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DESIGUALDADE

Educação excludente de 1940 barraria avanços de Letícia em Além da Ilusão

FOTOS: REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Larissa Nunes, caracterizada como Letícia, dá um leve sorriso em cena de Além da Ilusão

Idealista, Letícia (Larissa Nunes) se depararia com um cenário dualista e excludente em 1940

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 1/8/2022 - 6h20

Letícia (Larissa Nunes) passou por poucas e boas para conquistar um posto como professora em Além da Ilusão. Uma parte de suas batalhas, porém, não foi abordada na novela das seis da Globo. Nos mais de dez anos que separam uma fase do folhetim da outra, a jovem deve ter lutado muito para conseguir o simples acesso à educação pública --numa época cuja Constituição instituía formação desigual para cada classe social. 

Para a Carta Magna de 1937, a mocinha deveria cursar apenas a educação primária, oferecida para todas as crianças (pelo menos no papel, considerando que o Censo da época apontava que cerca de 56,8% das pessoas com mais de dez anos eram analfabetas).

O curso secundário, que tinha a missão de preparar os alunos para o ensino superior, era destinado apenas à elite. Às classes menos favorecidas sobraria apenas o pré-vocacional, uma espécie de técnico profissionalizante.

O surpreendente é que a medida foi recebida com otimismo à época. Instituída a partir de uma série de discussões sobre a universalização da escola pública, laica e gratuita, a reforma promovida por Gustavo Capanema (1990-1985), ministro da Educação e Saúde de Getúlio Vargas (1992-1954), só serviu para afastar ainda mais o sistema de um viés democrático --cujas consequências reverberam ainda hoje.

Para se ter ideia, a cada mil estudantes que começavam a educação básica, nem 60 chegavam ao ensino superior em 1960. A modalidade de ensino começou a expandir apenas na década de 1990, mas o Brasil ainda tem uma das piores taxas de pessoas com ensino superior completo entre os países avaliados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 2019.

De lá para cá, a situação não melhorou. Muito pelo contrário: no ano passado, o pastor Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro (PL), afirmou que a universidade deveria ser para poucos. A massa que ficasse com o ensino técnico --em uma ode aos moldes da década de 1940.

Registros antigos

Na ditadura do Estado Novo (1937-1945), porém, havia outro agravante: além de raras, as unidades que ofereciam o curso secundário exigiam um criterioso processo de seleção, com exames de admissão e altos índices de reprovação. Considerando que a amada de Bento (Matheus Dias) mora em uma pequena vila operária no interior do Rio de Janeiro, ela provavelmente teria de percorrer um caminho imenso para assistir às aulas. Isso, claro, se a professora conseguisse driblar os preconceitos institucionais.

Era raro, mas não impossível. Clotilde Maria Martins Lalau (1934-1987) foi uma das "Letícias" da vida real. De família humilde e numerosa --ela era a mais velha de 16 irmãos--, a mulher conseguiu se formar professora e tornou-se a primeira diretora negra concursada do Estado de Santa Catarina, em 1960. 

Mais tarde, a educadora se dedicou a dar cursos para preparar outras mulheres negras para o exame admissional das escolas secundárias. Ela sonhava que as alunas se tornassem professores e chegassem a fazer faculdade.

Letícia (Larissa Nunes) penou para conquistar vaga de professora no Liceu

Letícia enfrentou racismo para conseguir vaga

Segundo a historiadora Juliana de Souza Krauss, a professora defendia veementemente, que as mulheres trabalhassem fora, sobretudo em empregos que possibilitassem a ascensão social. Mais tarde, ela ainda fundou a Associação da Etnia Negra de Tradição e Cultura.

Outras mulheres podem ter trajetórias parecidas, mas a falta de documentação destas histórias é uma questão. A própria intérprete ressaltou isso em uma conversa com o Notícias da TV.

"É reflexo do racismo estrutural. As pessoas não tinham interesse de registrar essas mulheres e o modo de vida delas. Eu venho de uma série de trabalhos de época, e a cada época que pesquiso sinto mais dificuldade ainda. Não é tão fácil encontrar coisas em que possa me espelhar. Passei a refletir muito sobre isso, acho que é um processo que falta ao Brasil, de ter registros sobre o que fazíamos depois da escravidão", afirmou a artista, durante entrevista cedida em março.

Novas perspectivas

As iniciativas dessas pessoas ganham ainda mais relevância se considerarmos o panorama da década. Na segunda metade do século 20, os cargos educacionais para negros foram ainda mais escassos que no fim do século 19. À época, a educação fazia parte de um plano para promover o "progresso" da imagem do país frente ao exterior.

A explosão da demanda incentivou que as instituições também abrissem espaço aos negros. Mas o racismo também minou essa possibilidade. Mulheres brancas começaram a se interessar pela carreira e acabaram sendo priorizadas nos processos de seleção.

Como afirma Jerry Dávila no livro Diploma de Brancura: Política Social e Racial no Brasil (1917-1945): "No início do século 20, o número de homens de cor [sic] envolvidos no ensino público diminuiu, seguido por um decréscimo de mulheres de cor [sic], até que na década de 1930 e de 1940 a maioria esmagadora de professores era composta por mulheres brancas", descreve.

Por isso, a perspectiva de Letícia conquistar seu espaço era baixa --o próprio folhetim mostrou isso quando a educadora se saiu melhor em um teste, mas perdeu a vaga no liceu para uma mulher branca. A jovem, porém, conseguiu driblar a situação e assumir o posto. E ainda bem. Apesar das barreiras causadas pelo sistema excludente, histórias de pessoas negras realizando seus sonhos devem ser contadas de todas as formas possíveis --não só presas ao estigma de professora negra que teve uma vida difícil. Ao menos, na opinião da intérprete.

"Acho que o público vai aprender com a Letícia que, por mais que a gente viva dificuldades, sempre encontramos um jeito de fazerem as coisas darem certo. Acho que ela sempre dá um jeito de tocar a vida e seguir com esperança. Ela vai e faz acontecer, é determinada e não deixa de sonhar. Depois de tudo que passamos e ainda estamos enfrentando [no mundo], a possibilidade de continuar sonhando é uma ferramenta para mudar nosso presente", afirmou a atriz.

A atual novela das faixa das 18h será substituída em 22 de agosto por Mar do Sertão, escrita por Mario Teixeira e protagonizada por Isadora Cruz, Renato Góes e Sergio Guizé. Confira os resumos da novela das seis da Globo que o Notícias da TV publica diariamente.


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