ADVOGADA EXPLICA
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Karina (Danielle Olímpia) em cena de Travessia; processo pós-traumático começará a ser elucidado
Apesar de Joel (Nando Cunha) estar prestes a desvendar a violência que Karina (Danielle Olímpia) sofreu, as coisas não devem ficar mais fáceis para a adolescente em Travessia. A mocinha terá de enfrentar um processo caso queira denunciar o crime na Justiça. A falta de provas, a dor em reviver o trauma e o medo de ter sua intimidade exposta devem atormentar a jovem, mas a denúncia é necessária. A condenação, afinal, manteria o pedófilo interpretado por Claudio Tovar atrás das grades durante cerca de 12 anos.
É o que explica a advogada Mayra Cardozo, atuante em Direito Penal e especializada em questões de gênero. Na vida real, o criminoso seria condenado por estupro mediante fraude, com o agravante de ter sido cometido contra uma vítima que tem entre 14 e 18 anos --o crime costuma ser punido com seis a dez anos de reclusão, mas aumenta para oito a 12 anos caso a vítima tenha essa faixa etária.
Sim, o crime seria de estupro, apesar de não haver um encontro presencial entre os dois. "O crime pode se configurar a partir do momento em que se usa grave ameaça ou violência para realizar um ato libidinoso", explica a advogada. "O fato de você ameaçar alguém para que a forneça uma imagem de nudez e satisfaça sua lascívia já figuraria o estupro", completa.
Já havia precedentes para esse tipo de condenação nos Estados Unidos, mas ele só passou a ser realidade no Brasil em 2018 . Naquele ano, um juiz sentenciou o primeiro réu no país pelo chamado "estupro virtual". O homem, um pediatra do Rio Grande do Sul, fingia ser outra pessoa num bate-papo virtual e engatou conversa com um menino de dez anos. Ele conseguiu fotos íntimas da criança e começou a ameaçá-la, de maneira bem semelhante ao que acontece na novela.
O pai descobriu o crime e denunciou o homem à polícia. O promotor, Júlio Almeida, tentou enquadrar o criminoso por estupro e não por armazenar fotos sexuais de crianças, como proposto inicialmente --a pena seria bem menor, girando em torno de quatro a oito anos de reclusão.
"Foi inédito e acabou gerando a possibilidade de outros casos acabarem com a mesma condenação, que consideramos justa, já que o crime sexual contra criança e adolescente, ainda que não tenha o contato físico e não deixe sequelas físicas, deixa sequelas mentais muitos importantes na vida de uma criança", explicou o promotor, em entrevista à BBC.
Karina teve sequelas mentais por estupro
O caso foi julgado, e o criminoso foi condenado a 12 anos e nove meses de reclusão. A partir daí, criou-se a possibilidade de outros casos acabarem com a mesma condenação.
Ao promotor, resta entender em qual artigo o crime se configura. No caso de Karina, não é apenas um estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, mas um estupro mediante fraude (artigo 215). Ela foi enganada deliberadamente pelo pedófilo, que se fazia passar pela atriz Bruna Schuler (Giullia Buscacio) usando técnicas de inteligência artificial. O estupro de vulnerável (artigo 217-A) só seria aplicado caso a vítima tivesse menos de 14 anos.
Desde que sofreu a chantagem, Karina está em frangalhos. Por isso, parece cruel fazê-la reviver o trauma. Mas há outras formas de fazer a denúncia. Qualquer pessoa pode entrar com o processo, pois o estupro, quando cometido contra um menor de 18 anos, é uma ação penal pública incondicionada. "Basta que a polícia tome conhecimento da prática, e o processo seguirá normalmente, sem a necessidade da representação da vítima ou dos pais dela", explica Mayra.
A questão é o crime chegar aos ouvidos da polícia. No caso de Travessia, a delegada Helô (Giovanna Antonelli) já rastreia a atividade do pedófilo interpretado por Claudio Tovar. Mas, em outros casos, a denúncia pode vir a ser necessária. Se a vítima se sentir confortável, pode fazer a queixa numa Delegacia de Defesa da Mulher, que conta com atendimento humanizado e especializado para esse tipo de caso. Se o advogado da vítima também ter for perito na área, ajuda.
Apesar do desconforto da vitima, seu depoimento é importante mesmo num caso como o de Karina. Quando ela fala, a promotoria constrói um argumento mais sólido para conseguir a condenação do criminoso. Ainda mais nesse tipo de caso, quando é tão difícil angariar provas.
Muitas vezes, a mulher fica em choque e simplesmente não tira prints, não faz gravações... O que eu oriento nesses casos é que as clientes também busquem testemunhas que tenham alguma relação com o fato. Alguma pessoa que notou uma mudança no comportamento da vítima, um psicólogo... Quando é cometido virtualmente, posso entrar com uma medida cível para que o próprio provedor forneça os dados do usuário, conversas que foram deletadas, para servirem como provas do crime.
O acompanhamento psicológico, inclusive, é muito importante nesse processo. O terapeuta pode ajudar a vítima a lidar com o trauma e com as consequências dele.
Vanessa Gebrim, especialista em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), detalha em quais comportamentos os pais devem ficar de olho e procurar ajuda psicológica imediata: "Isolamento, aumento no tempo de permanência na internet, distanciamento das demais pessoas da casa quando está utilizando a internet, segredos, mudança de humor, irritabilidade, mudança de hábitos alimentares, baixa no rendimento escolar, pesadelos, problemas para dormir e sintomas autodestrutivos, como automutilação e pensamentos suicidas", lista.
Segundo Vanessa, o melhor a se fazer é ser um bom ouvinte. Não se deve questionar, culpar ou julgar a vítima, deixando-a livre para elaborar seus sentimentos. Se desejar abraçá-la, peça permissão. Também se mostre disponível para ouvi-la sempre que necessário ou ajudá-la a procurar um atendimento profissional.
Karina é consolada por Isa em Travessia
Para prevenir casos assim, o principal é que os pais estejam atentos aos filhos. Eles precisam saber com quem as crianças e adolescentes se relacionam, seja de forma presencial ou virtual. Também devem instruí-los a desconfiar de pessoas estranhas que puxam assunto via redes sociais.
Oriente seus filhos sobre a existência de perfis falsos e os ensine a não fornecerem dados pessoais ou fotos. Não poste ou compartilhe fotos dos filhos ou bebês sem roupas; e utilize literatura ou vídeos educativos para falar sobre o assunto e gerar conhecimento na criança ou adolescente. Quanto mais informação, maior é a chance de prevenção.
"Os pais não podem ter vergonha ou pudor de ensinar que ninguém toca no corpo dele, que existem adultos que se passam por adolescentes para conhecê-los e que, daqui a pouco, vão pedir fotos deles. Esse esclarecimento a família tem que dar", finaliza a psicóloga.
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