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Análise | Teledramaturgia

Instigante, Velho Chico é um raro bordado de qualidade na televisão

Caiuá Franco/TV Globo

Rodrigo Santoro e Antonio Fagundes em cenas da primeira e da segunda fases de Velho Chico - Caiuá Franco/TV Globo

Rodrigo Santoro e Antonio Fagundes em cenas da primeira e da segunda fases de Velho Chico

RAPHAEL SCIRE

Publicado em 23/4/2016 - 7h42

Diante da mudança de fase em Velho Chico, novela das nove da Globo, muita gente estranhou o tom das interpretações de Rodrigo Santoro e Antonio Fagundes para o mesmo papel, o coronel Afrânio. A diferença é ainda mais evidente quando comparada ao restante do elenco, que manteve certa unidade entre os personagens nas duas fases, casos de Christiane Torloni e Carol Castro (Iolanda) e de Domingos Montagner e Renato Góes (Santo). 

Apesar de o ator repetir maneirismos de outros personagens seus, é natural e bastante compreensível que Fagundes tenha dado novas tintas a Afrânio, em quem certamente há outras características que não havia na primeira fase. Ficou para trás o homem "das letras" que sonhava com uma vida diferente, pois foi obrigado a assumir o lugar do pai e teve que aprender a lidar com o poder. Se antes Afrânio representava o novo, agora é exatamente o oposto.

O coronel da fase atual incorporou a oligarquia paterna, o apego ao poder, a vaidade exacerbada, tornou-se um homem retrógrado. Fagundes, ao optar pela caricatura (o que também dá um tom de humor), conferiu cinismo maior ao personagem, faceta que o Afrânio de Santoro não carregava.

Ainda no caso do personagem, fica nítida também uma discrepância entre a narrativa realista de Velho Chico, recheada com uma crítica social e política bastante forte, e a estética fabular do diretor, uma marca de Luiz Fernando Carvalho que dá um tom de alegoria atemporal à novela, em especial no tocante aos figurinos e cenários. Isso, de modo algum, configura-se um demérito, pois a beleza da história está justamente na união dessas duas forças.

É inegável, porém, que esse distanciamento linguístico e visual causa certo estranhamento em parte do público _muita gente ainda não conseguiu assimilar essa diferença, e a audiência está em queda. Mas cabe aqui uma provocação: Não é bem melhor ter uma novela que faz pensar, raciocinar, instigar e questionar em lugar de apenas repetir fórmulas manjadas?

Velho Chico, mesmo sem querer e apostando forte no lado emocional, consegue isso, nem que seja por meio da estranheza visual _o texto, é bem verdade, encarrega-se de situar o telespectador com a reiteração típica das telenovelas.

O embate central da história, o amor proibido entre Maria Tereza (Camila Pitanga) e Santo, deslocado para o núcleo do Saruê, gera conflitos carregados à história. O contraponto entre o passado, representado pela figura do pai, e o futuro, a filha, brindou o público com grandes cenas. Tanto Fagundes quanto Pitanga encontraram uma sintonia ímpar, e a relação dos dois promete grandes momentos de tensão.

Por falar em Camila Pitanga, a atriz exorcizou sua protagonista anterior, a  Regina de Babilônia (2015), e limpou a imagem com a construção de uma mocinha doce, apaixonada e nem por isso alheia aos problemas que a cercam, como a questão dos agrotóxicos nas frutas da fazenda do Saruê.

O folhetim, enfim, representa uma união bem feita entre autoria, direção e interpretação. É raro encontrar um bordado bem feito assim na televisão com um ritmo industrial como a nossa. 


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