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RETALIAÇÃO

Após casos de assédio, Record demite vítimas e causa insegurança nos bastidores

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

Rhiza Castro e Elian Matte em imagens do Instagram; demitidos da Record após denunciar assédio

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ODARA GALLO e LUCIANO GUARALDO

odara@noticiasdatv.com

Publicado em 29/4/2024 - 6h10

Uma sequência de denúncias de assédio tem causado desconforto nos bastidores da Record. Funcionários se sentem inseguros não só pelo risco de serem alvos de abuso, mas também de demissão. O fato é que as vítimas que levaram adiante suas reclamações nos últimos anos acabaram demitidas da empresa. Procurada pelo Notícias da TV, a emissora não explica o motivo dos desligamentos, mas se diz "comprometida em tomar medidas rigorosas para garantir um ambiente seguro e respeitoso".

O caso mais recente ocorreu na última terça (23), quando Elian Matte tornou pública sua demissão. O repórter, que estava na equipe do Câmera Record, havia denunciado o diretor de Recursos Humanos Márcio Santos de assédio sexual em novembro de 2023. Ele se disse vítima de uma retaliação.

Santos havia sido demitido dias antes, após ser indiciado pela Polícia Civil de São Paulo. Ele estava afastado do trabalho desde que começaram as investigações da denúncia de assédio. Estava previsto que ele manteria seu vínculo com a Record durante mais um ano, mas o andamento do caso na polícia fez a emissora optar pelo desligamento.

Caso semelhante ocorreu em janeiro do ano passado, quando a jornalista Rhiza Castro perdeu o emprego dois dias depois de afirmar que tinha sido assediada por um diretor da Record News. À época, a jornalista declarou ao Notícias da TV que tinha medo de fazer a denúncia e não receber apoio da empresa. Ela recebeu a justificativa de "corte de gastos" na hora da dispensa.

Já a demissão do acusado ocorreu 11 meses depois da denúncia, em novembro. O diretor Thiago Feitosa trabalhava na emissora havia 14 anos e fez um acordo com o Ministério Público no valor de R$ 26 mil para não sofrer um processo judicial.

Em 2020, a Record mandou embora o jornalista Gerson de Souza, um ano e cinco meses depois de ele ter sido denunciado por comportamentos abusivos e por beijar uma colega sem consentimento no ambiente de trabalho.

O repórter veterano foi condenado em abril de 2023 a dois anos e meio de reclusão pelo crime de importunação sexual, mas teve sua pena convertida em prestação de serviços comunitários e multa de R$ 13,2 mil. Ele negou as acusações e disse que foi vítima de "revanchismo" por ter feito críticas ao trabalho de uma das denunciantes.

As três mulheres que acusaram Gerson de Souza de assédio não trabalham mais na Record. Duas foram dispensadas --uma delas ao voltar de uma licença médica, três meses antes do acusado. A terceira se sentiu isolada no ambiente de trabalho e preferiu pedir demissão em 2021.

Insegurança nos bastidores

Os desfechos dos casos causaram apreensão em parte dos funcionários. De acordo com fontes da reportagem, comenta-se que paira o medo de sofrer algum assédio na empresa. Não apenas pela importunação em si, mas pela possibilidade de ainda perder o emprego.

O Notícias da TV procurou a Record e questionou os motivos da demissão de cada um dos funcionários citados na reportagem, mas não obteve resposta quanto a isso. A emissora emitiu uma nota (na íntegra no final deste texto) dizendo apoiar os funcionários que fizerem denúncias.

"Todos colaboradores que se sentirem lesados têm o apoio da empresa e são orientados a procurar imediatamente a polícia para fazer a queixa formal. Depois de apurado e investigado pelas autoridades competentes, a Record reserva o direito de tomar as medidas cabíveis", afirma. "Casos de assédio são inaceitáveis e não serão tolerados na empresa", diz ainda o comunicado.

O que fazer em casos de assédio?

A reportagem consultou Luciana Morilas, livre-docente em Ética e Legislação Empresarial pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEARP-USP), para entender qual é a melhor prática em caso de denúncia de assédio entre funcionários.

A especialista explica que não é necessário --nem indicado-- esperar o desenrolar do processo para que uma atitude seja tomada no âmbito trabalhista.

"A primeira informação que as empresas precisam ter em mente é que a punição na esfera penal é diferente da esfera civil e da trabalhista. E que nem todo caso de assédio é uma ofensa a ser punida na esfera criminal. Portanto, não há qualquer relação entre a decisão judicial sobre um determinado fato e a tomada de decisão da empresa na esfera do poder regulamentar que o empregador tem", detalha.

"É prerrogativa da empresa regulamentar as relações profissionais entre os trabalhadores que se ligam a ela. É obrigação e responsabilidade ao mesmo tempo. Então, a empresa não precisa e não deve aguardar qualquer decisão judicial para se posicionar", complementa.

Sobre a dispensa de denunciantes, Luciana afirma que a prática é condenável e implica em "grave ofensa ao regramento brasileiro, na medida em que amedronta as vítimas". "Quem é que vai ter coragem de fazer uma denúncia se souber que a conduta da empresa é demitir a vítima?", questiona.

A demissão configura uma retaliação e uma mensagem de que a denúncia não é bem vista naquela empresa. Se a pessoa denunciar, pode perder o emprego; então, o trabalhador vai aceitar o assédio calado e pode até vir a adoecer. Isso cria um ambiente de trabalho hostil.

"Certamente a produtividade vai cair. Afinal, se uma pessoa precisa trabalhar junto com um abusador, ela certamente estará com medo de ser assediada. A demissão da vítima também vai estimular os agressores, que vão se sentir à vontade para seguirem praticando todo tipo de assédio."

O primeiro passo para promover um ambiente mais seguro, de acordo com a especialista, é desenvolver um Código de Conduta para nortear o que é ou não tolerado na empresa, detalhando quais medidas serão tomadas caso as regras não sejam cumpridas. "Está dentro do poder diretivo do empregador a possibilidade de realizar essas condutas disciplinares", diz.

Confira na íntegra o comunicado emitido pela Record:

"A Record está comprometida em tomar medidas rigorosas para garantir um ambiente seguro e respeitoso para todos os seus funcionários. Para tanto, a empresa tem um comitê para analisar as denúncias de assédio com confidencialidade e seriedade.

Todos colaboradores que se sentirem lesados têm o apoio da empresa e são orientados a procurar imediatamente a polícia para fazer a queixa formal. Depois de apurado e investigado pelas autoridades competentes, a Record reserva o direito de tomar as medidas cabíveis.

A Record colabora plenamente com as autoridades em qualquer investigação relacionada a casos de assédio. Reforçamos nosso compromisso com um ambiente de trabalho seguro e livre de assédio. Continuaremos a agir com responsabilidade e transparência em relação a essas questões. Casos de assédio são inaceitáveis e não serão tolerados na empresa."

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