WEB SUMMIT
Sam Barnes/Web Summit
O apresentador Luciano Huck usa papel para ler discurso na abertura da Web Summit Rio, após falha
Termina nesta quinta-feira (4) no Rio de Janeiro a primeira edição brasileira da Web Summit, maior evento de inovação e tecnologia do mundo. Nos três dias de conferências em um Riocentro superlotado, um assunto foi predominante: a inteligência artificial, especialmente o impacto do ChatGPT em nossas vidas.
A IA generativa, aquela que aprende e repete padrões complexos de comportamento a partir de bases de dados, foi tema de palestras que trataram do desenvolvimento de aplicativos e games, da produção de alimentos que parecem carne animal mas são feitos de vegetais, dos trabalhos que ela irá automatizar, da ameaça ao futuro do jornalismo e até de sua presença no OnlyFans, de conteúdo adulto.
Como explicou Cassie Kozyrkov, cientista chefe de decisões do Google, IA não é exatamente uma novidade. Google e Netflix, por exemplo, a empregam há anos. A novidade é que agora ela ficou mais visível e pode ser usada por qualquer pessoa, não apenas por engenheiros e pesquisadores.
"Não estamos vivendo uma revolução de inteligência artificial, mas uma revolução de experiência do usuário", disse ela referindo-se ao ChatGPT e ao Bart, do Google. "Não foi a tecnologia que mudou, e sim o design do produto", afirmou Cassie.
A cientista de dados se referiu à IA generativa como um instrumento para "fazer falsificações plausíveis", não no sentido negativo, de fake news, mas de imitação de comportamento, mas demonstrou preocupação com seus efeitos, principalmente os econômicos, se for distribuída de forma desigual.
"Não podemos nos distrair com robôs. Temos que assumir a responsabilidade de como iremos levar adiante essa evolução da tecnologia. A IA generativa não deve favorecer apenas o indivíduo, mas toda a sociedade", discursou.
Cassie não respondeu à pergunta que intitulou sua apresentação (Quais trabalhos a AI vai automatizar?). Afirmou que a IA generativa não vai substituir os humanos em atividades criativas. Vai ser, segundo ela, uma ferramenta que aumenta nossa produtividade, "uma aceleradora de inspiração".
Na fala mais crítica à IA generativa, Meredith Whittaker, CEO do aplicativo de mensagens Signal, se referiu à tecnologia como "bullshit" (besteira, bobagem, porcaria), porque gera conteúdo baseado em dados e informações mentirosas disponíveis na internet.
Para a executiva, ChatGPT é como aquele "tiozão do churrasco do fim de semana". "A forma como a Microsoft apresentou o ChatGPT parece aquele tiozão do churrasco, que aparece, bebe, fala com muita certeza sobre coisas que não sabe e todo mundo acha engraçado", disse.
Meredith defendeu a regulamentação urgente do desenvolvimento e aplicação de inteligência artificial, ainda que, mesmo assim, seja difícil impedir seu uso de forma nociva. E criticou a concentração da tecnologia na mão de poucas big techs, que gastam mais dinheiro em lobby do que as empresas de tabaco e petróleo juntas.
"Há poucas empresas com recursos suficientes para desenvolver completamente grandes modelos de linguagem, a base dos sistemas de inteligência artificial. Essa concentração de poder é o modelo das big tech", afirmou. E o modelo das big techs, completou, é baseado na captação de dados dos usuários, feita com "agressiva vigilância".
Um dos pontos difíceis de serem regulados, na opinião de Meredith, é o uso da inteligência artificial para reconhecimento facial, principalmente em lugares públicos. O agravante é que nessas situações não há sequer o "consentimento" do usuário. "Vivemos em um ecossistema recheado de mentiras, falsas verdades, ilusões. Precisamos de autoridades que estejam preocupadas em melhorar a nossa vida", decretou.
Stephen McCarthy/WEB SUMMIT
Meredith Whittaker, CEO da Signal, no evento
Outra discussão interessante foi o do impacto da inteligência artificial generativa no jornalismo. Para os participantes (Laura Bonilla, editora-chefe da Agence France-Presse para América Latina; Greg Williams, diretor editorial da Wired; Paula Mageste; CEO das Edições Globo Condé Nast; e Steve Clemons, editor da Semafor), o assunto preocupa, mas a resposta é "não", a IA não vai matar os jornalistas.
"Não vai acabar com nada", bradou Clemons. "Não vejo muita automação do meu trabalho no futuro. O ChatGPT pode ser um bom assistente, mas precisa de supervisão. Vai mudar nosso fluxo, nossas tarefas, mas não podemos pedir um artigo completo para o ChatGPT", disse Laura Bonilla.
Williams, da Wired, comparou o impacto da IA generativa no jornalismo ao da chegada da internet, na metade dos anos 1990, ou seja, algo que pode mudar sensivelmente a atividade, mas não substituí-la. Ele se disse preocupado com a falta de regulamentação, pois ferramentas como ChatGPT "refletem as mentiras que estão na internet".
Paula Mageste, da Globo Condé Nast, ressaltou que o jornalista tem fontes e subjetividades, algo que falta à inteligência artificial. Ela defendeu que os veículos informem os leitores sempre que usarem IA em textos ou imagens.
Apesar de ser um evento de inovação e tecnologia, a primeira edição da Web Summit no Rio de Janeiro sofreu com problemas técnicos. Na abertura, na segunda-feira à noite (1º), Luciano Huck reclamou do fato de ter que falar em inglês (quase todos os painéis são na língua estrangeira) e se irritou com a falha nos monitores que exibiam seu texto.
Quando Huck estava na metade da leitura de seu discurso, os monitores passaram a anunciar o próximo convidado. "Ah, vá pra porra!", disse o apresentador do Domingão, retirando folhas de papel do bolso da calça para dar seguimento à sua fala, sobre inovação e preservação de florestas.
Participantes do evento também reclamaram de falhas em microfones e falta de retorno de áudio para o palco principal e, principalmente, da superlotação. Na noite de abertura, nem todos conseguiram entrar. Nos demais dias, havia filas imensas para se pegar táxi.
Segundo a organização, a Web Summit Rio teve 21.367 participantes, de 91 países, um recorde para um primeiro ano do evento. A Web Summit principal, realizado em novembro em Lisboa, vendeu 70 mil ingressos no ano passado --por isso é o maior evento de inovação e tecnologia do mundo.
Nos três dias, a Web Summit Rio exibiu 974 startups (representando 28 setores da economia), 506 investidores, 400 palestrantes (37% mulheres) e 743 jornalistas.
Os tíquetes da primeira Web Summit Rio se esgotaram quatro semanas antes do evento. Os ingressos da edição de 2024, de 15 a 18 de abril, já estão à venda, por R$ 772,50.
O evento continua hoje com mais discussões sobre inteligência artificial (como a AI está revolucionando a economia é um dos painéis, às 11h).
As palestras no palco central têm transmissão ao vivo e gratuita pelo YouTube. Se você quer conferir a fala (em inglês) de Meredith Whittaker, clique aqui (começa em 2h37min); idem para a aula de Cassie Kozyrkov (inicia em 6h55min). O debate sobre ChatGPT e jornalismo está aqui (começa em 4h30min).
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