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Análise | Telejornalismo

Telejornais falham ao noticiar condenação de traficante Beira-Mar

Reprodução/TV Globo

O traficante Fernandinho Beira-Mar durante julgamento na quarta (13), em reportagem Bom Dia Rio - Reprodução/TV Globo

O traficante Fernandinho Beira-Mar durante julgamento na quarta (13), em reportagem Bom Dia Rio

CARLOS AMORIM, Especial para o Notícias da TV

Publicado em 15/5/2015 - 15h13

Quem acompanhou o julgamento de Fernandinho Beira-Mar pelos telejornais ficou sem entender o resultado. Faltaram informações básicas sobre o caso. Não se esclareceu, por exemplo, que a condenação a 120 anos de prisão (quatro homicídios qualificados) não vale nada. O público foi informado de que o traficante acumula penas de 253 anos de prisão. Mas ninguém explicou que o número é apenas uma ficção jurídica e que ele não vai passar muito tempo na cadeia. Não apareceram os "analistas", os "especialistas" tão frequentes, para dar ao espectador a notícia essencial: Luís Fernando da Costa, verdadeiro nome de Beira-Mar, vai quitar as suas dívidas com a sociedade em poucos anos. 

Ou seja: os telejornais falharam no fundamental. Fernandinho, já chamado de "o Pablo Escobar brasileiro", vai estar livre, leve e solto em pouco tempo. E olha que a missão do jornalista é narrar os acontecimentos e desvendar as causas e consequências dos fatos. Mas não foi o que se viu. A "falha nossa" frequentou todas as emissoras. Aliás, repetidamente, um noticiário televisivo costuma reproduzir o outro, até com a mesma inconsistência. Em matéria de noticiário policial, a opção é pelo escabroso e pelo sensacional. Esse negócio de investigar causas e consequências fica de lado.

Só para encher um pouco o saco, vamos apontar alguns detalhes: 

O Tribunal do Júri do Rio de Janeiro condenou o traficante, na madrugada de quinta (14), a 30 anos para cada um dos quatro homicídios praticados durante a famosa (e única) rebelião no presídio de segurança Bangu 1, na zona oeste do Rio de Janeiro. No dia 11 de setembro de 2002 (alguns veículos disseram "11 de novembro"), os presos do Comando Vermelho (CV) tomaram a instituição e invadiram a ala onde estavam os líderes das facções rivais, o Terceiro Comando e a ADA (Amigos dos Amigos). 

Foram mortes horríveis, com os corpos carbonizados e outras barbáries que não vale a pena repetir. Envolveram uma tremenda corrupção, porque os revoltosos possuíam armas de fogo e tinham as chaves das galerias. Um guarda penitenciário, conhecido como Playboy, foi acusado de vender a chaves e as pistolas por R$ 450 mil. Beira-Mar foi apontado como o chefe do levante, inclusive porque gravaram ligações telefônicas dele, via celular clandestino, em que ele dizia: "Está tudo dominado, as Duas Torres caíram". 

O traficante se referia ao atentado terrorista em Nova York, que naquele dia completava um ano. As duas "torres" eram Uê (Ernaldo Pinto de Medeiros, fundador do Terceiro Comando), assassinado, e Celsinho da Vila Vintém (Celso Luís Rodrigues), que se rendeu e jurou fidelidade ao CV. Outros três detentos ligados a Uê também foram executados. 

(Notinha desagradável: desde a morte do repórter Tim Lopes, executado pelo CV em 22 de junho de 2002, a TV Globo e demais veículos do grupo proibiram que seus repórteres divulgassem o nome das facções criminosas.)  

Nesse caso do Beira-Mar, a GloboNews exibiu uma cena ótima, que não apareceu nos telejornais de rede. Durante o julgamento, diante de câmeras, o juiz Fábio Uchoa desceu da tribuna e ficou diante do réu: 

– O senhor liderava o Comando Vermelho? 

– Não, senhor – respondeu o traficante. O comando é liderado por uma comissão.

– Algo parecido com o comitê administrativo de uma empresa? – perguntou o magistrado. 

– Mais ou menos isso – disse Fernandinho. 

A informação, porém, não despertou maiores curiosidades do telejornalismo. Não se falou mais nesse negócio de "comissão dirigente" do crime organizado. Nenhuma manchete. Poderia citar uma vasta literatura sobre o tema. Mas não caberia nesse artigo. Voltemos ao Fernandinho:

Ele passou boa parte da vida adulta atrás das grades. A primeira vez que entrou em cana foi em 1987. Cumpriu vários períodos de prisão depois disso. Em 2001, foi apanhado na Colômbia. De lá para cá, 14 anos em regime fechado. Ao todo, deve ter uns 18 anos de tranca. Acumula um bom tempo de "remissão de pena": para cada três dias de trabalho ou estudo no sistema penal, abate-se um dia de pena. As leis brasileiras afirmam que ninguém pode passar mais de 30 anos em regime fechado. Portanto, está perto da liberdade, independentemente de quantos anos ainda tenha que cumprir. 

Luís Fernando da Costa, aos 47 anos,  cumpre pena no presídio federal de Porto Velo (RO). Para ir ao Rio, custou R$ 120 mil aos cofres públicos, segundo a TV Globo. Utilizou um avião e um helicóptero. Mobilizou 200 agentes de segurança federais e estaduais. Aos 57, estará livre. Por isso ele ria no Tribunal do Júri. E mandava beijos para parentes e amigos que o acompanhavam no julgamento.


CARLOS AMORIMé jornalista. Trabalhou na Globo, SBT, Manchete, SBT e Record. Ocupou cargos de chefia em quase todos os telejornais da Globo. Foi diretor-geral do Fantástico. Implantou o Domingo Espetacular (Record) e escreveu, produziu e dirigiu 56 teledocumentários. Ganhou o prêmio Jabuti, em 1994, pelo livro-reportagem Comando Vermelho - A História Secreta do Crime Organizado e, em 2011, pelo livro Assalto ao Poder. É autor de CV_PCC - A Irmandade do Crime. Criou a série 9 mm: São Paulo, da Fox. Atualmente, dedica-se a projetos de cinema.


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