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LOURIVAL RIBEIRO/SBT
Eduardo Alves e Neusa de Souza com seus bonecos nos bastidores de A Caverna Encantada, do SBT
Se nas décadas de 1980 e 1990 os bonecos manipulados por humanos dominavam o entretenimento infantil, a sensação é de que agora eles são cada vez mais raros. A verdade é que as produções voltadas às crianças diminuíram como um todo na TV, o que por si só já é preocupante para o mercado dos bonequeiros.
Eles, no entanto, não acreditam que a arte da manipulação de bonecos perderá todo o seu espaço. Afinal, ela tem diferenciais que nem as animações digitais podem alcançar.
"Essa arte é humanizada. Existe um artista real por trás dela, o que faz com que ela seja única, presente, pulsante. E pela experiência que tenho, constato que não há uma pessoa, seja qual for sua idade, que não se encante com a presença de um boneco, no teatro, no vídeo ou na TV", define Neusa de Souza, intérprete da galinha Zazá e do papagaio Caco em Cocoricó --que, aliás, teve uma nova temporada lançada no mês passado. Os episódios estão disponíveis no Cultura Play e no YouTube.
"Um trabalho com bonecos que seja bem feito, com conteúdo, sempre terá espaço, porque com o boneco você pode ser qualquer coisa, não há limites para a criação. E para os atores manipuladores de bonecos, passar a emoção através das mãos é muito especial. O boneco é mágico!", arremata ela, que explica que os fantoches são apenas uma das linguagens de bonecos.
reprodução/youtube
As galinhas Zazá, Lola e Lilica em Cocoricó
Eduardo Alves, que viveu a galinha Lola em Cocoricó e, agora, interpreta o morcego Dodô em A Caverna Encantada, compartilha da mesma opinião. "A modernidade traz novas tecnologias, mas o boneco vai ser sempre o boneco. Já existem várias formas de animar um boneco, até roboticamente, mas nada vai pôr sangue correndo pelas entranhas do boneco como o braço do manipulador. Para mim, o boneco foi a primeira forma de atuação, e nunca vai morrer", afirma.
Ele acredita tanto nisso que tem uma companhia de atores bonequeiros desde 1988, a Bonecos Urbanos. O ator dirige espetáculos e atua neles, além de ministrar oficinas para quem deseja trabalhar na área.
Os dois bonequeiros estão no ar em A Caverna Encantada, novela infantojuvenil do SBT. Neusa dá vida à cobra Safira, uma vilã ardilosa que faz de tudo para conquistar o que deseja --mesmo que isso envolva prejudicar outras pessoas. É um desafio para a artista, que está em sua primeira novela.
"A fala da Safira, com a extensão de todos os 'S', exige um preparo de sustentação e controle da respiração e fôlego, principalmente porque a posição que fico no cenário é quase o tempo todo deitada no chão. E manipuladores de bonecos precisam ter um monitor de vídeo que é essencial para posicionarmos o boneco e contracenarmos com o ambiente à volta. Como dizemos: são nossos olhos", revela.
A atriz foi convidada para fazer um teste para o papel justamente por já conhecer esse universo por dentro. Inicialmente, ela só sabia qual a espécie, a personalidade e o contexto de Safira. Só depois ela teve contato com a boneca e passou a experimentar vozes e trejeitos. A bonequeira gravou um vídeo com um texto fornecido pela produção e acabou ficando com a personagem.
Durante esse processo, ela não teve contato algum com a criação de roteiro. Apenas desenvolveu a voz e trabalhou na manipulação como um todo --sua grande especialidade. Ela já está imersa nisso desde a infância, quando dava personalidade para as bonecas de pano que sua mãe, a costureira Rosalina, costumava criar.
