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NANEGO LIRA

Ator de Mar do Sertão tira a batina e se abala com segredo de Lorena: 'Fácil julgar'

JOÃO LIRA/DIVULGAÇÃO

Nanego Lira usa uma camisa xadrez branca e vermelha; ele apoia a cabeça sobre o braço esquerdo e olha para um ponto fixo

Símbolo do teatro paraibano, Nanego Lira interpreta o padre Zezo na novela Mar do Sertão

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 30/1/2023 - 6h35

Quando o assunto é Lorena (Mariana Sena), o padre Zezo (Nanego Lira) dispensa a batina, arregaça as mangas e faz o que for preciso. O personagem de Mar do Sertão deixou isso bastante claro quando socou Vanclei (Marcelo Mello Jr.) para proteger a filha de criação. Mas esse lado durão do sacerdote ficará mais evidente nos próximos capítulos da novela das seis da Globo. Afinal, um segredo sobre a mocinha logo virá à tona.

O intérprete já gravou as cenas dessa revelação misteriosa, mas se esforça para não dar nenhum spoiler ao Notícias da TV. Acaba deixando escapar alguns detalhes, empolgado com a conversa. Afirma que a reviravolta suscitará reflexões ("Por que abandonar uma criança? É  justificável ou não? A gente julga o pai ou a mãe que abandonou, mas é muito fácil julgar") e menciona uma cena com a pastora Dagmar (Heloísa Jorge), na qual ela critica o pároco pelo soco em Vanclei.

Ele não entrega mais que isso nesse primeiro momento. Retorna ao seu raciocínio inicial e cita a humanidade de seu personagem, que acolheu a órfã apesar de não estar preparado para ser pai.

Quando a pastora volta a ser citada na conversa, ele fica vermelho e dá um sorriso nervoso, ciente das suspeitas dos espectadores: será que a pastora realmente é mãe biológica de Lorena? Tudo indica que sim.

Posso dizer que essa relação do padre com a pastora vai desdobrar em várias outras coisas. Algumas já estão apontadas. O público já percebeu quais serão os caminhos desses personagens (risos). Tem a ver com a Lorena, tem a ver se ele e a pastora terão ou não uma relação, enfim.

Com "relação", ele de fato quer dizer um vínculo amoroso. Lira é da opinião que padres não deveriam seguir o celibato compulsório. "Sexo é a base da vida", argumenta. Tampouco crê na ideia de que constituir família atrapalharia o trabalho do sacerdócio.

"Muito pelo contrário, ensina. Ensina a ser mais humano, olhar com outro olhar, porque os filhos dão exemplo aos pais. O pai aprende e ensina, e isso, eu acredito, faz com que nos tornemos um ser humano melhor".

De batina suja a futebol sagrado

Lira sabe bem do potencial de criar um filho. Ele tem dois: um homem de 25 anos e uma mulher de 37. E a experiência de ser pai, junto a tantas outras de sua vida, foram essenciais na construção de Zezo. Embora tenha se inspirado em padres icônicos da dramaturgia brasileira, como o Romeu (Maurício Tizumba) de Saramandaia (1976), foi um sacerdote da sua infância que deu o tom do personagem. 

"Naquela época, os padres já não usavam mais batina no dia a dia, mas o monsenhor Vicente nunca tirou a dele", conta. O ator ainda lembra do cheiro de charuto impregnado na batina, cinza de tanta sujeira. "Ele era intelectual, culto, mas era um cara ranzinza, abusado, ignorante. O Zezo tem muito a ver com isso."

reprodução/tv globo

Nanego Lira caracterizado como padre Zezo em cena de Mar do Sertão

Nanego Lira como o padre Zezo da novela

O padre rabugento não foi a única lembrança de sua infância que ele aplicou na novela. O artista cresceu na cidade de Cajazeiras, interior da Paraíba, bem na divisa com Pernambuco e Ceará.

Sua casa era de frente ao melhor jogador de futebol da cidade, Perpétuo Correia Lima (1939-1977). Ainda hoje, o maior estádio da região é conhecido como "Perpetinho".O futebolista jogava no Atlético Cajazeirense, rival histórico do Sousa, time da cidade vizinha. Lira mencionou o "clássico do sertão" em uma cena da novela, e, na mesma hora, suas redes sociais foram inundadas pelos conterrâneos. 

