Análise | Novela das nove
Reprodução/TV Globo
Camila Pitanga interpreta Regina em Babilônia; mocinha perdeu relevância na novela da Globo
RAPHAEL SCIRE
Publicado em 4/4/2015 - 7h02
O primeiro capítulo de Babilônia terminou com uma imagem do perfil congelado de Inês (Adriana Esteves) e Beatriz (Gloria Pires), uma indicação de que o duelo entre as vilãs da trama prometia. Quase um mês depois da estreia, a impressão ficou só na promessa. A história das duas faiscou, é verdade, mas ainda não incendiou.
Ao mesmo tempo que são a força maior da novela, as megeras são também seu maior problema. Inês testemunhou uma pulada de cerca de Beatriz, registrou a cena e a usou para subir na vida, ainda na primeira fase da história. Dez anos se passaram, Inês se viu na miséria novamente e teve de recorrer ao vídeo comprometedor para poder tocar a vida.
Constantemente, Inês volta a ameaçar a amiga de adolescência com a possibilidade de vazar as imagens. É uma ameaça sempre iminente, mas que nunca se concretiza. Esse jogo de gato e rato entre as duas acabou por enfraquecer outra personagem central da história, a mocinha Regina (Camila Pitanga), que vem elevando os decibéis nas cenas em que aparece.
Com caráter explosivo e pronta para armar um barraco, Regina está sempre na retaguarda. Como justificativa, conta a seu favor as agruras que já passou na vida: teve de abreviar o sonho de fazer faculdade, foi enganada por um homem casado, de quem engravidou, e seu pai foi morto em um assalto que não teve solução. É o tal crime que liga a vida das três protagonistas da história.
Inês é a única que sabe a verdade sobre o assassinato do pai de Regina, mas em um jogo de cena armado por Beatriz, acabou pegando na arma usada para matá-lo. Se entregar a empresária, pode ir presa. Assim, Beatriz e Inês mantêm uma relação de cumplicidade prestes a explodir. A trama das duas gira em círculos e aquela sensação de que a novela está se “manoelcarlostizando” é nítida.
Solta na história, a mocinha de Pitanga conseguiu apenas afastar o público. Não há nela um objetivo específico (que pode até ser a busca pela justiça do pai, adormecida na história) nem um contraponto de forças, como existe entre as vilãs. Apesar de todas as características boas que carrega, Regina é intempestiva e teimosa, recusa-se a se entregar ao amor de Vinícius e isso só a torna cansativa. Ou seja, é a algoz de si mesma.
Para que Regina ganhe espaço na história, sua trajetória precisa ser balizada com a das vilãs de maneira mais certeira. Não se trata de suavizar as maldades das duas, apenas de contrapô-las aos objetivos da batalhadora heroína.
Cabe aqui um parênteses: Gilberto Braga é mestre em criar vilões inesquecíveis, mas ao mesmo tempo tem uma dificuldade enorme em tornar populares suas mocinhas. São notórios os casos de rejeição de público de Márcia (Malu Mader), em O Dono do Mundo (1992), Paula (Alessandra Negrini), em Paraíso Tropical (2007), e Marina (Paolla Oliveira), em Insensato Coração (2011). Regina parece estar sofrendo da mesma "maldição".
Progressista que é, Babilônia escancara a ferida social de um Brasil atual trazendo temas pertinentes para a sociedade: intolerância sexual, cotas raciais, corrupção, religião e política, conceitos de moral e ética, por exemplo. Traz diálogos afiados, elenco bem escalado e direção primorosa _a escuridão das cenas é o menor de seus problemas. Só que tudo isso não tem se mostrado suficiente.
Com duas vilãs do porte de Inês e Beatriz, heroína nenhuma é capaz de resistir no embate pela torcida do público. E novela não existe sem mocinha.
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