MITO DA TV
Divulgação/SBT
Silvio Santos no Show do Milhão: televisão que teve auge com o apresentador não existe mais
Quiseram os deuses que Silvio Santos fosse enterrado num domingo, o dia ao qual ele deu novo significado por meio da televisão. Ainda nos anos 1960, o comunicador e empresário tornou menos tedioso o dia de quem apenas queria ficar em casa descansando. Seu programa, que começava no final da manhã e ia até a noite, virou sinônimo de domingo, como cantaram os Titãs em 1995: "É dia de descanso / Programa Silvio Santos".
Com raros talentos artístico e empresarial, Silvio Santos foi o maior gênio da mídia brasileira e sua morte decreta o fim de uma televisão que já não existe mais. Na TV aberta que viveu seu auge com Silvio Santos, já não funcionam programas que simplesmente adaptam atrações do circo, mesmo que liderados por apresentadores talentosíssimos. Na era do capitalismo da atenção, em que qualquer um pode montar seu SBT no YouTube, é preciso mais do que brincar de forca, arranjar namoro ou arriscar a sorte numa roleta.
Silvio Santos deixou o SBT em um momento delicadíssimo. Somente nesta década, forçado pela pandemia e pela fragilidade de sua saúde, é que o empresário transferiu o comando de seus negócios para as filhas. Daniela Beyruti tomou a frente no SBT há pouco mais de um ano --e mesmo assim ouviu conselhos do pai sobre as principais decisões que tomou nesse período.
Daniela e as irmãs (principalmente Patricia e Renata) sabem que o SBT é retardatário na corrida da inovação e que a TV aberta vem perdendo audiência, faturamento e relevância. Há 20 anos, Globo, SBT, Record, Band e RedeTV! detinham 90% do consumo de TV. Nove em cada dez televisores estavam ligados numa das cinco grandes redes. Dezenove anos depois, em 2023, eram apenas seis, de acordo com o Painel Nacional de Televisão (PNT) da Kantar Ibope.
O SBT se orgulhava nos anos 1990 de ser vice-líder absoluto no segundo lugar da audiência. Foi o competidor que mais desafiou a hegemonia que a Globo construiu na virada dos anos 1960/70, apresentando uma alternativa popular e criativa ao poderoso e quase imbatível "Padrão Globo de Qualidade".
A rede de Silvio Santos chegou a marcar 9,6 pontos na média diária (7h/24h), contra 20,4 da Globo, no PNT em 2001, ano em que Silvio Santos, talvez em sua última grande genialidade, paralisou metade do país com a Casa dos Artistas (2001-2004), uma cópia do que viria a ser o Big Brother Brasil. Com muito menos recursos, porque nunca conseguiu ameaçar o domínio da Globo sobre o mercado publicitário, o SBT tinha quase metade do resultado da rival.
O SBT que Silvio Santos deixa para suas herdeiras é bem diferente do SBT da alvorada do século. Desde 2008, a vice-líder de audiência é a Record, e o SBT às vezes disputa a quarta posição. No ano passado, a emissora foi sintonizada por 8 de cada 100 televisores. Em 2001, tinha três vezes mais audiência (24 de cada 100 aparelhos ligados). O faturamento está em queda contínua. De acordo com balanço contábil, caiu de R$ 1,209 bilhão em 2022 para R$ 1,149 bilhão em 2023.
Fontes bem informadas sobre os bastidores do SBT reportam informes preocupantes. A nova programação idealizada por Daniela Beyruti para os dias úteis não funcionou até agora, derrubou a audiência e não aumentou as receitas. Dificilmente haverá lucro neste ano.
Pelo contrário, há rumores de que o rombo poderia chegar ao R$ 100 milhões no final do ano, e no mês passado a emissora iniciou um processo de corte de gastos para economizar R$ 20 milhões, como antecipou o Notícias da TV. Para fazer caixa, o Grupo Silvio Santos colocou a Jequiti Cosméticos à venda. Quase vendeu para a Cimed, mas o negócio empacou.
É enorme o desafio do SBT, a joia do conglomerado empresarial da família Abravanel. A emissora precisa se reinventar sem perder sua essência, que sempre foi e deve continuar sendo Silvio Santos. As filhas vêm tentando, sem demonstrar até agora terem o talento do pai para os negócios e para a comunicação.
E, para piorar, a concorrência hoje é muito maior do que a Globo, que já não é tão poderosa como nos anos 1980 e 1990. Os gigantes do mundo do SBT de hoje são Netflix, Google, Meta, Amazon, Apple e Microsoft. Empresas globais trilionárias, que faturam em algumas horas o que o SBT leva um ano. Plataformas que permitem a qualquer um se arriscar a ser um novo Silvio Santos.
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