20 anos no ar
Imagens: Reprodução/Comedy Central
Cartman (à esq.), Stan, Kenny e Kyle no ponto de ônibus escolar, cena padrão de South Park
LUCIANO GUARALDO
Publicado em 13/8/2017 - 7h38
Lançada há exatos 20 anos, em 13 de agosto de 1997, a animação South Park nunca foi voltada para o público infantil, apesar de ter quatro crianças como protagonistas. Ao longo de 277 episódios, os meninos soltaram milhares de palavrões, cometeram crimes bizarros, detonaram políticos e celebridades e não pouparam nenhuma religião.
Mas, mesmo para uma série que colocou em seu piloto um duelo mortal entre Jesus Cristo e o Papai Noel, ou que apresenta Saddam Hussein como o amante gay de Satanás, South Park às vezes ultrapassa os limites do aceitável e gera controvérsias.
Os criadores Trey Parker e Matt Stone já receberam ameaças de morte por representarem o profeta muçulmano Maomé e acabaram censurados dentro do Comedy Central, que em 13 de setembro estreia a 21ª temporada.
Tom Cruise também já tentou processar a série por um episódio em que uma versão fictícia do galã se recusava a sair (literalmente) do armário, uma óbvia referência às dúvidas sobre a sexualidade do ator de Hollywood.
E se revoltou ainda mais com as piadas sobre a cientologia _as críticas à religião foram tão fortes que um dos dubladores do desenho, adepto da fé, pediu demissão.
Confira sete momentos em que South Park trocou as risadas pela polêmica:
Tom Cruise em versão animada antes de entrar no armário: não sai nem com apelo de amigos
Galã no armário
Durante boa parte de sua carreira, Tom Cruise esteve sujeito a questionamentos sobre sua sexualidade. Nem mesmo os casamentos com Nicole Kidman e Katie Holmes ou um namoro amplamente divulgado com Penélope Cruz fizeram os boatos cessarem.
Na nona temporada, Parker e Stone brincaram com a situação e colocaram o galã dentro do guarda-roupa do protagonista Stan. Apesar dos apelos de vários personagens, ele se recusava a sair do armário.
Cruise cogitou ameaçar os produtores pelo desenho, mas desistiu quando soube que a Constituição norte-americana permite paródias. Difamação também não seria uma acusação plausível pois, apesar de a piada com "sair do armário" ser óbvia, o episódio não faz nenhuma referência direta à possível homossexualidade do ator.
Assim, o galã preferiu usar sua influência com a Viacom, conglomerado de mídia que controla o Comedy Central: uma reprise do episódio foi cancelada após Cruise ameaçar desistir da turnê de divulgação de Missão: Impossível 3 (2006), uma produção da Paramount Pictures (também controlada pela Viacom).
Cartman veste camisa com o termo "shit"; um contador na tela registrava cada xingamento
Boca suja
Tudo bem que os personagens de South Park nunca foram politicamente corretos. Mas, no episódio It Hits The Fan, que abriu a quinta temporada, os palavrões chegaram a outro nível: o termo "shit" (merda, em inglês) é dito 162 vezes, uma média de um xingamento a cada oito segundos. Além disso, a palavra aparece escrita 38 vezes, completando 200 citações à "merda" em um único episódio.
Os executivos do Comedy Central resolveram não censurar os xingamentos, pois consideraram que eles tinham coerência no conteúdo do episódio. A decisão surpreendeu até mesmo Parker e Stone, que colocaram um contador de palavrões no canto da tela durante todo o capítulo.
Com tantas profanidades, South Park foi parar no Guinness Book, o Livro dos Recordes, como o desenho animado com mais xingamentos da história.
Satanás e Saddam Hussein em clima de romance na casa que eles dividem no Inferno
Casal improvável
Enforcado em 2006 na vida real, o ditador iraquiano Saddam Hussein (1937-2006) teve sua morte antecipada por South Park: no primeiro episódio da segunda temporada, em 1998, o político é morto quando todos os canadenses soltam puns ao mesmo tempo para impedir uma invasão de soldados do Iraque.
Mas a participação de Hussein não acabou ali: no Inferno, ele vira amante gay de Satanás e tenta convencer o diabo (apresentado como uma dona de casa inocente) a conquistar o mundo e espalhar o mal. Ninfomaníaco, o Saddam da ficção sempre tenta levar o parceiro para a cama e usa o sexo como arma de persuasão.
Durante um evento de TV na Escócia, Parker e Stone disseram que soldados americanos usaram South Park como forma de tortura a Hussein durante a prisão do ditador. Eles também revelaram que ganharam uma foto autografada do ex-líder iraquiano. "É um dos pontos altos da nossa carreira", contou Stone.
