Crítica
Fotos: Divulgação/TV Globo
Vitória Strada e Bruno Cabrerizo em cena de Tempo de Amar: moldura bonita para obra vazia
LUCIANO GUARALDO
Publicado em 30/9/2017 - 6h28
Na última terça (26), Tempo de Amar estreou na Globo com a dura missão de substituir o sucesso Novo Mundo. As belas imagens exibidas, que saltam aos olhos, são o principal atrativo da trama das seis. Mas é uma pena que elas apenas sirvam de moldura para uma trama sem profundidade, com vilões caricatos e dois protagonistas inexperientes, envolvidos em uma história de amor à primeira vista difícil de engolir.
A direção artística de Jayme Monjardim é percebida a todo momento na novela. Cada cena é apresentada como se fosse uma pintura, e as sequências em que Maria Vitória (Vitória Strada) e Inácio (Bruno Cabrerizo) se encontram em um bosque realmente parecem uma obra de arte. É um trabalho com qualidade cinematográfica, similar ao que o diretor apresentou em Olga (2004) e O Tempo e o Vento (2013).
Mas, valendo-se da máxima "por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento", a estética primorosa acompanha uma história fraca, batida e repleta de clichês. É evidente que uma novela não precisa revolucionar por completo um gênero que funciona há décadas, mas repetir tramas já vistas tantas vezes na TV há de cansar o público.
A começar pelo amor proibido entre a jovem rica, mas sofredora, e o rapaz pobre, mas sonhador. Maria Vitória e Inácio se conhecem durante o cortejo de uma imagem de Jesus Cristo crucificado por uma vila de Portugal. Mesmo sem trocar uma única palavra, se encantam um pelo outro e descobrem uma paixão arrebatadora.
Estreantes na Globo, os atores Vitória Strada e Bruno Cabrerizo são esforçados e até tentam passar veracidade aos sentimentos de seus personagens. Mas a história de amor à primeira vista entre Maria Vitória e Inácio é difícil de ser comprada, o que compromete o desempenho dos atores.
No lado da vilania, mais problemas. A talentosa Andreia Horta está presa no papel de Lucinda, uma mulher ressentida e odiosa que sofreu um grande trauma no passado. No primeiro capítulo da novela, ela fez duas coisas: revelou uma cicatriz (digna de antagonistas da Disney) no rosto e quebrou um espelho. Já Jayme Matarazzo, em sua estreia como vilão, ainda não mostrou a que veio, mas não comprometeu.
Na pele da odiosa Lucinda, Andreia Horta tem cicatriz no rosto: estereótipo de vilã da Disney
Para a salvação da lavoura, existe Letícia Sabatella, como a amargurada Delfina. Em poucas cenas, ela conseguiu transmitir ao público sofrimento, raiva e conformidade na relação de sua personagem com o patrão José Augusto (Tony Ramos), a quem serve como empregada, amante e com quem teve uma filha.
Falta a Tempo de Amar a leveza que o horário das seis pede. Não é preciso apelar para a comédia rasgada da faixa das sete (que também tem deixado a desejar em Pega Pega), mas alguns personagens com inclinação cômica já ajudariam a quebrar o clima tenso. Em Novo Mundo, Elvira (Ingrid Guimarães), Germana (Vivianne Pasmanter) e Licurgo (Guilherme Piva) cumpriam a função. A nova trama, até o momento, não despertou risos (talvez os de constrangimento).
A novela, ressalta-se, já estreou como um remendo de si mesma: pelo planejamento original, a história se passaria no fim do século 19 e mostraria personagens lutando pela abolição da escravatura. Apesar das seis décadas que separariam os acontecimentos de Tempo de Amar dos de Novo Mundo, optou-se por deslocar a história para a década de 1920, quando a escravidão já era proibida.
Assim, a abordagem histórica é feita quase que como uma lição de escola. No primeiro capítulo, o político Teodoro (Henri Castelli) e o idealista Vicente (Bruno Ferrari) discutem a política do café com leite, que marcou a República Velha (1889-1930) com a alternância no poder entre São Paulo e Minas Gerais, utilizando um didatismo de fazer inveja ao Telecurso 2000.
Com tantos predicados que trabalham contra a novela, é difícil acreditar que a mesma é baseada em um argumento do escritor Rubem Fonseca, responsável por obras inovadoras como Bufo & Spallanzani (1986), Agosto (1990) e Mandrake (2005). Pelo que foi mostrado até o momento, sua filha Bia Corrêa do Lago tem ouvido mais o conservadorismo de seu colega de roteiro Alcides Nogueira do que o vanguardismo que deveria ter herdado do pai.
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