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SEXUALIDADE

Marco Pigossi namorou homem escondido durante oito anos e se afastou do pai

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

De camisa preta, Marco Pigossi olha para a frente e está com as duas mãos juntas

Marco Pigossi em foto de seu Instagram; ator abriu o jogo sobre aceitação de sua homossexualidade

REDAÇÃO

redacao@noticiasdatv.com

Publicado em 7/1/2022 - 18h48

Marco Pigossi, de 32 anos, afirmou que ser galã de novelas da Globo o obrigou a esconder sua sexualidade. Sem referências gays em casa, o ator sentiu medo, teve crise de pânico e tomou antidepressivos para lidar com essa crise existencial. Em depoimento à revista Piauí, cedido ao repórter João Batista Jr., ele contou ainda que viveu um romance escondido durante oito anos com um namorado e que, embora a família soubesse de sua orientação sexual, se afastou do pai por ele ter votado em Jair Bolsonaro. 

"Quando comecei a perceber minha orientação, achei --ou quis achar, na verdade-- que se tratava de algo passageiro. Não tinha referência alguma no meu convívio e, quando assistia à televisão, nada servia como alento. Nas novelas ou nos programas de humor, quase sempre os gays eram retratados de forma caricata, pejorativa. Então, me sentindo solitário e sem amparo, me restava torcer para que fosse apenas uma fase", disse o ator, ao recordar que nenhum gay frequentava a casa dos seus pais em São Paulo, pelo menos assumidamente.

Aos 15 anos, Pigossi disse que começou a estudar teatro como uma forma de fuga. "Podia ser qualquer coisa, inclusive o que de fato sou. Quando voltei da primeira aula, falei para minha mãe: 'Vou ser ator'."

Anos depois, após alguns personagens secundários na Globo, ele se destacou por sua atuação de Cássio, um gay afeminado que falava o bordão "fiquei rosa chiclete" em Caras & Bocas (2009). Com o sucesso, ele afirmou que não havia "nenhuma margem de chance" para se assumir. "Se fizesse isso, todas as portas se fechariam para mim de forma automática."

Sentia calafrio só de pensar que o público poderia desconfiar que a sexualidade do personagem e do ator era a mesma. Essa possibilidade me aterrorizava. Os fãs vinham falar comigo, repetindo o bordão 'rosa chiclete', e eu estendia a mão com firmeza, fazia uma voz forte, para espantar suspeitas. Era como se estivesse usando uma máscara de heterossexual. A alegria de fazer um personagem que caiu no gosto do público me trouxe aflição. Precisei de ajuda. Recorri à terapia durante a gravação da novela. Fazia análise três vezes por semana.

Pigossi afirmou que sua aparência heteronormativa funcionava como "uma defesa, uma forma de tentar me encaixar e parecer normal". "O tal privilégio do armário me ajudava a proteger minha carreira, a proteger a mim mesmo da hostilidade, da violência, tão comuns no trato das populações LGBTQIAP+ no Brasil."

A carreira de ator começou a deslanchar na televisão e, em pouco tempo, ele se tornou um dos galãs da Globo. Fez par romântico com Carolina Dieckmann, Paolla Oliveira e Isis Valverde, entre outras. Pigossi disse que, em determinado momento de sua carreira, se passava por um "heterossexual por pura e simples manifestação de medo".

"Medo da minha família, medo dos meus amigos, medo da minha carreira. Até então, eu nunca tinha visto um galã de novelas falar abertamente sobre sua orientação sexual. E meu medo não era em vão."

No auge do sucesso, o ator leu uma entrevista de Silvio de Abreu à Folha de S.Paulo na qual o diretor de Dramaturgia da Globo afirmava que os atores gays "não deviam assumir sua sexualidade publicamente, pois donas de casa e telespectadoras em geral enxergam o galã como 'machão'."

