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MEMÓRIA DA TV

Em 1990, Globo irritou artistas ao proibir 'bostinha', 'bundão' e 'viado'

Divulgação/TV Globo

Chico Anysio em cena da Escolinha do Professor Raimundo: humorista falou em volta da censura - Divulgação/TV Globo

Chico Anysio em cena da Escolinha do Professor Raimundo: humorista falou em volta da censura

THELL DE CASTRO

Publicado em 16/12/2018 - 7h31

Em 1990, o uso de palavrões foi proibido na programação da Globo. A ordem para censurar 16 palavras de todas as produções foi baixada pelo então todo-poderoso da emissora, o vice-presidente de Operações José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, após uma orientação do empresário Roberto Marinho (1904-2003), dono da rede.

A medida repercutiu na imprensa, como cita inusitada texto da Folha de S.Paulo de 18 de novembro de 1990. "A TV Globo distribuiu, há duas semanas, um memorando aos seus diretores e autores com um índex de 16 palavras que devem ser definitivamente eliminadas de toda a programação da emissora", informou.

As palavras proibidas foram: "bundão", "bundinha", "bunda-mole", "merda", "merdinha", "porra", "puta", "cacete", "rabo" (com o sentido de "bunda"), "bosta", "bostinha", "cagada", "cagão", "viado" e "mijão".

"Essas palavras chulas são, segundo o setor de avaliação da Central Globo de Programação, as que aparecem com maior frequência nos programas da emissora. O memorando solicita aos autores que eliminem as palavras de seus scripts", explicou o jornal.

"No caso de programas já gravados, ou de algum descuido, o diretor deverá cortar a expressão proibida, substituindo-a por outra expressão adequada", completou.

Ainda segundo o documento, "o uso de palavrões nunca fez o sucesso dos grandes escritores e nada tem a ver com a linguagem coloquial da TV. As novelas nunca precisaram disso para reforçar suas situações".

Os artistas da casa, evidentemente, se posicionaram a respeito da iniciativa. O autor Dias Gomes (1922-1999), que estava no ar com a novela Araponga, disse que era contra proibir qualquer coisa, mas não achava a medida tão drástica.

"Aceito discutir a justeza ou não da colocação de um termo grosseiro na boca de um personagem", disse ele, completando que continuaria a usar uma expressão desse tipo quando julgasse necessário.

Chico Anysio (1931-2012), então à frente da Escolinha do Professor Raimundo, foi mais enfático. "Deve ser uma satisfação que a Globo está dando à volta da Censura", disse o humorista, referindo-se à portaria da época feita pelo Ministério da Justiça que classificou os programas de acordo com as faixas de idade.

Já Fausto Silva, que estava na emissora havia pouco mais de um ano, disse que nem tinha recebido o comunicado --e fez graça sobre o assunto. "Ou o Boni acha que sou um caso perdido, ou acha que realmente não falo mais palavrão", brincou.

Anysio aproveitou para dar uma cutucada. "Fiquei contente porque nem 'pentelho', nem 'porrada' foram proibidas. Isso não vai atrapalhar o programa do Faustão", disparou. "O memorando foi um momento de mau humor do Boni", completou.

Ainda segundo a Folha, Boni disse, em reunião da emissora, que esse foi o memorando mais engraçado que já tinha escrito. E uma das consequências apareceu logo em seguida: o clipe de um funk, escrito pelo DJ Marlboro e pelo humorista Hubert, que seria interpretado por Luiz Fernando Guimarães para o Fantástico, teve sua gravação suspensa.

A medida também repercutiu entre profissionais de outros canais. Walter Avancini (1935-2001), que na época dirigia a teledramaturgia do SBT, fez um discurso à reportagem: "Tem que ter um clima que leve ao palavrão na cena. Quando um palavrão surge dentro de um clima, ele é assimilado. Senão, é um equívoco. Seu uso não pode ser mecânico nem oportunista".

Atílio Riccó, então diretor artístico da Manchete, disse que o memorando era "demagogia". "É mais para dar repercussão na imprensa e para mostrar que, lá, tudo é muito correto. Que eles querem dar o exemplo. Mas duvido que ele seja cumprido. Não acredito na sua eficácia", afirmou.


THELL DE CASTROé jornalista, editor do site TV História e autor do livro Dicionário da Televisão Brasileira. Siga no Twitter: @thelldecastro

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