Análise | Teledramaturgia
Reprodução/TV Globo
Jayme Matarazzo e Isabelle Drummond em cena do último capítulo de Sete Vidas, novela das seis da Globo
RAPHAEL SCIRE
Publicado em 10/7/2015 - 19h56
Com uma história enxuta (106 capítulos no total), Sete Vidas, a trama das seis da Globo que se encerrou nesta sexta (10), mostrou que profundidade independe de horário e é forte candidata a ocupar o posto de melhor novela do ano. Licia Manzo se firmou como um dos melhores talentos da nova geração de novelistas ao contar a história de Miguel (Domingos Montagner), um navegador solitário, e sua relação com seus filhos e a amada Ligia (Debora Bloch).
Personagens masculinos um tanto bananas em oposição à força das mulheres na trama tornaram-se um pequeno deslize da história, que usou e abusou das discussões de relação (DRs). Nesse ponto, Sete Vidas poderia ter sido mais bem equilibrada, mas nada a ponto de caracterizar um rasgo no acumulado geral da novela.
O folhetim seguiu aos sabor dos acontecimentos. Pequenas situações e ações geraram capítulos que se fecharam entre si mas que não destoaram do conjunto da trama, como o beijo da terapeuta Isabel (Mariana Lima) em seu ex-paciente Luis (Thiago Rodrigues), o sumiço de Ligia, abalada com a volta de Miguel, e a rebeldia adolescente de Bernardo (Ghilherme Lobo), por exemplo.
A densidade da história foi refletida nos diálogos e vice-versa. Simples, mas nem por de longe superficial, Sete Vidas cativou pela ousadia dramatúrgica: prescindiu de vilões maniqueístas, não teve núcleo cômico e quase dispensou um recurso completamente necessário ao gênero, os ganchos.
Mas a cereja do bolo foram mesmo os diálogos, que mantiveram um alto nível ao longo dos quatro meses em que a novela foi exibida: críveis, fortes, maduros, naturais e poéticos na medida certa. Enfim, adjetivos não faltariam para eles.
O melodrama que poderia ser rasgado, pelo contrário, foi contido e nem por isso fez de Sete Vidas uma novela menos emocionante. A cena em que todos os filhos de Miguel se reúnem em um parque de diversão foi uma das coisas mais sublimes e lindas da teledramaturgia recente: quase ausente de diálogos, com a emoção pontuada apenas na trilha e na interpretação do elenco.
Dentro de um elenco tão uniforme, chega até ser difícil destacar nomes, mas Débora Bloch, em excelente momento da sua carreira, foi protagonista absoluta da história. A atriz pontuou a emoção e o drama de Ligia com sutis expressões faciais e olhares arrasadores.
Regina Duarte (Esther), por sua vez, mostrou que um papel coadjuvante nas mãos de uma grande atriz pode ganhar relevância. Isabelle Drummond (Julia) provou ser realmente a melhor atriz de sua geração. A propósito de Isabelle, está na hora de a atriz ganhar uma personagem mais esférica, com ainda mais possibilidades para mostrar seu talento.
E ainda que o humor não tenha sido o forte da trama, Laila (Maria Eduarda de Carvalho) fez as vezes de alívio para o drama. Excêntrica e exagerada, a personagem falava o que dava na telha e não media meias palavras. Sua sinceridade provocava o riso e quebrava a sisudez da história.
O último capítulo apresentou o esperado final feliz de toda novela, mas não de maneira manjada. Muito poética, a sequência final foi marcada pelas mãos dos personagens, que falaram muito mais do que qualquer palavra poderia dizer: as mãos do casal gay no cinema, do casal que se une na hora da adoção, da criança que se diverte na escola, da filha que suja o rosto do pai com farinha ou então as mãos de Miguel e Ligia se entrelaçando e indicando a felicidade dos protagonistas.
Com Sete Vidas, Jayme Monjardim se redimiu pela direção vagarosa e cansativa de Em Família (2014). A novela das seis fez bonito e reabre a discussão: novelas menores podem não ser o melhor negócio comercial, mas em termos de narrativa certamente agradam mais. Que venham mais histórias como essa.
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