MAIS VANTAJOSO
REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
Otto Vitelleschi é exemplo da nova safra de criadores do YouTube, que preferem a plataforma à TV
Otto Vitelleschi, mais conhecido como Cheff Otto, é um dos vários criadores de conteúdo culinário nas redes sociais. Só que ele se considera mais ambicioso do que seus pares. O paulista de 21 anos almeja se tornar o maior produtor de conteúdo no país, ultrapassando, inclusive, a quebradora de recordes Virginia Fonseca. Também deseja abrir uma marca de molhos, fundar uma produtora e expandir seu negócio. Uma coisa que não faz parte de seus planos? Virar apresentador de TV.
Para o youtuber, é financeiramente mais vantajoso permanecer criando os próprios vídeos na plataforma. Ele não descarta produzir um programa e vendê-lo para uma emissora, mas não quer criar vínculos empregatícios.
"Hoje, tenho uma fonte de audiência tão grande que poderia fazer eu mesmo um projeto com o pessoal do YouTube. Eles nos chamam para sugerir projetos originais, então a gente poderia fazer uma espécie de MasterChef, por exemplo, dentro do meu canal", explica ele, em conversa com o Notícias da TV durante um evento promovido pelo YouTube Brasil.
O relato evidencia uma das preocupações da empresa do Google nos últimos anos: o impacto econômico. Não à toa, a plataforma criou ferramentas para os próprios fãs apoiarem seus criadores favoritos, como o Super Chat e o Clube de Canais. Também tentou atrair mais anunciantes para a plataforma, inclusive por meio de eventos --o Brandcast é um deles.
Os resultados já são palpáveis. Uma pesquisa da Oxford Economics, encomendada pela própria empresa no início do ano, indica que, só no Brasil, 195 mil criadores e parceiros recebem pagamentos ligados a suas presenças no YouTube. Quatro em cada dez concordam que a plataforma é sua principal fonte de renda, e 105 mil empregam outras pessoas para trabalharem em seus canais. A conclusão é que o ecossistema criativo da empresa contribuiu com mais de R$ 4,5 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) do país.
A facilidade de entrar na plataforma e produzir conteúdos, com a possibilidade de ser bem remunerado por isso --seja por meio dos anúncios, de produtos alternativos de monetização (custeados pelos fãs) ou por parcerias pagas por marcas--, gerou a "galinha dos ovos de ouro" para quem pretende trabalhar com conteúdo hoje em dia. E isso esbarra no futuro da TV.
É fato que as notícias sobre a "morte" da TV aberta são exageradas. O Notícias da TV divulgou no final de novembro que o faturamento líquido da Globo no terceiro trimestre foi de R$ 4,03 bilhões, 6% a mais do que os R$ 3,81 bilhões no mesmo período do ano passado.
Já no mercado internacional, a Disney desistiu de vender seus canais de TV, tanto aberta (ABC) quanto fechada (FX). Segundo Bob Iger, CEO da marca, essas vitrines são importantes para o faturamento e para atrair novos clientes ao serviço de streaming da empresa, o Disney+.
Também há um problema em optar por anunciar na web: o conflito de interesses. Se a Kantar Ibope e outras empresas independentes avaliam o alcance da televisão, a audiência no YouTube é medida pela própria plataforma. A falta de independência nas métricas pode, sim, afastar anunciantes mais exigentes.
Ou seja: é unânime que a TV aberta ainda é lucrativa, no Brasil e no mundo. Mas, ao menos por aqui, também é consenso que faltam novos "talentos" para seguir o legado de grandes apresentadores, como Luciano Huck, Fausto Silva e, para citar alguém mais relacionado ao ramo culinário, Ana Maria Braga.
E o que será do futuro, se todos os "novatos" continuarem apegados às plataformas digitais? É uma questão a se pensar. Otto, por exemplo, levantou a possibilidade de ter sua produtora e vender seus programas prontos para a TV.
Mas o youtuber não é totalmente indiferente à televisão. Ele, inclusive, confessa até prestar atenção nas técnicas usadas por alguns apresentadores, sobretudo Luciano Huck. "Eu assisti ao programa dele esses dias e, cara, eu comecei a ver pela metade e entendi toda a dinâmica do Show do Milhão. Porque eles recapitulam, né? Principalmente depois de um intervalo comercial. E eu preciso ter isso nos meus vídeos longos, porque, às vezes, a pessoa está ali e se desliga", conta.
Em sua análise, os programas de TV não funcionam tão bem na internet justamente por causa do tempo. Os internautas preferem conteúdos mais curtos. Não à toa, seus vídeos no Shorts --espaço do YouTube dedicado apenas para conteúdos com até 60 segundos-- têm cerca de 5 milhões de visualizações cada, chegando a picos de 14 milhões. Nas gravações mais longas, a média é de 600 mil views.
