FIM DO SILÊNCIO
REPRODUÇÃO/YOUTUBE
Leo Lins quebrou o silêncio e falou sobre decisão da Justiça de condená-lo a oito anos de prisão
Condenado no último dia 30 a oito anos, três meses e nove dias de prisão em regime fechado, o comediante Leo Lins quebrou o silêncio e falou sobre a decisão da Justiça na noite desta quinta-feira (5). Ele afirmou que a juíza responsável pelo caso misturou as linhas entre realidade e ficção, não entendeu que o humorista é um personagem e alegou que a sociedade vive um período de "cegueira racional".
Em um vídeo de 12 minutos publicado em seu canal no YouTube --o mesmo que conta com vídeos de suas apresentações em que ele faz piadas de cunho preconceituoso--, Lins abriu o jogo sobre sua situação.
"Quando eu recebi a notícia da minha prisão, eu passei o dia gravando no SBT, ao lado de grandes amigos, o que ajudou a deixar o clima um pouco mais leve. Muito já se falou dessa minha condenação, o que é liberdade de expressão, a diferença entre uma piada no palco e uma declaração, que se leva um humorista a sério e um político na palhaçada, que liberdade de expressão não é de opressão, que piadas podem ofender etc", começou ele.
"Antes de me pronunciar, eu quis ler toda a sentença da juíza que condenou um humorista, no caso eu, a mais de oito anos de prisão e uma multa de quase R$ 2 milhões. Esse vídeo não é de piada. Eu tô em casa, com meus gatos, aqui a pessoa é Leonardo de Lima Borges Lins, e não o comediante Leo Lins, uma persona cômica criada ao longo de anos, que faz piadas ácidas, críticas, e que sabe que nem todas as piadas são para todas as pessoas."
"Talvez nem todos saibam, mas o humorista num palco interpreta um personagem, é uma persona cômica. Na construção do texto, nós utilizamos figuras de linguagem, a hipérbole, metáfora e ironia, numa licença estética; e, portanto, uma análise literal desse texto não se aplica na estrutura do cômico. Isso não é uma opinião, isso é um dos conceitos do humor segundo o autor Simon Critchley, um autor com diversas obras a respeito da comédia e um nome respeitado na área nos Estados Unidos e no mundo", discursou.
"Por que eu estou citando isso? Porque é de esperar que uma sentença pesada como essa tenha um embasamento teórico igualmente profundo. Sabe qual foi um dos embasamentos teóricos da juíza que me condenou a mais de oito anos de cadeia? A Wikipedia! E isso não é uma piada. Você imagine um inocente acusado de homicídio. A juíza fala: 'Você matou?'. Ele diz: 'Não'. Ela vai na Wikipedia: 'Pessoas podem mentir?'. 'Sim'. 'Ah, sabia. Condenado'. Isso mesmo a Wikipedia tendo um aviso: 'Não é fonte primária de informação, não substitui uma pesquisa acadêmica'. Assim como no meu show também tem avisos. 'Show de humor, apresentação de stand-up comedy. Obra teatral. Ficção. Você está entrando em um teatro'", disse.
"Mas parece que as pessoas perderam a capacidade de interpretar o óbvio. Estamos vivendo uma das maiores epidemias dos últimos tempos, a da cegueira racional. Os julgamentos são feitos puramente baseados em emoção, e ninguém quer mais ouvir o próximo, quer no máximo convencê-lo da sua própria verdade. Isso pode trazer consequência para qualquer pessoa, mas no caso de um juiz, de uma juíza, pode trazer consequências gravíssimas", ressaltou o ex-The Noite.
"Eu vou citar alguns trechos da minha sentença e eu deixo para que vocês façam o julgamento por si só. Em um certo momento, a juíza fala: 'Apesar de haver texto, edição, cenário, figurino e estar em um palco, parece-nos não se tratar de um personagem, e sim da pessoa a proferir discursos'. Eu te mostro a cabeça de um jacaré, o corpo de um jacaré, o rabo de um jacaré, e eu pergunto: 'Que animal é esse?'. Você responde: 'É um camelo'. Aí não adianta mais argumentar. Não importa o que eu fale ou o que eu mostre, você já decidiu antes de olhar", comparou ele.
"Em um outro trecho, ela fala: 'E por mais que tenha acontecido em um teatro, ao ir para o YouTube, saiu do teatro'. Então, a partir de agora, se eu assistir um filme de romance, eu posso processar os atores do filme por atentado ao pudor, porque a cena romântica entre o casal não aconteceu mais no estúdio do cinema, e sim aqui na sala da minha casa. Isso é de uma limitação cognitiva, é grave e preocupante", continuou Leo Lins.
"E em outra passagem, ela fala: 'Mesmo que fosse um personagem, ainda assim há crime'. Aí acabou, porque se um personagem pode cometer um crime, agora dá para prender a atriz que faz a vilã da novela, o ator que faz o vilão no filme, numa série", seguiu.
"Eu espero que os humoristas, que a classe artística, que as pessoas em geral entendam a gravidade de uma sentença como essa. Eu sei que muitos estão indignados com a minha condenação; alguns estão felizes, porque é isso que virou a nossa sociedade: um Coliseu romano, onde cada grupo vibra quando um suposto adversário, que muitas vezes nem é, cai ou é empurrado aos leões. E enquanto a plebe se mata, os imperadores assistem do camarote invioláveis e intocáveis."
