Minaaa!
Fotos: Rodrigo Anjos/Notícias da TV
A atriz Ilva Niño ao lado do oratório que mantém em seu apartamento, no Rio de Janeiro
JANAÍNA NUNES
Publicado em 16/12/2015 - 5h27
Quando soube que estava com câncer no intestino, há dois anos, a atriz Ilva Niño decidiu pedir demissão da Globo. A eterna intérprete de Mina, a empregada de Viúva Porcina (Regina Duarte) em Roque Santeiro (1985), tinha acabado de atuar em Saramandaia (2013). Tinha na época um contrato de dois anos com a emissora.
"O médico havia me dito que era câncer em estágio terminal. Então, resolvi sair [da Globo] porque achei que estava ocupando o lugar dos outros", afirma a atriz de 82 anos. Em 2014, ela fez duas cirurgias. Na semana passada, recebeu a melhor notícia da década. "Tive alta médica. Estou praticamente curada. Pronta para carregar pedra! Meus amigos ainda não sabem, então, aviso: Quero voltar a trabalhar".
Pernambucana, Ilva tem 60 anos de carreira. Na Globo, trabalhava desde 1971. Foram mais de 30 novelas, boa parte delas dando vida a empregadas, nordestinas ou barraqueiras. A atriz tem o apartamento repleto de cruzes e imagens de santos, mas, para ela, a energia positiva dos amigos foi fundamental para a recuperação.
"Acredito que isso me fez reagir durante o tratamento. Agora, estou bem. Estou remontando a peça do meu filho, Cabaré da Humanidade, que deve estrear depois do Carnaval. É um musical lindo em que atuo e dirijo", conta. A peça será encenada no teatro que ela e seu ex-marido, o diretor Luiz Mendonça (1931-1995), criaram no Rio de Janeiro, o Niño de Artes Luiz Mendonça. "Mantenho o teatro para que a história dele continue viva", diz. O filho do casal, o também diretor Luiz Carlos Niño, morreu aos 40 anos de idade.
Mina, a mãe de Porcina
Na TV, a personagem de maior sucesso de Ilva foi Mina. E ela faz questão ressaltar: é a única atriz viva que esteve nas três versões de Roque Santeiro. A novela é inspirada na peça O Berço do Herói (1965), de Dias Gomes (1922-1999). O espetáculo foi censurado durante a Ditadura Militar (1964-1985). Dez anos depois, virou a primeira versão da novela Roque Santeiro (1975), que acabou vetada no dia da estreia. Em 1985, finalmente, a trama foi liberada, mas boa parte do elenco já havia mudado.
"Eu fiquei. Na peça, eu era uma prostituta que na segunda versão da novela ficou com a Isis de Oliveira. Na primeira versão [da novela], eu era a Mina. Quando me chamaram para fazer a trama novamente, continuei com o mesmo papel. Me lembro de pensar: 'Será que agora vai?' E foi".
Até hoje Nilva ouve um "Minaaaaaa" pelos lugares onde passa. Sua personagem era chamada assim, aos berros, pela Viúva Porcina. O que poucos sabem é que Mina era para ser a mãe da amante de Sinhozinho Malta (Lima Duarte).
"Regina Duarte era demais no estúdio comigo. Um amor. Foi ela quem inventou esse grito. Com a Beth Faria [a primeira Porcina] não tinha isso, não. Mina e Porcina brigavam muito porque se amavam. Era uma amizade feminina sem interesse. No final da história, Mina seria a mãe da Porcina, mas aí o Dias voltou ao comando da trama e essa ideia, que era de Aguinaldo Silva, não se concretizou", lembra.
Dias Gomes escreveu os primeiros 40 capítulos de Roque Santeiro. A partir daí, o texto ficou com Aguinaldo Silva. A novela virou um sucesso, um dos maiores da teledramaturgia nacional. Na reta final, Dias reassumiu o folhetim. "Aguinaldo ficou muito chateado com isso porque esteve na maior parte da história, mas não havia o que fazer", conta Ilva.
Muitas empregadas e um baú de histórias
A atriz acreditava que trama seria proibida de novo por causa do padre vivido por Paulo Gracindo. "Ele ia visitar as meninas na zona, era um padre meio revolucionário. Mexeram com a igreja, né? Foi Aguinaldo que botou porque ela era jornalista e conhecia muita gente diferente. Hoje existem muitos padres como aquele de Roque. Ele previu o futuro", diverte-se.
Ela ganhou alguns prêmios ao longo de sua extensa carreira. O maior deles foi ao dar vida a mulher do padeiro (Dorinha) em O Auto da Compadecida. "A peça está completando 60 anos e eu fui a primeira mulher do padeiro. Ganhei o prêmio de melhor atriz na época, e o Ariano Suassuna [1927-2014], meu amigo, ganhou de melhor autor", relembra. A atriz, aliás, estudou teatro com Suassuna.Ilva fez muitas empregadas nas novelas. Antes de Mina, deu vida à doméstica Cotinha, conhecida como Cotinha da Vieira Souto no folhetim Sem Lenço, Sem Documento (1977), de Mário Prata.
"A trama não fez sucesso, mas a personagem ficou muito famosa. Não posso reclamar porque interpretei muitos personagens coadjuvantes bons. Fui uma cangaceira, a mãe de Lampião, em Cordel Encantando [2011], e a parteira Epifânia de Cheias de Charme [2012], por exemplo. Fiz e faço muitos papéis bons tanto no teatro como na TV", argumenta.
Ilva é um baú repleto de histórias. Passou por inúmeros desafios na vida, a perda do filho, do ex-marido (eles ficaram casados durante 15 anos, porém continuaram grandes amigos). Pernambucanos, ela e Mendonça foram dois dos criadores do Movimento de Cultura Popular (o MCP), que tinha a pretensão de educar por meio do teatro. Ambos eram filiados ao Partido Comunista. No golpe militar de 1964, tiveram que fugir sem avisar ninguém.
"Esse foi o pior momento da minha vida porque tivemos de largar tudo, ficamos dias sem comer e viajando. Tivemos de recomeçar a vida no Rio. Quem defende a ditadura não o que está falando", afirma.
O MCP ajudou muitos artistas, entre eles José Wilker (1944-2014). "Meu ex-marido morreu segurando a mão do Wilker", conta. Entre os vários artistas que ficaram conhecidos por causa de Luiz Mendonça estão muitos nomes hoje famosos. "Elba Ramalho, Tonico Pereira, a Elke Maravilha, Tânia Alves. Todos foram lançados pelo Luiz e são amigos muito queridos", diz a atriz.
Para Ilva, é impossível separar a arte de atuar da parte social. "Sempre fui pelo social e amo o que faço. Tive e tenho uma vida privilegiada. Só tenho a festejar".
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