Caracterização genérica
Reprodução/TV Globo
Bruna Marquezine dirige caminhonete dos anos 1970 em cena do final dos 1980/início dos 1990 de Em Família
DANIEL CASTRO e MÁRCIA PEREIRA
Publicado em 11/2/2014 - 0h47
Atualizado em 11/2/2014 - 6h46
RESUMO: Globo falha ao colocar carros velhos demais e roupas e cortes de cabelos atuais em acontecimentos do final dos anos 1980 em Em Família. 'Não teve caracterização', aponta figurinista. 'Carros estão totalmente fora da época', afirma especialista. Ao saltar para a terceira fase, novela 'engole' três anos. Globo diz que optou por caracterização 'atemporal'
Encerradas nesta segunda-feira (10), as duas primeiras fases de Em Família foram marcadas por falhas de caracterização, erros ao retratar os anos 1980 e 1990 e omissão proposital de ordem cronológica, para camuflar as fragilidades. O resultado foi um telespectador confuso, principalmente nas passagens de tempo.
O que se viu nos primeiros seis capítulos, que por causa da baixa audiência condensaram acontecimentos previstos inicialmente para 12, foi uma caracterização genérica da época. Os carros na virada dos anos 1980 para os 1990 eram do início dos anos 1970. O figurino e a caracterização dos personagens não informaram ao telespectador em que época eles estavam.
A Globo admite que adotou uma caracterização "atemporal" e que procurou marcar o tempo de forma "leve". A opção, contudo, desapontou telespectadores mais exigentes, que esperavam o velho "Padrão Globo de Qualidade", de reproduções quase impecáveis de épocas.
Especialistas ouvidos pelo Notícias da TV apontaram os principais problemas na econômica caracterização das duas primeiras fases da trama. “Não teve caracterização. Nas roupas, não vi nada que marcasse a época”, disse a consultora de moda e coordenadora de imagem Ana Pasternak. “Acho que deram uma pincelada genérica, dando a sensação da década de 1980. São roupas atuais”, completa.
Tempo atropelado
"Todos esses carros são dos anos 1970", afirmou o jornalista Fernando Calmon ao ver fotos da sequência, exibida sábado (8), em que Laerte (Guilherme Leicam) fica preso no trânsito de Goiânia a caminho da igreja. Também engenheiro, Calmon cobre o setor automobilístico desde 1967, é titular da coluna Alta Roda, no UOL Carros, e vem catalogando todos os lançamentos de automóveis no Brasil, ano a ano.
Embora não ficasse claro em que ano a cena do congestionamento se passava, era algo entre 1989 e 1990. Os carros eram Opalas e Fuscas antigos, um Corcel do início dos anos 1970, uma Brasília de 1973, uma Veraneio (lançada em 1964) e até uma Rural dos anos 1950. "Isso está totalmente fora da época, mesmo para Goiânia. A produção arrumou os carros que eram possíveis, mas pegaram automóveis muito antigos", sentencia Calmon.
Se os carros eram, em geral, muito velhos para a época retratadas, no capítulo de ontem (10), uma contradição: os estupradores que atacaram Neidinha (Jessica Barbosa), no Rio de Janeiro de 1991, estavam em uma van Hyundai H100. A abertura dos portos estava apenas começando, e quase não havia carros importados nas ruas do país. A H100 foi produzida lá fora entre 1987 e 1996 e chegou a ser montada no Brasil entre 1999 e 2001. Seu uso na cena não chega a ser uma aberração, mas é irreal, principalmente numa novela do realista Manoel Carlos.
Cyria Coentro caminha por uma Goiânia em 1989/90 tomada por carros dos anos 1970
Cabelos fora do tempo
Ao analisar os cabelos e penteados da novela, o hair stylist Marco Antonio Di Biaggi vê poucas referências dos anos 1980. Nas festas, como o baile de formatura e o quase casamento de Helena (Bruna Marquezine), o trabalho de composição foi todo atemporal.
“Ali é tudo uma variação do mesmo tema. Usaram um presinho tipo Grace Kelly e o que chamamos de ‘princess’, que é um cabelo meio preso, meio solto, com ondulações. Isso não retrata época, é atemporal”, diz Di Biaggi.
Segundo o cabeleireiro, somente a personagem Selma (Camila Raffani), a mãe de Laerte, tinha um corte dos anos 1980. “Chanel longo e reto é mais difícil ter nos dias de hoje. Esse corte se modernizou muito”, comenta.
Furo cronológico
A trama de Manoel Carlos tem três fases, começando nos anos 1980 até chegar em 2014. Porém, até o capítulo de ontem, o telespectador só tinha recebido a informação de que na fase adolescente de Helena (Julia Dalavia), exibida somente no primeiro capítulo, era a década de 1980.
Bruna Marquezine entrou para viver a personagem na segunda fase, mas em que ano ela se formou e ficou grávida não havia a mínima pista até o capítulo de ontem (10), quando Laerte foi condenado. Ao ler a sentença, o juiz disse a data: 14 de março de 1990.
Com esse dado, somando um ano em que o personagem ficou preso e o segundo salto no tempo, divulgado como sendo de 20 anos, a história ainda estaria no passado, em 2011. Mas, segundo a Comunicação da Globo, Em Família entrou em 2014 nesta terceira fase.
Outro fator que a ficção destoa totalmente da realidade é na idade dos protagonistas dessa terceira fase. Julia Lemmertz, a Helena, tem 50 anos, enquanto Gabriel Braga Nunes, o Laerte, está com 42 anos. A diferença de oito anos dos atores ganha um peso ainda maior quando se junta o fato de que na cena do batizado de Helena, ainda bebê, Laerte já era um menininho de três ou quatro anos no colo de sua mãe. E é difícil aceitar que Helena é mais jovem que sua tia Juliana (Vanessa Gerbelli).
Atemporal
Diante de uma série de questionamentos em relação ao trabalho de arte e caracterização da trama e também de cronologia da história, a TV Globo se manifestou por meio da seguinte nota:
“Novelas são obras de ficção, sem compromisso com a realidade, como assinamos em todo final de capítulo. No caso de Em Família, não se tem a intenção de definir um ano exato para cada ação. A primeira fase acontece nos anos 1980, a segunda fase, nos anos 1990 e a terceira fase, nos dias atuais. Laerte sai do Brasil e fica no exterior por volta de 20 anos. Como essas décadas ainda estão muito frescas na memória, o que marca as mudanças de fases são os detalhes. As músicas, os carros e as roupas dessas diferentes décadas ainda podem ser vistos e ouvidos até hoje. Houve um cuidado grande das equipes de arte, caracterização e figurino para que tudo fosse marcado de forma leve.”
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