"Ele dizia que um ator assumido era um 'bobo', pois a revelação fatalmente prejudicaria sua carreira. Foi uma entrevista muito marcante para mim. Era uma declaração clara de que não era bem-vindo que um ator homossexual abordasse o assunto em público --e isso vinha da boca de uma figura de grande proeminência na emissora", disse o ator ao recordar o trecho da entrevista ao jornal. 

Para o ator, tudo isso era uma forma de violência. "Um gay assumido não tem capacidade para viver e interpretar um galã? Eu vivia numa atmosfera de temor. Sonhei inúmeras vezes que os diretores da novela me chamavam no set para dar uma prensa, dizendo assim: 'Pigossi, você precisa ser mais machão… Seu personagem está ficando gay.'"

"A mera possibilidade de que soubessem da minha vida sexual me paralisava, pois eu tinha a percepção clara de que minha carreira seria destruída. E ser ator me cura, me preenche. Eu seria um vácuo, um vazio, se as portas se fechassem", disse o ator, que manteve um relacionamento com um homem durante oito anos sem assumi-lo publicamente.

"Vivíamos juntos no mesmo apartamento. Hoje, olhando esse passado, me dou conta de que vivi situações absurdas. Em passeios nos shoppings, por exemplo, sempre que eu encontrava um conhecido por acaso, meu namorado automaticamente seguia andando para me proteger, como se eu estivesse sozinho. Ele via o tamanho do meu desespero. (...) Era um conflito interno constante: eu não podia deixar o medo me vencer, eu tinha que ir ao cinema, mas, ao mesmo tempo, sentia um pânico de ser descoberto gay."

O temor da descoberta era tão grande que o ator se desesperou ao ler uma reportagem na qual dizia que dois atores de Fina Estampa (Globo, 2011) estavam tendo um caso nos bastidores da novela de Aguinaldo Silva. "Era mentira absoluta. A matéria não dava os nossos nomes, mas deixava claro de quem se tratava. Chegava a dizer que nós nos 'pegávamos' nos bastidores das gravações. Era tudo invenção, mas as pessoas acreditam no que querem acreditar. Eu fiquei travado ao ler aquilo", falou o ator, que interpretava Rafael na trama. 

Havia sido marcado em centenas de menções no Twitter e no Instagram. A falsa notícia se espalhou. Então, tive uma crise de pânico, comecei a tremer e suar. Fui para o banheiro do aeroporto, me tranquei em uma cabine e comecei a vomitar. Liguei para meu parceiro, chorando. Eu dizia para mim mesmo que minha carreira tinha acabado. Não conseguia sair dali. Meu companheiro teve que pegar um voo de São Paulo ao Rio para me buscar. Fiquei horas trancado dentro da cabine, até ele chegar.

Marco Pigossi afirmou que a crise lhe trouxe sequelas e que ele passou a tomar antidepressivos e ansiolíticos. "O pânico de sair do armário contra minha própria vontade ficou ainda maior. (...) Outros pesadelos se tornaram recorrentes. Em um deles, alguém publicava uma matéria informando sobre a minha orientação sexual e divulgava uma foto minha ao lado do meu namorado, em um local público. Ao mesmo tempo, me senti muito mal por não ter a coragem de falar, de estender a mão, de alguma forma, para pessoas iguais a mim."

Depois disso, Pigossi disse que se separou durante dois anos do namorado. Nesse período, ele namorou duas mulheres. "Cheguei a me separar do meu namorado porque acabei me apaixonando por uma mulher, com a qual eu contracenava numa novela, e depois me apaixonei por uma segunda mulher."

"Namorei com elas porque eu queria ser hétero? Queria ser bi? Eu não sei. O certo é que me apaixonei, mas as relações não foram em frente. E eu decidi que não mentiria mais sobre o assunto. Se alguém me perguntasse sobre minha sexualidade diretamente, eu falaria. Afinal, as desconfianças e especulações sempre existiram porque eu nunca aparecia com mulheres. Só que ninguém jamais me perguntou."

Em 2017, após oito anos de análise, ele começou a trabalhar a questão da aceitação depois de um comentário de seu terapeuta: "Você vê a sua homossexualidade como uma maldição, um carma, que acarreta medo".