Steve Irwin surgiu com uma raia presa ao peito ensaguentado após sua morte na vida real
Memória desonrada
Nem os mortos resistem ao humor cáustico de South Park. O biólogo australiano Steve Irwin (1962-2006), conhecido por apresentar o programa O Caçador de Crocodilos (1996-2004), do Animal Planet, foi satirizado em um episódio da décima temporada, após sua morte na vida real, causada por um ataque de raia.
No episódio Hell on Earth 2006, Irwin aparece em uma festa à fantasia no Inferno. Com seu traje clássico e uma raia cravada no peito sangrento, ele é barrado por Satanás, que diz que a fantasia é de mau gosto. Ao explicar que é o verdadeiro Steve Irwin, e não alguém fantasiado, acaba expulso por não ter se vestido de nada.
O episódio causou controvérsia pois Irwin era uma figura querida pelo público norte-americano e a cena foi ao ar menos de dois meses depois de sua morte trágica.
O imperador espacial Xenu, figura central da cientologia, como foi representado em South Park
Fé de outro planeta
Brincar com religiões é uma das marcas de South Park. Cristãos, judeus e muçulmanos são frequentemente satirizados na animação. Um episódio da nona temporada causou controvérsia por retratar os conceitos da cientologia. Não de forma satírica, mas exatamente como eles são.
A religião, seguida por astros de Hollywood como Tom Cruise, John Travolta e Elisabeth Moss, é baseada em preceitos do escritor L. Ron Hubbard (1911-1986), que acredita que os terráqueos são a reencarnação de almas alienígenas jogadas em um vulcão no Havaí por um imperador espacial chamado Xenu.
Os conceitos são tão surreais que, ao serem retratados em South Park, foram acompanhados pela legenda "Os seguidores da cientologia realmente acreditam nisso". A ridicularização, embora construída em cima de fatos reais, não pegou bem com o cantor Isaac Hayes (1942-2008), que dublava o cozinheiro Chef no desenho. Ele pediu demissão assim que tomou conhecimento do episódio.
Padre observa imagem de Nossa Senhora em meio ao sangue expelido pela estátua: heresia
Sangue que cura
Ainda no pântano religioso, South Park mirou no cristianismo ao mostrar uma imagem de Nossa Senhora que sangrava. O "milagre" foi visto como uma forma de cura de várias doenças, de paralisia física a alcoolismo. Até o papa Bento 16 viaja à cidade para analisar os "sangramentos santos". É aí que vem a revelação: o sangue fazia parte do ciclo menstrual da estátua, e não era fruto de nenhum milagre.
Revoltada com a cena, a Igreja Católica exigiu um pedido de desculpas dos criadores e que o episódio nunca mais fosse exibido ou lançado em DVD. Na Nova Zelândia, bispos cristãos promoveram um boicote à emissora C4, que transmite a animação por lá. Apesar dos protestos, o episódio não foi censurado.
Divindades de várias religiões se unem em uma sátira de super-heróis: Maomé foi censurado
Guerra santa
A maior polêmica relacionada a South Park ocorreu na décima temporada, com dois episódios centrados na controvérsia da representação de Maomé na mídia. Pouco antes, um jornal dinamarquês tinha sido criticado por grupos muçulmanos após ter apresentado o profeta de forma desrespeitosa.
Os criadores de South Park, então, criaram uma trama na qual a Fox censuraria o desenho Uma Família da Pesada por exibir uma piada com Maomé. Mas o jogo virou, e o próprio Comedy Central acabou censurando a aparição de Maomé no fim do episódio de South Park, "por questões de sensibilidade".
Quatro anos depois, para celebrar os 200 episódios do desenho, Parker e Stone fizeram um novo programa repercutindo várias polêmicas do passado. Maomé surgiria em uma fantasia de urso. Novamente, o Comedy Central colocou faixas pretas sobre o profeta e sons de censura sobre qualquer referência em áudio a ele.
Mesmo assim, grupos muçulmanos se revoltaram e ameaçaram de morte os dois criadores. "Eles provavelmente vão acabar como Theo van Gogh", postaram em um site de religiosos extremistas. Van Gogh (1957-2004) foi um cineasta holandês que teve a garganta cortada e o peito esfaqueado após fazer um documentário sobre o abuso sofrido por mulheres em países muçulmanos.
Os dois episódios nunca mais foram reprisados nem estão disponíveis no site oficial do desenho, ao contrário do que acontece com todos os outros capítulos da animação. Eles também não podem sem comprados no iTunes ou vistos na plataforma de streaming Hulu.
O apresentador Jon Stewart, que na época era o principal nome do Comedy Central, criticou em seu programa The Daily Show a decisão do próprio canal de ceder às ameaças do grupo muçulmano, apesar de entender que a segurança dos funcionários do canal estava em jogo caso o episódio fosse exibido sem cortes.
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