Memória da TV
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Marcos Frota interpretou garoto excitado em Os Bons Tempos Voltaram – Vamos Gozar Outra Vez
THELL DE CASTRO
Publicado em 27/5/2018 - 8h26
Quem tem mais de 40 anos certamente vai se lembrar: sexta-feira era dia de acompanhar a Sala Especial na Record. Impensável na atual estrutura da emissora, controlada pela Igreja Universal, a sessão de filmes exibida entre 1979 e 1986 tinha um cardápio variado de pornochanchadas nacionais e, graças a cenas de nudez e sexo que faziam a alegria de adolescentes, chegou a ser a maior audiência da emissora.
Então controlada pelos grupos Paulo Machado de Carvalho e Silvio Santos, a Record não vivia uma grande fase nos anos 1980. Após o apogeu dos anos 1960, quando produziu lendários festivais de música e programas arrebatadores como Família Trapo, O Fino da Bossa e Essa Noite Se Improvisa, o canal vivia um período de decadência, sem grandes investimentos.
Boa parte da programação era composta por enlatados e reprises, com pouquíssimas atrações originais. Durante a primeira metade dos anos 1980, a Record ainda tinha força nas transmissões de futebol, com equipe comandada pelo irreverente Silvio Luiz, mas tinha foco apenas em São Paulo e poucas retransmissoras pelo Brasil.
Em 1979, entrou no ar a Sala Especial, anunciada sempre para as 23h de sexta-feira _só que, como o Jô Soares Onze e Meia, do SBT, nunca entrava no ar antes da meia-noite. Durante um bom tempo, a sessão foi precedida pelo programa sensacionalista de Jacinto Figueira Júnior (1927-2005), o Homem do Sapato Branco.
A Sala Especial exibiu praticamente todos os filmes de pornochanchada produzidos no Brasil nos anos 1970 e 1980. A maior distribuidora de filmes para a emissora era a Cinedistri, de Aníbal Massaini Neto.
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Após grande repercussão como miss, Vera Fischer foi a protagonista de A Super Fêmea (1973)
Entre os títulos mais inusitados estão A Super Fêmea, sucesso de 1973 estrelado por Vera Fischer; Nos Tempos da Vaselina (1979), com João Carlos Barroso e Kate Lyra; Como É Boa Nossa Empregada (1973); Os Bons Tempos Voltaram – Vamos Gozar Outra Vez (1985), Gugu, o Bom de Cama (1980), entre muitos outros.
Um dos filmes mais exibidos pela sessão foi Histórias que Nossas Babás Não Contavam, sátira de nada menos que Branca de Neve e os Sete Anões. O canal também exibiu clássicos da obra de Nelson Rodrigues (1912-1980), como Bonitinha, mas Ordinária ou Otto Lara Resende (1981), com Lucélia Santos no papel principal.
Em seu Blog do Curioso, o jornalista Marcelo Duarte, autor do O Guia dos Curiosos, cita a Sala Especial.
"Ficávamos acordados até tarde nas noites de sexta para ver Sala Especial, na TV Record. Cansei de ver a mulata Adele Fátima como Clara das Neves em Histórias que Nossas Babás Não Contavam. De vez em quando, sem explicação, as cenas de nudez eram simplesmente cortadas. Desespero geral. Sono perdido por nada. Eram tempos até mais ingênuos", relatou, em post de 2008.
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Histórias Que Nossas Babás Não contavam fazia uma sátira à história de Branca de Neve
De acordo com descrição de Duarte, em texto de 2014, o locutor da Record introduzia a sessão da seguinte forma: "Atenção: a direção da TV Record informa que a sessão Sala Especial tem o objetivo de prestigiar o cinema nacional, os cineastas e os atores brasileiros. Por outro lado, esclarece aos senhores pais que este horário é rigorosamente proibido para menores de 18 anos, de acordo com o Certificado de Exibição, expedido pelo Departamento de Censura da Polícia Federal".
A Sala Especial chegou a ser uma das maiores audiências da Record, marcando 14 pontos em seu auge. Em 21 de julho de 1986, a Folha de S.Paulo informava que a sessão marcou 9 pontos, com 250 mil domicílios e 368 mil telespectadores sintonizados na Grande São Paulo, sendo o programa mais visto do canal naquela semana.
No segundo semestre de 1986, a Record reformulou sua programação, mudou seu logotipo e estreou novos programas, tirando a Sala Especial do ar. Os órfãos dos filmes do gênero ganharam, em 1993, a Sexta Sexy, na Band. A sessão, em 1995, virou Cine Privé, ficando no ar até 2010, sempre entre as maiores audiências da emissora.
Em 2004, a Record contatou Massaini para exibir filmes nacionais em sua programação. Foi exibido no dia 7 de setembro o longa Independência ou Morte, de 1972, com Tarcísio Meira e Glória Menezes. A intenção era firmar uma parceria para utilizar o catálogo da Cinearte e da Cinedistri, com sucessos como O Pagador de Promessas (1962) e Lampião – O Rei do Cangaço (1964).
Evidentemente, as pornochanchadas, na fase pós-Edir Macedo, ficariam de fora. O acordo, no entanto, não foi concretizado e acabou esquecido.
Atualmente, as pornochanchadas nacionais podem ser acompanhadas nas madrugadas do Canal Brasil, da Globosat, que tem como um dos sócios justamente Aníbal Massaini Neto.
THELL DE CASTRO é jornalista, editor do site TV História e autor do livro Dicionário da Televisão Brasileira. Siga no Twitter: @thelldecastro
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