"Ouvi e fiquei em silêncio", disse o ator. "Será que você, exatamente por ser homossexual, não foi obrigado a olhar para dentro de você mesmo e entender medos e vontades das pessoas? Será que isso não pode te fazer um ator melhor? Será que, diante disso tudo, você não tem um panorama mais complexo de vida e histórias humanas, algo que pode ser uma boa matéria-prima na construção de personagens?", questionou o médico. 

"Foi a primeira vez em que entendi que eu poderia ter uma vantagem por ser gay, que eu talvez pudesse olhar para o próximo com mais empatia. Que eu talvez pudesse ouvir, escutar, tentar experimentar a dor do outro. De início, o teatro surgiu na minha vida como uma fuga, talvez agora estivesse surgindo como salvação."

Pigossi contou ainda que a família sempre soube de seu namoro com um homem. "Mas meu namorado e eu nunca jantamos com meu pai, que jamais perguntou sobre meu relacionamento", disse o ator, ao ressaltar que tinha muita proximidade com o pai, Oswaldo Pigossi, com quem fazia longas viagens de motos. Os dois se afastaram após o patriarca votar em Bolsonaro.

"Sempre tive dificuldade de entender como um pai escolhe votar num político que insulta seu próprio filho de modo tão visceral. Meu pai e eu ficamos sem nos falar durante o ano da eleição --e até hoje temos contatos apenas esporádicos. O abismo, que já era grande, tornou-se ainda maior. Meu pai é um cara afetivo, sensível. Sou o primeiro gay com quem ele lida. Pouco a pouco, espero que ele aprenda a lidar com naturalidade."

Pigossi disse que a eleição de Bolsonaro deu voz aos racistas e homofóbicos e que precisava se posicionar e apoiar a comunidade LGBTQIA+. "Somos absolutamente iguais. Eles me deram força. Ficar em silêncio, não me posicionar, não abrir o peito diante da trincheira foi deixando de ser uma possibilidade. O papel de mocinho de novela, afinal, não poderia me definir."

O fim do contrato com a Globo, segundo o ator, veio em meio a essas reflexões. "Escolhi não renovar e assinar com a Netflix. Queria abrir mercados internacionais, ter a experiência de interpretar outros tipos de personagens, estudar mais. Na minha cabeça, pensava que seria menos doloroso me assumir gay e trabalhar como ator morando em outro país", disse o ator, que se mudou para Los Angeles em 2019.

De lá para cá, ele fez as séries Tidelands (Austrália), Alto Mar (Espanha) e a brasileira Cidade Invisível, de Carlos Saldanha, cujas gravações da segunda temporada começam neste ano em São Paulo. Todas as produções são da Netflix.

Foi nos Estados Unidos, em Provincetown, uma pequena cidade de Massachusetts, que Pigossi conheceu o italiano Marco Calvani, por quem se apaixonou.

"Estamos juntos há um ano e meio. Foi Marco que, no feriado norte-americano de Ação de Graças, postou uma foto nossa de mãos dadas. Ele me avisou antes. Eu topei, mas senti uma certa apreensão. Qual seria a reação das pessoas? Ele postou, e ficamos esperando. Começaram a pipocar alguns comentários na rede. Então, decidi repostar a foto com um Stories na minha própria rede. Escrevi ‘choca zero pessoas’ para tirar onda com os comentários do tipo ‘ah, mas eu já sabia’. Postei e fiquei com um frio na barriga."

Após a publicação, o ator afirmou que recebeu muitas mensagens de amigos e fãs. "Foi uma libertação. Uma festa. Nada como viver às claras, ser o que se é em privado e em público. Talvez os futuros galãs não sintam o mesmo medo que eu senti de perder minha carreira. Bolsonaro trouxe uma onda de ódio inacreditável, mas o efeito colateral foi fortalecer todos nós, gays. (...) Marco e eu convidamos uns amigos para comemorar. Tomei um porre. E hoje me sinto invencível."

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