", complementa o especialista.

Para a Justiça, é muito mais prejudicial que a criança fique presa numa espiral de briga entre os pais do que conviva com alguém que cometeu um delito no passado. Há motivos para isso: as consequências psicológicas para uma criança que vive em um ambiente de conflito são drásticas.

Martírio para a criança

"As crianças sofrem muito quando os pais entram em disputas nas quais a verdade, a lealdade e os valores que lhe dão dignidade são destruídos", aponta Wimer Bottura, psiquiatra, psicoterapeuta e especialista em psicologia infantil.

[As crianças] ficam decepcionadas com quem deveria servir de modelos, trazer confiança, respeito e proteção. Também desacreditam nas pessoas mais importantes de suas vidas e acabam projetando esta decepção para o universo externo à sua família. Para piorar, elas podem se culpar ou sentir-se impotentes ante a sua incapacidade em intervir no conflito entre os pais.

Isso também serve para disputas dos pais com padrastos e madrastas. A criança tem o direito de conviver com as famílias materna e paterna como um todo --inclusive tios, avós, irmãos e o novo cônjuge dos pais. Quando uma parte trabalha para desqualificar a outra, cabe um recurso sob a justificativa de alienação parental.

Núbia (Drica Moraes) manipulou o neto na novela

Núbia desqualificou Oto e manipulou Tonho

Por isso, o simples fato de Núbia chamar Oto de criminoso é um problema. Até porque ela não tem provas de que o rapaz cometeu algum crime, o que pode ser caracterizado como calúnia --imputar falsamente a alguém um fato definido como crime. "Se não tem condenação, se o processo não está transitado em julgado [concluído depois de todas as instâncias]... Não é criminoso", diz.

Mesmo que Oto tivesse cometido um crime, Ari e a mãe não tem direito de lembrar disso a todo momento, com o intuito de desqualificá-lo. Mais uma vez, isso atrapalha a convivência de Tonho com a família materna.

Muito mais que difamação

Ofender a outra parte da família, contudo, não é a única atividade que caracteriza a alienação parental. Omitir informações sobre o filho, dificultar o convívio do pai ou mãe com a criança --seja apresentando uma falsa denúncia, mudando de casa do nada ou mesmo dificultando contatos telefônicos-- e impedir que o outro exerça seu papel de autoridade também são considerados atos de alienação.

Ari já cometeu a maioria dessas ações. O arquiteto sumiu com o filho em plena noite de Natal, vive interferindo nas decisões propostas por Brisa e nunca pediu a opinião dela sobre questões importantes relacionadas à educação e à saúde do filho. É como se ele tentasse excluir ao máximo a presença da mãe na vida do herdeiro.

Mas o que Brisa deveria fazer?

Com tudo isso rolando, o passo mais importante é juntar provas. Mensagens no celular, vídeos, fotos, testemunhas... Depois, entender por qual motivo entrará com a ação e encaminhá-la ao juiz. Com o processo em mãos, o magistrado poderá optar por uma audiência de conciliação para entender o que está acontecendo --o que de fato já foi exibido na novela-- ou dar um prazo para a outra parte se manifestar.

Quanto todas as etapas forem cumpridas, ele poderá definir uma pena. Estão previstas na lei advertência, multa, redução dos dias de convivência e/ou meios de contato, convivência assistida (como a que Brisa teve quando tentou sequestrar Tonho) e mudança da residência da criança. O juiz pode até encaminhar o alienador para uma terapia.

Ainda assim, a alienação deixa marcas. A criança pode desenvolver a Síndrome da Alienação Parental, quando passa a enxergar o pai ou mãe com o olhar do alienador. Algumas crianças culpam a mãe por abandoná-la, por exemplo, sendo que o pai que impedia a convivência dos dois. Ou toma as ofensas que o um desfere ao outro como verdade. O próprio Tonho fez isso, de tanto ouvir a avó falar mal de Oto.

Oto (Romulo Estrela) foi vítima da manipulação de Núbia (Drica Moraes) e Ari (Chay Suede)

Oto é vítima de manipulação

Mas, segundo Vasconcelos, isso pode ser remediado. "Um antidoto é o tato, a troca de afeto e o tempo de qualidade. Quanto mais tempo você passa com o seu filho ou filha, mais chances você dá para que ele veja que aquelas falas sobre você são injustas. Quanto mais próximo você fica dele, mais difícil fica para ele acreditar nas mentiras que são contadas", afirma.

A questão é que, às vezes, a alienação é tão forte que o filho não quer mais conviver com o parente que foi alienado. A criança chega a manifestar isso ao juiz em alguns casos, mas não pode bater o martelo sobre o que quer. Afinal, ainda é uma pessoa em desenvolvimento: não tem maturidade maturidade para pensar e decidir.

Nos termos da lei, a pessoa precisa conviver com ambos os seus genitores para formar sua própria personalidade e escolher, de fato, se quer cortar relações com alguém depois da maioridade.

Direito ameaçado

Se Brisa não quer entrar com um processo cujo fundamento é a alienação parental, tudo bem. Há várias outras opções nas quais os atos problemáticos de Ari se encaixam.

Quando o arquiteto deixou de entregar o menino na noite de Natal, como havia combinado com a ex-noiva, ele cometeu um ato atentatório à dignidade da Justiça. Afinal, ele simplesmente não aceitou o que foi ordenado pelo juiz. Nesses casos, o pai lesado pode até ter apoio da polícia para pegar a criança da casa do outro. 

A Constituição Federal e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) também asseguram ao filho a convivência familiar. Desrespeitar esse direito também é um ato enquadrado nos dois documentos. 

Por fim, a litigância de má-fé pode ser atribuída a todas as vezes em que Ari difamou ou desqualificou a mulher no processo, com um objetivo ilegal (ou seja, para que Tonho a repudie). Também pode ser usada nas várias vezes em que Núbia tentou interferir nos depoimentos de Tonho. Essa, aliás, é uma das formas mais nítidas que esse trama está sendo abordada da forma errada. Brisa sabe bem dos crimes da ex-sogra, mas não tomou atitude alguma.

Brisa (Lucy Alves) se despede de Tonho (Vicente Alvite) após visita

Brisa se despede de Tonho após visita

A esperança é que a perícia social e psicológica, que já conversou com o menino e os parentes, percebam que há algo errado. Segundo Vasconcelos, há formas de se fazer isso:

A criança que está sendo induzida a mentir falta com detalhes. Não consegue te dar exemplos, fica repetindo a mesma coisa. Também mudam o tom de voz e a expressão. Além disso, se a pessoa que pediu para que ela minta estiver na sala, existe uma grande chance de ela ficar a encarando, como se pedindo aprovação. E a perícia precisa ouvir pessoas que estão ao redor da criança e comparar as falas. Em conflitos de família, a gente precisa investigar o contexto.

A melhor opção, no entanto, seria Ari e Brisa encontrarem uma resolução pacífica. "Os pais precisam entender que a manutenção dos conflitos em busca de 'ter razão' fará com que eduquem filhos com alto poder de dependência, imaturos e com maior possibilidade de problemas de aprendizado, comportamento e abuso de substâncias. Ter razão sempre pode significar solidão, fracasso e relações sem a mínima reciprocidade afetiva", declara o psiquiatra Wimer Bottura. 

Uma parentalidade responsável é muito mais sobre respeitar os direitos da criança do que tentar impor apenas as suas vontades na criação dela. "Isso é saber dissociar a parentalidade da conjugalidade. Se o relacionamento não deu certo, siga em frente, o importante é ser feliz. Mas a parentalidade será mantida para sempre", completa Vasconcelos.


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