Otto Vitelleschi em foto das redes sociais
Ainda assim, os conteúdos extensos têm sua importância. E ela perpassa justamente uma coisa que a TV faz muito bem: gerar conexão entre o apresentador e o público. Em um vídeo de longa duração, a pessoa se apega ao criador. Se gosta dele, assiste a mais conteúdos e cria uma espécie de vínculo. Com isso, passa a confiar na opinião dele --e ele pode aproveitar essa influência para fazer publicidade ou vender seu próprio produto.
Mas conteúdos extensos exigem mais dos criadores, que acabam contratando especialistas para cuidarem de partes específicas do processo de criação --como produtores e editores. A qualidade aumenta, e o número de "empregos" gerados pelo YouTube também. Só que a segurança para os empregados é bem menor do que na TV. Afinal, a competitividade na plataforma é enorme, e quem faz sucesso hoje pode cair em desgraça no algoritmo e "desaparecer".
Otto tem consciência disso: "Qualquer um pode fazer um vídeo, até com a câmera do telefone. E tem gente que vai entrar agora e se inspirar no que eu já faço", admite. Daí a ideia de somar uma outra fonte de renda, como a venda dos molhos, à criação de conteúdo.
Por outro lado, ele admite que boa parte dos outros criadores da área do culinária não pensa assim. "As pessoas que fazem comida geralmente são artistas, e elas não estão preocupadas com negócio. Essa é uma pegada minha. Para mim, não é só sobre ter uma vida tranquila. Tem gente que pensa: 'Ah, só quero viver do conteúdo'. Tranquilo, não está errado. É uma vida muito gostosa. Mas tem gente que tem mais ambição."
Então, as pessoas que não têm tantas ambições poderiam gostar da ideia de ter um programa de TV? Talvez sim. É mais seguro, de fato. Porém, envolve questões contratuais, como horário de trabalho e obrigações, que a vida na internet não exige. Será que elas estariam aptas a se submeter a isso, ou pertencem a outra safra de talentos perdida?
Alguns, sim. É o caso de Virginia Fonseca e de Luccas Netto, que terão programas próprios no SBT. Nenhum deles ainda entrou no ar, e nos resta ver como essa parceria funcionará em 2024.
Otto Vitelleschi tem um perfil voltado aos negócios. Natural de Sorocaba, no interior de São Paulo, o rapaz começou a carreira vendendo molhos de porta em porta. Embora tivesse uma vida financeira bem estabelecida --o pai, Max Vitelleschi, e a mãe, Sueli, trabalham como piloto de avião e aeromoça--, o rapaz queria juntar o próprio dinheiro para visitar a namorada, Giovanna Gabriotti (também criadora de conteúdo), que estava de mudança com o pai para a Alemanha. Os dois estão juntos até hoje.
Entre uma venda e outra, ele acabou se deparando com um dos vários cursos de Marketing Digital que eram comercializados em 2020. O rapaz se interessou pelo tema e decidiu começar a fazer vídeos, como parte da publicidade de seus molhos. Mas o jovem percebeu, depois de um certo tempo, que primeiro teria de focar o público e o conteúdo, e só depois disso pensar em vender alguma coisa.
Mesmo assim, o dinheiro dos anúncios e de algumas parcerias começou a entrar. Ele decidiu abandonar o curso de Administração na Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e se dedicar apenas aos vídeos, para a frustração dos pais. "Não foi uma decisão abrupta", se defende. "Eu ainda fiquei dois anos na faculdade. Só saí quando percebi que estava ganhando dinheiro. Eu já estava ganhando até mais do que meu pai."
O canal foi crescendo a partir daí. Ele firmou a parceria com a empresa do Google em agosto de 2022, ainda sob o esquema de produzir apenas vídeos curtos --como vinha fazendo desde o início do canal, em 2021-- e, em setembro deste ano, começou a produzir vídeos mais longos.
Com isso, o quadro de funcionários aumentou: hoje, 10 pessoas trabalham para ele. O pagamento é quase que exclusivo do YouTube, uma vez que, segundo ele, as outras plataformas não monetizam tanto.
Agora, sua ideia é expandir bem mais o negócio. A meta é desvincular o lucro da empresa de seu rosto. Como? No seu plano, apenas 5% de seu faturamento seria proveniente do canal. O restante viria através da venda de produtos ou de serviços, como a produção de vídeos.
Ele já tem até paramêtros claros do tipo de vídeo que produziria. "A gente tem uma equipe com capacidade de fazer um conteúdo focado na internet, mas com qualidade de TV. Então, a gente já consegue ganhar bastante com publicidade", afirma.
Ou seja: a qualidade com "padrão de TV" ainda é uma questão importante. A pergunta que fica é: como ficará o YouTube e seus criadores quando as próprias emissoras de TV conseguirem uma presença digital maior? Os conteúdos mais curtos são um diferencial suficiente para manter os criadores em evidência?
O futuro permanece nebuloso, mas, se as emissoras não quiserem se escorar apenas nos veteranos, é hora de buscar novos talentos também.
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