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Grandes conflitos

Matar, morrer ou trair: como as séries de TV discutem dilemas filosóficos?

Reprodução/USA Network

A atriz Alice Braga em Rainha do Sul, momentos antes de grande decisão de sua personagem - Reprodução/USA Network

A atriz Alice Braga em Rainha do Sul, momentos antes de grande decisão de sua personagem

JOÃO DA PAZ

Publicado em 2/7/2017 - 7h14

O prazer de assistir a uma série vai além de se identificar com um personagem, rir de alguma situação ou se emocionar com um desfecho trágico. De propósito, muitas produções inserem temas filosóficos para fazer o telespectador pensar e imaginar como tomariam uma decisão. Foi o que fizeram recentemente Orange Is the New Black e A Rainha do Sul.

Ambas as séries discutiram a ética da morte e suas consequências. Em Gomorra, o mesmo tema aparece, mas de modo muito mais sombrio. Afinal, pode haver alguma justificativa plausível para tirar a vida de uma pessoa?

A comédia The Good Place vai além da morte ao debater quem merece ir para o Céu ou Inferno. E, em Black Mirror, é apresentado o conceito de poder dissecado por Michel Foucault (1926-1984) em um dos episódios mais bem avaliados e comentados de 2016.

Veja como essas cinco séries discutiram filosofia sob a ótica do entretenimento:

reprodução/netflix

A loira Piper Chapman (Taylor Schilling) explica para sua colegas de cadeia o dilema do trem

Orange Is the New Black, o dilema do trem
Imagine um trem desgovernado prestes a atingir cinco pessoas amarradas nos trilhos. Você tem a chance de salvá-las, puxando uma alavanca que muda o trem de direção. Mas, na outra linha, há uma pessoa amarrada nos trilhos. O que você faz? Deixa o trem matar cinco ou puxa a alavanca para matar um?

Esse dilema foi contado por Piper Chapman (Taylor Schilling) no oitavo capítulo da quinta temporada de Orange Is the New Black (Netflix). Ela apresentou o problema às colegas prisioneiras para tentar resolver uma importante questão: entregar Daya (Dascha Polanco) para a polícia, por ter atirado em um guarda, ou protegê-la?

A segunda opção deixaria as presas em uma posição bem desfavorável nas negociações para a acabar com a rebelião instaurada no presídio. A líder Taystee (Danielle Brooks) optou por "matar um" e entregou Daya, pensando no bem maior.

O dilema do trem foi apresentado pela primeira vez em 1967, pela filósofa britânica Philippa Foot (1920-2010). Como Piper disse no episódio, a situação das presas foi "um dilema deontológico clássico".

Deontologia é uma teoria moral, criada pelo filósofo Jeremy Bentham (1748-1832). De acordo com ele, o ser humano se comporta eticamente sem avaliar a consciência e deixa de lado seus deveres. Prioriza a busca do prazer e a fuga da dor.

divulgação/usa network

Em A Rainha do Sul, personagem de Alice Braga foge de situações nas quais precisa matar

Rainha do Sul, matar para não morrer
A mexicana Teresa Mendoza, interpretada pela atriz brasileira Alice Braga, tinha uma regra em A Rainha do Sul (Space): não matar. Durante boa parte da primeira temporada da série, ela conseguiu manter intacta essa moral e sempre mostrou misericórdia. Mas chegou uma hora em que teve de romper com ela.

No oitavo episódio, a mexicana ficou numa encruzilhada e precisou tomar uma decisão de vida ou morte. Ela ficou de frente com um inimigo de sua chefe, com uma pistola na mão. Teresa pediu para o rapaz fugir, insistindo no perdão. Mas ele conseguiu distraí-la e pegou uma arma com a intenção de matá-la. Mais rápida, a mexicana cometeu seu primeiro assassinato, disparando três tiros.

Filosoficamente, há justificativa para a atitude de Teresa, baseada em um princípio apresentado pelo italiano Tomás de Aquino (1225-1274). A Doutrina do Duplo Efeito diz que uma ação é moralmente permissível, mesmo se a consequência for ruim. Seria o caso de matar alguém em legítima defesa.

divulgação/Sky atlantic

Andrea Domizio e Lino Mussella na série Gomorra; filha viu pai ser assassinado cruelmente 

Gomorra, vale-tudo
Série que faz The Sopranos (1999-2007) parecer um conto infantil, Gomorra (HBO Go) mostra a máfia na raiz, nas periferias de Nápoles. Na produção italiana, não há valores ou fundamentos. Nem Deus é respeitado: há mortes dentro da igreja e imagens de santos são usadas para transportar drogas.

Para manter a aparência de gânsgter, os personagens ultrapassam qualquer limite. O protagonista matou a própria mulher, estrangulada em uma praia, para evitar que ela revelasse seus segredos para a polícia.

Assim como o fã de Game of Thrones, quem acompanha Gomorra não deve se apegar a nenhum personagem, porque é grande a probabilidade de ele morrer.

A morte na série se encaixa com perfeição em uma observação de Friedrich Nietzsche (1844-1900) em seu livro A Gaia Ciência (1882): "É mais fácil lidar com uma má consciência do que com uma má reputação."

divulgação/netflix

A atriz Bryce Dallas Howard em Black Mirror, em episódio que satiriza o uso de redes sociais

Black Mirror, o poder na palma da mão
A estreia da terceira temporada de Black Mirror (Netflix) valeu por todo o resto. O episódio trouxe uma sociedade baseada em "likes" (curtidas). Cada encontro na rua resultava em estrelinhas em um aplicativo. Quanto maior a sua média, melhor o seu status, que era usado para obter descontos em compras, por exemplo.

O poder estava nas mãos da pessoa. Havia como avaliar mal alguém que foi rude em uma conversa. E também valia se comportar bem, mesmo que com falsidade, para ganhar mais estrelas. Esse modo de encarar a vida e colocar em prática o poder foi discutido por Michel Foucalt, que escreveu o seguinte em um de seus textos:

"O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas, os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer esse poder e de sofrer sua ação; nunca são alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão", pontuou o filósofo francês em Soberania e Disciplina, publicado em 1976.

Divulgação/nbc

Em The Good Place, a atriz norte-americana Kristen Bell interpreta uma intrusa no Céu

The Good Place, o inferno são os outros
A comédia The Good Place (inédita no Brasil), estrelada por Ted Danson e Kristen Bell, é uma das séries da atualidade que mais discute filosofia. A premissa é simples: uma mulher chamada Eleanor Shellstrop (Kristen) vai para o Céu (O Bom Lugar) como recompensa por seu bom comportamento na Terra. Porém, ela percebe que foi confundida com outra pessoa de nome parecido e faz de tudo para esconder sua imoralidade e não ser despachada para o Inferno (O Mau Lugar).

O existencialismo, conjunto de teorias popularizada por Jean-Paul Sartre (1905-1980), é discutido a todo instante em The Good Place. Mais especificamente, estão presente elementos da famosa obra Entre Quatro Paredes (1944), da qual saiu a icônica frase "O inferno são os outros".

A chegada de Eleanor em O Bom Lugar coincide com desastres inéditos na cidade celestial e todos os habitantes acham que Eleanor é a culpada pela mudança drástica no ambiente.

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