Memória da TV
Divulgação
Painel forma a imagem do urso Misha, mascote da Olimpíada de Moscou, na abertura
THELL DE CASTRO
Publicado em 31/7/2016 - 8h36
A Globo teve diversos problemas para a transmissão dos Jogos Olímpicos de 1980, realizados em Moscou, na então União Soviética. Os repórteres da emissora sofreram com a língua, com a censura do regime comunista e com problemas com satélites e transmissores, que fizeram com que diversas partidas fossem exibidas com bastante atraso. Reportagens tiveram trechos cortados pelos russos, e profissionais da emissora chegaram a ser ameaçados de expulsão por terem burlado a vigilância.
O evento ficou marcado pelo boicote dos Estados Unidos e mais de 60 países alinhados, como Canadá, Alemanha Ocidental e Japão, em função da invasão da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) ao Afeganistão, ocorrida um ano antes _ironicamente, o país invadido esteve na competição.
Terceira olimpíada transmitida ao vivo no Brasil, foi exibida pela Globo e pela Cultura, que firmaram um acordo com a televisão soviética, recebendo as imagens ao vivo e também material para boletins, que eram veiculados no período noturno.
A Globo, especificamente, teve diversos problemas com a censura soviética. Como a geração das imagens para o Brasil era feita diretamente de Moscou, tudo tinha que ser previamente aprovado por representantes do regime. Muitos cortes foram feitos pelos soviéticos diretamente na hora de enviar as imagens via satélite.
Em depoimento ao projeto Memória Globo, o jornalista Luiz Nascimento, que integrou a equipe, contou que a maior dificuldade em todo o processo era se fazer entender pelos russos. Muitas vezes, a comunicação era feita por mímica.
Outro problema era sentido na pele pelas equipes de gravação. Os profissionais simplesmente não podiam circular livremente por Moscou. Sempre estavam acompanhados por um intérprete, que se suspeitava ser um agente da KGB (polícia secreta soviética).
Os repórteres Marcelo Matte e Daniel Andrade quase causaram um incidente diplomático. Eles conseguiram burlar o controle e foram gravar uma reportagem mostrando como vivia uma autêntica família soviética. O material nunca foi ao ar, e a equipe quase foi mandada de volta para o Brasil.
Inovações e mais problemas
Em Moscou, a Globo teve, pela primeira vez, uma redação e uma sala de controle, de onde eram recebidos e enviados os sinais de transmissão ao vivo e materiais para os telejornais. As imagens ainda eram gravadas em filmes, mas convertidas em videotape antes da geração para o Brasil. Também de forma inédita, uma equipe foi enviada exclusivamente para fazer reportagens para o Jornal Nacional.
Muitos jogos foram mostrados ao vivo, especialmente partidas dos brasileiros no basquete, vôlei e futebol. Vários jogos, no entanto, tiveram a transmissão anunciada, mas, devido a problemas da transmissão soviética, foram mostrados somente horas depois _ou até no dia seguinte.
A Folha de S. Paulo de 25 de julho de 1980 explicava: "Um novo boicote ameaça a Olimpíada de Moscou. Desta vez, não se trata de nenhum aliado incondicional dos Estados Unidos, mas de um legítimo soviético: o transmissor da Arena Menor, onde se realizam as competições de vôlei e basquete. Há dois dias o aparelho está pifado, impedindo a conversão do sinal da TV soviética para o sistema PAL-M, usado no Brasil. Por essa razão, as transmissões anunciadas como 'ao vivo' surpreendem quem liga a TV e assiste às disputas do dia anterior. Ontem, por exemplo, a Cultura e a Globo receberam apenas o áudio do jogo entre o Brasil e a Romênia, no vôlei masculino, enquanto a TV soviética se esforçava para enviar as imagens através da conexão da Alemanha Federal com o satélite, sem sucesso".
As transmissões das emissoras de rádio acabaram salvando quem queria acompanhar as partidas no momento em que aconteciam.
Além de Munique (1972), Montreal (1976) e Moscou (1980), a Globo transmitiu todos os Jogos Olímpicos até 2008, em Pequim, na China. Ficou fora de Londres, em 2012, quando a Record conquistou os direitos exclusivos para a televisão aberta. Nos Jogos deste ano, que começam na próxima sexta, no Rio de Janeiro, a Globo preparou uma das maiores coberturas da história das olimpíadas.
THELL DE CASTRO é jornalista, editor do site TV História e autor do livro Dicionário da Televisão Brasileira (Editora InHouse). Siga no Twitter: @thelldecastro
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