Memória da TV
Reprodução/Memória Globo
José Wilker e Paulo Gracindo em cena de Bandeira 2, novela que retratava a rivalidade entre dois bicheiros
THELL DE CASTRO
Publicado em 20/7/2014 - 6h57
RESUMO: Interpretado por Paulo Gracindo na novela Bandeira 2, o bicheiro Tucão ficou tão popular que um boato de que o ator tinha morrido levou mais de 3.000 pessoas ao cemitério, no Rio, em 1972. O público teve de ser contido pelos figurantes, que gravavam a cena da morte do personagem, imposta pela Censura. "A multidão chorou de verdade", registrou o jornal no dia seguinte
Até 1971, Paulo Gracindo (1911-1995) era reconhecido como um homem de rádio e do teatro. Na televisão, geralmente fazia papéis de grã-finos e magnatas. A situação mudou com a novela Bandeira 2, da Globo. No papel do bicheiro Tucão, Gracindo conquistou o público brasileiro, que não aceitou a controversa morte do personagem no último capítulo da trama de Dias Gomes (1922-1999).
Exibida entre 23 de outubro de 1971 e 15 de julho de 1972 no horário das 22h, Bandeira 2 contava a história dos inimigos Tucão e Jovelino Sabonete (Felipe Carone), que disputavam o controle dos pontos do jogo do bicho no subúrbio de Ramos, no Rio de Janeiro.
A novela, que também tinha nomes como José Wilker, Stepan Nercessian, Marília Pêra e Milton Moraes, logo caiu no gosto do público, mas sofreu bastante com a ação da Censura Federal. Uma das principais imposições dos censores foi justamente a morte de Tucão, para que, segundo eles, o mal não triunfasse sobre o bem.
Assim foi feito, mas o tiro saiu pela culatra. Durante a gravação do enterro, espalhou-se um boato que Paulo Gracindo havia realmente morrido. Resultado: mais de 3.000 pessoas compareceram ao cemitério e tiveram que ser contidas pelos figurantes. O jornal O Globo de 14 de julho de 1972 destacou que “o povo acompanhou o enterro e quis ver se o cadáver estava mesmo no caixão”.
O fato também foi utilizado politicamente pelo jornal carioca Luta Democrática, que estampou a manchete “Morreu Tucão” em letras garrafais e teve grande procura de seus exemplares.
Paulo Gracindo e Elizângela em Bandeira 2, novela de Dias Gomes dirigida por Daniel Filho
O jornal O Globo de 18 de junho de 1972 publicou um grande texto sobre o sucesso do personagem e do polêmico desfecho: “Morreu Tucão. No último capítulo de Bandeira 2, Pau-de-Arara matou a facadas o rei do jogo do bicho na Leopoldina. As cenas da morte e do enterro de Tucão não emocionaram apenas os espectadores. A multidão que acompanhou o enterro chorou de verdade, na consagração definitiva do trabalho de um ator. E ele também chorou”.
Ninguém falava abertamente em censura, até porque não era permitido. Mesmo assim, Milton Moraes (1930-1993), em outra entrevista, disse que a morte de Tucão foi a melhor solução. “Se ele não morresse, a novela não acabava nunca. Foi a melhor solução encontrada. Tucão era o filão de toda a trama armada por Dias Gomes. Todos repudiam os atos violentos e, principalmente, o crime. Mas, no caso, a morte foi a melhor forma achada para impedir que Bandeira 2 tivesse um fim de love story. Jamais poderia acabar numa laranjada”, disse.
O queridinho dos bicheiros
Além do sucesso com o público em geral, Paulo Gracindo caiu nas graças dos bicheiros cariocas. Meses antes do desfecho da trama, em 8 de janeiro de 1972, o ator contou ao jornal O Globo que era convidado para conhecer e jantar com os contraventores.
O início da reportagem já dizia tudo: “Há poucos dias, Paulo Gracindo estava em sua casa, preparando-se para assistir a mais um capítulo de Bandeira 2, quando é chamado ao telefone. Gracindo vai atender. Com mil eufemismos, o homem explica ser, sem se identificar, secretário particular de um dos bicheiros mais importantes da cidade. Quer que Gracindo vá conhecer seu patrão, jantar com ele, se for possível. O bicheiro é vidrado em Bandeira 2 e não ficará sossegado se não conhecer pessoalmente o ator”.
Em outra ocasião, quando souberam que uma peça de teatro do ator estava com pouco público, os bicheiros compraram 120 lugares para uma única apresentação.
Marília Pêra como Noeli em Bandeira 2; a atriz não gostou da novela e pediu para sair
Para compor o personagem, Gracindo pesquisou bastante, procurando se entrosar com pessoas ligadas ao mundo da marginalidade. Pintou os cabelos grisalhos com tinta preta, alisou-os grosseiramente, comprou roupas velhas, como calças largas e camisas listradas. “Apareceu na TV, no dia seguinte, para espanto geral. Todos concordavam à primeira vista, de Dias Gomes aos diretores da Globo: é o próprio Tucão”, destacou o jornal.
Mas a trama também causou prejuízos aos bicheiros, pelo menos em duas ocasiões: no capítulo de 22 de maio de 1972, Sabonete aconselhou um personagem a jogar no pavão. No dia seguinte, milhares de pessoas seguiram o “conselho”. E não é que deu pavão mesmo? Na outra coincidência, no dia seguinte em que o último capítulo foi ao ar, deu macaco _o número correspondente ao da sepultura de Tucão.
“Foi a minha maior glória”, declarou Gracindo a O Globo. “Depois de tantos anos, jamais esperava viver papel tão difícil, antipático a princípio, mas que depois agradou em cheio”, completou. “Foi uma coisa maravilhosa. As cartas chegavam diariamente de todos os pontos do país. É minha consagração. Sou o homem mais feliz deste mundo”, disse, em outro trecho da entrevista.
Comprovando a grande fase que vivia, menos de um ano depois, Paulo Gracindo viveria outro papel marcante na televisão: o político Odorico Paraguaçu, de O Bem Amado, outra obra-prima de Dias Gomes.
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