INTUIÇÃO E ESCUTA
JOÃO COTTA/TV GLOBO
Rosane Svartman em foto de divulgação; autora usa intuição e escuta para criar novelas
Enquanto os pessimistas insistem em dizer que a novela vai acabar no Brasil, Rosane Svartman anda na contramão e escreve histórias com ótimos índices de audiência e aceitação do público. Autora de Totalmente Demais (2015), Bom Sucesso (2019) e Vai na Fé (2023), ela não acredita numa fórmula mágica de sucesso. Mas explica como usa a própria intuição, a escuta e a observação para abordar assuntos que chamam a atenção e repercutem na sociedade.
"Se tivesse uma fórmula, se tivesse um jeito… Eu sempre falo que não acredito na inteligência artificial, porque a gente faz para a criação, porque tem a ver com intuição. Eu fico quase exercitando um músculo, tentando perceber num livro por que eu gostei daquilo, numa pesquisa, num filme", afirmou a escritora ao responder uma pergunta da reportagem na 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
A autora esteve no painel Novelas e Teledramaturgia: Narrativas que Influenciam e Moldam a Sociedade, realizado na terça-feira (10), ao lado dos novelistas Maria Adelaide Amaral, Alessandro Marson e Mario Viana e do jornalista Mauricio Stycer.
Rosane ainda citou De Caligari a Hitler, obra de Siegfried Kracauer (1889-1966). "Ele fala como o expressionismo alemão anteviu de certa forma a ascensão do nazismo. Como a arte tem essa vocação de entender, não o que está naquele momento sendo discutido na sociedade, mas o que está latente. A gente, como criador, tem que prestar atenção nisso", ressaltou.
Eu fico tentando prestar atenção nisso o tempo todo. Quando dou aula, dou o seguinte exercício para os meus alunos: traz uma ideia vivida, uma ideia da sua memória. Porque tudo isso faz a gente exercitar o prestar atenção na nossa intuição. Eu andava com caderninho, agora eu ando com celular. Se você ler meu celular, todo dia eu anoto alguma coisa. É esse processo de escuta, mas também de o tempo todo tentar entender.
A novelista exemplificou seu ponto com Vai na Fé: "A novela estreou em janeiro de 2023. Naquele mesmo mês, a Folha de S.Paulo publicou uma pesquisa da Datafolha que dizia: 'O evangélico no Brasil é uma mulher negra periférica'. A gente estava justamente estreando uma novela com uma mulher negra, periférica e aspiracional no centro da trama. Não é uma coincidência, é prestar atenção no que está acontecendo".
A autora teve a percepção para criar Sol (Sheron Menezzes) quando mulheres evangélicas afirmaram gostar da representação da fé de Paloma, personagem de Grazi Massafera em Bom Sucesso. "Elas gostam de assistir à nossa novela, mas não foram retratadas do jeito que eu retratei Paloma, por exemplo, que era uma mulher católica."
Outra inspiração da novelista foi o BBB 21: "Tinha Gil do Vigor, Camilla de Lucas, Pocah, Juliette, que cantavam um louvor e depois dançavam até o chão nas festas. Eu comecei a me perguntar se a gente que estava vivendo a pandemia nas redes sociais, achando que tinha que ser coerente, senão ia ser cancelado, que a gente tinha que ser uma coisa ou outra. Enquanto aquelas pessoas podiam ser contraditórias e, principalmente, humanas", refletiu.
"Eu comecei a pensar se a personagem da Sheron, a Sol, não poderia ser uma mulher evangélica, uma mulher de fé, e que dançasse funk, que fosse para cima de um palco. E será que a gente precisa ser tão coerente assim?", questionou.
A escritora também destacou a importância dos colaboradores na roteirização da novela. "Vem o repertório e tudo que essas pessoas também estão prestando atenção. É assim: é prestar atenção no que está acontecendo", resumiu a contratada da Globo.
A gente que quer escrever, que quer criar, precisa estar o tempo todo antenado, com essa intuição e prestando atenção na gente mesmo. Anotando, trocando, escutando... Sem certeza. Eu procuro não ter certeza das coisas, ser permeável.
Rosane ainda contou que leva tanto em consideração a opinião dos colaboradores que prefere tirar do roteiro algo que causa incômodo em alguém. "É estar permeável às ideias. Parar, ouvir, se cercar de pessoas que têm trajetórias, experiências, vêm de lugares diferentes do seu. Mas também ter pulso e saber a história que está contando", explicou.
"Às vezes dá certo, às vezes não dá. Às vezes, numa mesma novela tem momentos que são bacanas e outros nem tanto. Eu geralmente começo a sala de roteiro falando 'a gente vai errar'. A gente vai tentar consertar e fazer o melhor possível sempre. Todo autor quer acertar, a gente quer que o público assista, quer dialogar com o público, quer iluminar novos pontos de vista para aquele público, quer testar fronteiras", arrematou.
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