"Para que rumo está indo a nossa sociedade? Os valores estão sendo invertidos. Um olhar vira um estupro; uma piada, um discurso de ódio; e a corrupção vira o padrão. A gente acostumou tanto com desvios de caráter que quando estamos diante de uma virtude, ela vira digna de elogio. 'Não, esse prefeito é muito bom, esse aí nunca roubou, nunca se envolveu em corrupção'. Mas isso era para ser a regra, não a exceção! Como é que a gente chegou aqui? Em parte, eu te digo: vestindo os vícios com um manto da moralidade. Usam esse manto há tanto tempo que às vezes nem percebem o erro", disse.
"Durante o meu julgamento, certo momento, o promotor de Justiça me pergunta: 'Você já parou para considerar que essas pessoas que estão aqui falando a seu favor, negros, gays, pessoas com deficiência, já parou para pensar que eles podem ser uma minoria dentro da minoria?'. E aí eu respondi: 'Mas o objetivo desse processo não é justamente o respeito às minorias? Você tá me dizendo então que essa minoria é tão pequena que não merece respeito'. Em que momento a nossa régua moral e jurídica passou a ser baseada em um número do IBGE?", destacou o comediante.
"Isso se é que era uma minoria. Pelo menos no meu julgamento, haviam mais minorias do meu lado do que contra, porque não levaram nenhuma. E mesmo assim, em nome da defesa das minorias, a juíza ignora a opinião dessas minorias e determina que piada incentiva o crime, o ódio e o preconceito. Provavelmente então essas pessoas envolvidas no desvio de bilhões do INSS, coitados, às vezes eles só ouviram muitas piadas de idoso ou piadas de corrupção e aí tavam rindo, quando viram, roubaram. A culpa não é deles, a culpa é do riso."
"Aliás, criticam também pessoas que riem de determinadas piadas. 'Como é que pode rir disso?' Olha, diferentes pessoas têm diferentes sensos de humor, mas não, 'como é que tá rindo? Por que tá rindo?'. Quando a gente ri, nós liberamos endorfina, dopamina, neurotransmissores que fazem você se sentir bem. Eu não vejo problema nisso. Eu acho mais problemático quando, ao ouvir uma piada, a pessoa, ao invés de rir, reage com ódio. Como fizeram na França ao invadir o prédio dos cartunistas e metralharam todos. Como fizeram acho que no Afeganistão, onde sequestraram e executaram o comediante por causa de piada. Ou até em violências menores, como no caso do Will Smith, que deu um tapa na cara do comediante Chris Rock. Situação semelhante, eu vivi aqui em São Paulo, parado na rua, tomei um soco na cabeça pelas costas", listou.
"Tem vários exemplos de agressão de pessoas que se irritam com a piada, mas não que riem com a piada. E ainda assim invertem essa lógica para fazer parecer que as pessoas que riem de determinadas piadas têm grande chance de cometer atos de ódio e de preconceito. Eu não vou ser hipócrita. Você pode falar: 'Pô, mas então você quer afirmar que jamais alguém pode ouvir uma piada e ter uma atitude de agressão física ou psicológica?'. Eu não tenho como afirmar, mas se a pessoa fizer isso, que ela responda pelo crime que ela cometeu", apontou Lins no vídeo. "Eu não posso jogar Street Fighter, agredir alguém e colocar a culpa no japonês que fez o jogo. Fazer isso e proibir o jogo vai impedir milhões de pessoas de se divertirem por causa de um idiota. E é isso que nós estamos fazendo, nivelando a sociedade pelo idiota."
"Concordar com sentenças como essa é assinar um atestado que nós somos adultos infantiloides, sem a menor capacidade de discernir o que é bom ou ruim para nós, e precisamos de um Estado falando do que você pode rir, o que você pode ouvir, o que você vai poder comer, o que você pode falar e até um dia o que você pode pensar", exagerou o humorista.
No fim, ele valorizou o apoio que tem recebido desde que a sentença veio à tona. "Por isso, eu agradeço muito a todos vocês que estão me apoiando. Agradeço aos colegas familiares, aos humoristas, juristas, jornalistas. Eu recebi milhões, milhares de mensagens. Confesso que foi acima da minha expectativa as pessoas que estão se posicionando a meu favor. E claro, a vocês, às milhões de pessoas que acompanham o meu trabalho, eu sempre falo que vocês são muito importantes para mim e me dão força para continuar seguindo em frente."
"Muitas das vezes recebo mensagens que se tornam até mais pessoais, de pessoas falando que minhas piadas ajudaram a superar uma depressão, a perda de um ente querido, a superar uma enfermidade, como no caso de um rapaz que entrou em contato se voluntariando para depor a meu favor, porque ele disse que eu ajudei a salvar a vida dele e tatuou o símbolo do meu show em um corte que ele tem no pulso. Ainda bem que eu não tava preso, proibido de contar piadas nessa época. Eu agradeço muito. Mensagens como essa são muito gratificantes", lembrou ele.
"Como sempre falo, a melhor piada do mundo sem alguém para rir não tem graça, a comédia é feita para o próximo. Por isso, eu espero retribuir tudo isso em risadas. Eu tenho fé que no fim vai dar tudo certo; até porque, se rir virou crime, o silêncio virou regra", finalizou.
Confira abaixo o pronunciamento de Leo Lins:
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