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ANÁLISE

Triunfo de Bom Sucesso mascara problemas na representatividade negra

Reprodução/TV Globo

Diogo (Armando Babaioff) e Gisele (Sheron Menezzes) em cena de Bom Sucesso, novela das sete da Globo

Diogo (Armando Babaioff) e Gisele (Sheron Menezzes) em cena de Bom Sucesso: representatividade falha

HENRIQUE HADDEFINIR

Publicado em 12/12/2019 - 5h02

A novela Bom Sucesso é um "biscoito fino" na dramaturgia brasileira. Com qualidade técnica e criativa inegável, ela é considerada um respiro por conseguir ser popular e folhetinesca, mas também elegante e inteligente. Porém, ao mesmo tempo, existe um problema latente e ao qual ninguém presta atenção: a forma como ela trata personagens negros.

O curioso é que nem parece proposital. No panorama geral da novela, percebe-se um grande esforço dos autores Rosane Svartman e Paulo Halm para preservar o máximo de diversidade possível. Há muitos negros, uma asiática e uma trans que foi muito melhor explorada --ainda que no mínimo-- do que a de A Dona do Pedaço.

É possível que o resultado da abordagem racial em Bom Sucesso seja fruto de um condicionamento cultural que mobiliza quase tudo que vai para o ar desde que a televisão se popularizou. Por incrível que pareça, Taís Araújo como a primeira protagonista negra no horário mais nobre da Globo (em Viver a Vida) foi uma das principais abordagens de divulgação da novela em 2009, exatos dez anos atrás.

De lá para cá, a televisão tem tentado naturalizar esse quadro, mas acaba esbarrando sempre na industrialização dos astros. Um produto como Segunda Chamada, por exemplo, tem a estrutura perfeita para que Thalita Carauta seja a protagonista, mas a figura de Debora Bloch invade essa perspectiva com a teoria da "estrela que atrai interesse e seriedade".

É a mesma ideia que está por trás da "escola de mocinhas" que monopoliza as principais escalações. Nomes como Marina Ruy Barbosa, Vitória Strada, Juliana Paiva ou Isabelle Drummond têm mais ou menos a mesma idade ou tempo de carreira do que atrizes como Juliana Alves, Sheron Menezzes e Roberta Rodrigues. Mas, o primeiro time é treinado para ser protagonista; o segundo, não.

É bastante notório quando colocamos a própria Bom Sucesso em perspectiva. Paloma (Grazi Massafera) está dividida entre dois amores. Um é o de infância, Ramon, vivido por David Junior, um ator negro. O outro é Marcos, o boêmio, vivido por Romulo Estrela, o típico galã branco, conduzido para ser o herói.

Ambos são irresponsáveis: Ramon abandonou a namorada grávida para seguir atrás de um sonho; Marcos é um galinha clássico. A dramaturgia da novela, contudo, se arruma de um jeito curioso, com Ramon sendo apresentado como um homem possessivo e até desrespeitoso (na forma como se referiu a Alberto, por exemplo), e Marcos como um "menino" que nunca amou de verdade e que vai se redimir.

O reencontro entre Paloma e Ramon serve como uma escada para a real torcida do público, condicionado a esperar pelo momento em que ela vai reconhecer o que sente pelo filho do patrão. Rico, branco, simpático e redimido. O treinador de basquete tem um milhão de qualidades, mas elas não são dispostas com a mesma aura de importância com que são aquelas que regem o playboy.

victor pollak/tv globo

Namoro entre Patrick (Caio Cabral) e Gabriela (Giovanna Coimbra) foi só sofá para o público

O personagem de Romulo Estrela vai ajudar Paloma, ajudar o pai, salvar a editora... Ele é um grande herói porque seus salvamentos ocupam os catalisadores da história, ao contrário de Ramon, que protege o que a novela trata com ares de coadjuvância (os filhos de Paloma, o time de basquete, o jovem viciado).

O problema se repete, do mesmo jeito, no núcleo de Gabriela (Giovanna Coimbra). Enquanto Paloma rompe com Ramon para que não haja nenhuma torcida pela volta do casal, Gabriela termina com Vicente (Gabriel Contente) para ficar com Patrick (Caio Cabral) apenas para que o público vibre com a eventual volta do casal original.

Não há nenhum investimento real na relação entre Patrick e Gabriela. Mais uma vez, a narrativa é construída para que Vicente, o rapaz rico, branco e rebelde, encontre redenção ao se apaixonar pela menina do subúrbio. O personagem de Caio Cabral, assim como o de David Junior, fica pelas bordas do enredo, com os autores tentando dar a eles conflitos que os mantenham longe da Zona Sul.

O irmão de Ramon, Leo (Antonio Carlos Santana), rejeita a ideia de ter um relacionamento direto com Toshi (Bruna Aiiso), uma asiática que se apaixona pelo Brasil. A novela até prepara o terreno para que ele realmente se apaixone por ela; mas, até então, Leo só quer uma coisa: a francesa loira que faz parte de seus sonhos de conquista. A asiática é um mero passatempo.

Há mais atores negros no elenco. Lulu (Carla Cristina Cardoso), cunhada de Paloma, é obcecada por Silvana Nolasco, a atriz vivida pela loiríssima Ingrid Guimarães. A própria filha de Paloma, Alice (Bruna Inocencio), está numa história que envolve um grande núcleo negro, composto por Waguinho (Lucas Leto), Luan (Igor Fernandez), Francisca (Gabriela Moreyra) e a diretora da escola (Ju Colombo).

Todos eles ocupam posições muito corretas na história e um considerável tempo de cena. O questionamento aqui, entretanto, diz mais respeito às posições de protagonismo: quando o público olha para elas é que surgem as dúvidas. Sheron Menezzes, a dissimulada Gisele, surge como exemplo final. Ela é apenas uma escada para o vilão Diogo (Armando Babaioff).

Bom Sucesso é escrita com muito cuidado, tem mais qualidade do que muita coisa que esteve no ar nos últimos anos, e o objetivo não é desmerecê-la. Muitos desses problemas podem ter sido construídos organicamente, como aspectos sensitivos do processo de criação, inevitáveis por conta do condicionamento cultural.

Talvez esses apontamentos não sejam problemas para a maioria das pessoas. Contudo, a arte é uma ferramenta de sensibilização, que tanto pode ser um reflexo do que está estabelecido como uma transformadora de eras. Bom Sucesso é ótima e ainda há tempo para rever alguns pontos. Nunca é tarde para ressensibilizar.

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