Memória da TV
Fotos Divulgação/TV Globo
Tarcísio Meira e Vera Fischer se beijam em Coração Alado (1980), que mostrou estupro e masturbação
THELL DE CASTRO
Publicado em 19/4/2015 - 6h57
Se nos dias de hoje alguns temas abordados em novelas criam polêmicas, como beijos entre pessoas do mesmo sexo, imagine em 1980, em plena Ditadura Militar (1964-1985). Naquele ano, Coração Alado, novela da Globo escrita por Janete Clair (1925-1983), escandalizou a sociedade brasileira com cenas de estupro e masturbação.
Dirigida por Roberto Talma e Paulo Ubiratan (1947-1998), a produção era estrelada por Tarcísio Meira, que vivia Juca Pitanga, um artista plástico nordestino que ia para o Rio de Janeiro em busca de reconhecimento profissional. Ele se dividia entre o amor de Catucha (Débora Duarte) e o de Vivian (Vera Fischer).
No meio da novela, foi ao ar uma cena de estupro envolvendo Vivian e Leandro, personagem de Ney Latorraca. Leandro se aproveitou de uma viagem de Mel (Joana Fomm) para atacar Vivian, sua cunhada. Ela engravidou e o público não sabia se o filho era de Leandro ou de Juca. Vivian pensou em aborto, mas desistiu da ideia. Ao ter seu filho, o abandonou. Mas se arrependeu e foi em busca de recuperar sua guarda.
Ao jornal O Globo de 28 de setembro de 1980, Janete Clair contou que o momento em que Vivian foi violentada pelo cunhado era decisivo para a novela. “A partir desse fato, as emoções começam a se suceder. O que aconteceu com Vivian vai servir de fio condutor para o surgimento de muitas coisas novas”, explicou.
A autora também contou que criou a cena baseada em uma carta que recebeu, muitos anos antes, de uma telespectadora. “Recebi uma carta de uma moça simples, que foi atacada sexualmente pelo cunhado. O que ela me contou era fantástico, tão triste, que resolvi aproveitar na novela. Guardo essa carta comigo até hoje. Como Vivian, chega até a pensar em aborto. Mas, por uma questão de formação, leva a gravidez adiante e tem a criança. Esse filho é a saga da personagem e dará um novo rumo à novela”, concluiu.
Na mesma reportagem, Ney Latorraca disse que não via seu personagem como uma pessoa totalmente má. “Acho que se Leandro for encarado apenas como um mau-caráter, a história perde muito de sua graça. Ele tem altos e baixos e está me gratificando demais exatamente por ser tão humano, igual a milhares de pessoas que andam impunemente pelas ruas. Foi um momento de fraqueza”, disse. “E qual o homem que não se sentiria atraído por uma cunhada como a Vera Fischer?”, brincou.
Maria Helena Dutra, no Jornal do Brasil de 12 de outubro de 1980, criticou a cena do estupro. “A famosa cena seria até bem feita se não fossem os atores selecionados para o evento. Vera Fischer não tem o menor cacoete de indefesa criatura e é bastante mais atlética do que o frágil violentador Ney Latorraca. Qualquer cotovelada no plexo solar encerrava o assunto”, disse.
Tarcísio Meira (Juca Pitanga) e Débora Duarte (Catucha) em cena de Coração Alado
Masturbação com áudio vazado
Coração Alado também foi a primeira novela a abordar a masturbação, em uma cena quase explícita de Catucha, com um áudio vazado. Por uma falha técnica, foi ao ar a voz do diretor Roberto Talma orientando a atriz sobre como se comportar. Foi, simplesmente, um escândalo.
Artigo na Folha de S.Paulo de 10 de março de 1981 disse que Coração Alado bateu recordes de “non-sense”. Apesar da polêmica, ressaltou que era melhor ter uma produção assim no ar do que outras anteriormente mutiladas pela censura.
“Talvez seja a isso que o governador Maluf se refere, quando alude à pornografia na televisão. Enfim, é melhor que os telespectadores mudem de canal ou desliguem a TV se não gostarem do que veem, do que a censura voltar a intuir nossos desejos. Democracia tem disso: respeito ao direito de todos, por mais exóticos que sejam alguns entre esses todos”.
A novela não foi unanimidade e, apesar de até obter boa audiência, não deixou saudades.
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