"Foi como viver um pequeno tsunami", brinca ele. De fato: momentos antes de conversar com a reportagem, ele havia cedido duas entrevistas a jornais locais e repostado a cena dezenas de vezes nas suas redes sociais. Espectadores filmaram as TVs e marcaram o ator, e ele compartilhou tudo o que via pela frente. Sua publicação mais recente à época tinha o dobro de comentários que as demais, a maioria citando a menção ao time. Para ele, é um exemplo do poder da representatividade.

"Quando você fala do seu universo particular, você está falando de você para o mundo. E essa mensagem chega com muito mais força", afirma. "E o Mario Teixeira [autor de Mar do Sertão] escreve a novela falando dessa identidade por meio do povo. A história do povo nordestino é a história do povo brasileiro. A história de fome, da miséria, da luta por sobrevivência." 

Herança de família

Nanego Lira, contudo, já era conhecido em Cajazeiras muito antes de mencionar o Atlético. Ele atuava desde criança, mesmo sem saber. No começo, ele e os irmãos se reuniam para ler contos de fada e interpretar os personagens. Pegaram gosto pela coisa, e o irmão mais velho, Eliezer, arranjou um espaço para eles se apresentarem aos fins de semana.

Quando se deu conta, ele e os irmãos já estavam participando do encontro de teatro feito por crianças. Foi lá que conheceu Everaldo Pontes, um pouco mais velho, e eles fizeram vários trabalhos juntos desde então. Foram 20 anos só com a peça Vau da Sarapalha, inspirada no conto de Guimarães Rosa (1908-1967). Eles também se encontraram na novela das seis: Pontes interpretou Adamastor, o homem que salvou José (Sergio Guizé) da morte na primeira fase.

Três dos irmãos do ator também construíam suas carreiras artísticas. Buda Lira é produtor cultural, ator e diretor; Soia Lira é atriz; e Bertrand Lira é diretor de cinema, documentarista e pesquisador. 

Terror do Vaticano?

Criado numa cidade interiorana de porte médio, Nanego Lira é fiel testemunha de que um padre tem poder no sertão. Fora o prefeito e o delegado, é a figura mais respeitada numa religião. Já foi mais, pois o crescimento das igrejas protestantes mudou um pouco a configuração das cidades sertanejas, mas eles ainda têm poder.

É um fardo pesado para Zezo, que tem de administrar a cidade praticamente sozinho. O prefeito e o delegado de Canta Pedra, afinal, não hesitam em desviar dinheiro de um "matuto" ou dar uma festa com verba pública. Enquanto isso, o padre tem de fazer vista grossa para as artimanhas de Timbó (Enrique Diaz) e pegar lojistas corruptos pelo colarinho. 

São atitudes que certamente seriam reprovadas pelo Vaticano, mas o sacerdote fictício teve de abrir algumas exceções:

O padre sabe quem é o Timbó. Ele é um malandro, mas é ingênuo. Leva suas vantagens naquela miséria, naquele contexto dele. As pessoas se deixam enganar. Ele diz que faz o que faz pelo bem do povo, e acaba sendo. A farsa da compadecida era para salvar Zé Paulino; com o santo falso, ele arrecadou dinheiro para Adamastor ir embora... Ele é uma boa pessoa. É o que resta para ele.

reprodução/tv globo

Timbó (Enrique Diaz) leva bronca do padre Zezo (Nanego Lira) em Mar do Sertão

Timbó leva bronca de Zezo

Para Lira, sortudas são as cidades que têm um padre como Zezo. Sim, ele é brigão e pavio curto, mas quer o bem de Canta Pedra. Aliás, se dependesse do ator, Zezo seria ainda mais intenso. Um diretor, Bernardo Sá, pediu para o artista baixar o tom nas primeiras gravações. "Ele disse: 'Nanego, você tem que diminuir essa energia, a história só está começando. Você ainda vai ter que dar um soco numa pessoa, e já está no limite da braveza'".

Explosivo ou não, Zezo é um exemplo. A amizade com a pastora Dagmar é um símbolo de tolerância religiosa, assim como casa com o novo momento da Globo, que está mais alinhada aos evangélicos --a nova novela das sete, Vai na Fé, é um exemplo dessa posição. Mas Lira torce para que a emissora explore o lado B das religiões.

"A fé sempre foi usada pela política, pelos próprios religiosos, em prol de coisas não muito republicanas. A gente está vivendo num Brasil que exacerbou o uso político da fé em prol de ideais nem um pouco republicanos [...] Eu acredito, pelo histórico da Globo, que esse abuso em prol de uma política fascista e nazista esteja na pauta", diz.


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