Mais tarde, ela passou a dar vida às caricaturas de políticos que os cartunistas Gepp (1954-2022) & Maia criavam para jornais e revistas. O projeto saiu do teatro e acabou ganhando espaço na TV: o humorístico Agildo no País das Maravilhas (1987-1988), na Band, e o Cabaré do Barata (1989-1990), na extinta TV Manchete (1983-1999), bebiam da mesma fonte. Apresentados pelo humorista Agildo Ribeiro (1932-2018), os programas contavam com bonecos dos políticos.
LOURIVAL RIBEIRO/SBT
Dodô e Safira contracenam em A Caverna Encantada
Foi o primeiro trabalho de Neusa na TV. Depois, vieram vários outros, com destaque para Cocoricó. "A Zazá é a personagem mais importante na minha carreira pela forma que ela foi crescendo e como conquistou, juntamente com os outros personagens do Cocoricó, crianças, jovens e adultos do Brasil inteiro", ressalta.
Ela percebeu a dimensão disso quando fez uma turnê pelo Brasil inteiro com o projeto Thiago e Ísis e os Segredos do Brasil. "Não havia uma pessoa sequer que não conhecesse o Cocoricó e a Zazá. Quando descobriam que era eu quem dava vida e voz a Zazá, a emoção e as lágrimas eram imediatas! A Zazá faz parte da minha vida!", relembra a atriz.
Essa experiência é um exemplo do impacto da TV aberta no entretenimento infantil. "O Cocoricó é sucesso até hoje. Nem todas as crianças têm oportunidade e acesso à TV a cabo, streaming, à Internet. As TVs abertas deveriam investir em novas produções destinadas a essas crianças", diz.
Fernando Gomes, criador do Júlio e ex-gerente do departamento de Conteúdo Infantil da TV Cultura, pensa o mesmo. Ele vê com maus olhos o fato de apenas o SBT e a TV Cultura ainda investirem em conteúdos infantis. Mas sua maior preocupação é a qualidade dos conteúdos ofertados para as crianças em outras plataformas.
"O acesso das crianças a celulares e aplicativos rápidos que oferecem conteúdos superficiais, que não falam nada e apenas fazem dancinhas que viralizam, interfere na atenção e interesse delas. Esses conteúdos existem e são legais, mas são pobres. Precisamos sempre acrescentar algo; não podemos nos contentar com 'isso aqui dá certo, vamos fazer assim'", afirma.
Precisamos buscar conteúdos que despertem o interesse e a atenção das crianças, mas com qualidade. O que percebemos é que elas se conectam mais rapidamente a esses conteúdos que não exigem pensamento. Se não colocarmos essas crianças para pensar agora, elas se tornarão adultos vazios.
Eduardo Alves admite que a linguagem infantil de hoje exige um pensamento mais rápido por parte dos criadores. Ainda mais quando comparado com a referência quase unânime dos bonequeiros atuais: The Muppet Show (1976–1981) e o primeiro Vila Sésamo (1972-1977), ambos da década de 1970. O mundo mudou muito de lá para cá. Mas o profissional acredita que a técnica com bonecos é "infinita".
REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
Fernando Gomes e Júlio, sua criação
É por isso que Fernando Gomes também vê a manipulação de fantoches se reinventando no futuro, assim como pensam seus colegas. "Quando o cinema mudo começou a ter diálogos, muitos acharam que seria o fim do teatro, mas não foi; quando a TV se popularizou, disseram que era o fim do rádio, e também não foi; quando a TV começou a exibir filmes, muitos pensaram que era o fim do cinema, mas isso não aconteceu. Essas coisas não desaparecem; elas se renovam, e sempre haverá espaço", explica ele.
"Atualmente, a produção de animação na TV continua forte. A Globo tem os cavalinhos do Fantástico, e o SBT inclui bonecos em vários programas. Isso nunca acabará. Há anos, a Família Dinossauros [1991-1994] foi criada e exibida com grande sucesso usando bonecos mecatrônicos, e muitos disseram que era o fim dos bonecos manipuláveis de luva. Isso não é verdade. Se você trabalha com cuidado, carinho e coragem, sempre haverá mercado."
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