NINGUÉM TEM PACIÊNCIA...
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Seu Madruga (Ramón Valdés) em cena de Chaves, que é exibido diariamente no horário nobre do SBT
Chaves (1973-1980) e Chapolin (1973-1979) voltaram de vez à programação do SBT há pouco mais de um mês. Apesar de os seriados terem retornado em horário nobre depois de mais de quatro anos de ausência total na TV brasileira, essa volta não foi exatamente como os fãs da obra de Roberto Gómez Bolaños (1929-2014) esperavam. O uso de inteligência artificial (IA) para o "aprimoramento" das imagens antigas e os cortes em cenas importantes dos episódios estão entre as principais reclamações.
O Notícias da TV conversou com João Victor Trascastro, que é publicitário, consultor das marcas Chaves e Chapolin Colorado no Brasil e parte do time do Fórum Chaves, a maior comunidade de fãs dos seriados aqui no país. A reportagem também ouviu o SBT.
Desde o retorno dos seriados à programação, tem viralizado nas redes sociais imagens distorcidas por causa das alterações realizadas pela ferramenta de inteligência artificial.
O Fórum Chaves e outras páginas que acompanham Chaves e Chapolin já fizeram diferentes posts, com fotos e vídeos, mostrando consequências do uso da IA nas cenas.
João Victor Trascastro menciona algumas anomalias. "Parede que fica com textura de tecido; pele, rostos e braços em que se criam imperfeições; texturas que não são naturais da pele humana. A IA não entende o que é desfoque, então ela vai tentar trazer nitidez para uma imagem de um rosto desfocado ao fundo, e aquele rosto é propositalmente desfocado por causa da lente da câmera. Coisas que não fazem sentido aplicar."
REPRODUÇÃO/SBT
Prints publicados pelo Fórum Chaves de cenas alteradas por IA
O especialista em Chaves cita como exemplo o clássico episódio de Acapulco, que fica bem melhor na versão original, sem o uso da inteligência artificial. "Em vez de a qualidade aumentar, ela vai diminuindo e sendo deixada de lado. É uma coisa triste. O público que consome não quer isso, não espera isso, o público que consome sabe que Chaves e Chapolin é antigo."
Confira o exemplo abaixo --na imagem de cima, a versão do clipe Boa Noite Vizinhança, da saga de Acapulco (1977), na versão disponível no +SBT, com inteligência artificial em cima da fita bruta. Na imagem de baixo, o mesmo trecho, com uma simples correção de cores em cima da fita bruta originalmente exibida pelo SBT até 2020 (sem inteligência artificial):
Muitos seguidores aqui no X nos questionam sobre as reproduções do conteúdo alterado por Inteligência Artificial exibido pelo SBT. Aqui temos, então, um comparativo simples de um episódio icônico.
— Fórum Chaves (@ForumChaves) January 3, 2025
Na imagem de cima, você confere a versão do clipe “Boa Noite Vizinhança” da saga… pic.twitter.com/Y2DuglAV3M
Em nota, o SBT explica que "optou por usar a IA nos episódios do Chaves e Chapolin visando melhorar a experiência da audiência. Como hoje todo o conteúdo é digital, fica difícil aceitar problemas das antigas gravações analógicas tais como ruídos, instabilidades e descolorização, hoje com IA se consegue melhorar estas falhas sem comprometer o artístico, preservando suas características originais e lúdicas".
No entanto, os telespectadores mais atentos não concordam com a emissora. "Não precisa disso, não há necessidade. Tem a questão de o SBT confundir inteligência artificial com remasterização, que são coisas diferentes. Pegar uma fita bruta, jogar no software a achar que o software vai automaticamente equilibrar todos os quadros, trazer cores, níveis e ajustar tudo não é verdade. Não acontece isso", argumenta Trascastro.
O publicitário e consultor das marcas Chaves e Chapolin no Brasil explica que países da América Latina que também voltaram a exibir os seriados em 2024 não estão fazendo esse tipo de alteração por IA:
Isso é uma coisa que o SBT decidiu fazer por conta própria com o acervo que já tem em mãos. O ponto é que o acervo que eles têm em mão já foi exibido durante 40 anos. O público que consome Chaves e Chapolin reclamava da imagem dos episódios? Não. Quem poderia reclamar da imagem de episódios e do aspecto técnico é crítico de TV que insiste em não gostar das séries porque não gosta. E tudo bem. Mas o público assiste, está dando audiência e gosta das séries. E gosta das séries como sempre foram.
REPRODUÇÃO/SBT/FÓRUM CHAVES
Cena editada por inteligência artificial: Chaves ficou com rosto deformado
Outro problema apontado pela comunidade que conhece muito bem os episódios de Chaves são os cortes em cenas importantes. Atualmente, o SBT reserva 20 minutos do horário nobre de sua programação, das 20h45 às 21h05, para o seriado do menino que fica dentro de um barril. Chapolin também tem 20 minutos, das 22h às 22h20.
O problema é que há episódios com mais de 23 minutos de duração. "Se toda a espinha dorsal do roteiro gira em torno daquele momento que foi cortado, ele fica sem sentido. Foi o que aconteceu quando exibiram o episódio da troca de chapéus. Cortaram os dois minutos iniciais do plot, e toda a história na sequência se perdeu, perdeu o sentido", diz Trascastro.
O publicitário acredita que esse tipo de corte prejudica a experiência, principalmente de crianças e de quem pode ter decidido dar uma chance e conhecer a série pela primeira vez.
"Chaves e Chapolin não são programas de fato infantis, são programas de humor para toda a família. Então, a pessoa que nunca viu a série e vai dar uma chance pode ter a experiência prejudicada e achar que a série é ruim por não ter entendido, sendo que ela nem percebeu que tem um corte", argumenta.
Desde que voltaram à programação, Chaves e Chapolin ocupam a terceira colocação no Ibope e oscilam entre 3 e 4 pontos de audiência na Grande São Paulo, principal mercado publicitário do país. Esse desempenho já coloca os programas entre os mais vistos do SBT.
Ao Notícias da TV, a emissora explica que, por enquanto, os dois seriados continuarão ocupando 20 minutos por dia cada um na programação. Leia a nota abaixo:
O SBT sempre busca oferecer uma programação que atenda ao gosto do público, equilibrando tradição e novidades. Chaves é um clássico querido pelos telespectadores, e sua presença na grade reflete esse carinho. A emissora avalia constantemente sua programação para proporcionar o melhor conteúdo, mas, no momento, a exibição do seriado permanece conforme planejado. Mas isso não impede de ajustes na exibição.
João Victor Trascastro, do Fórum Chaves, diz que, para o público que gosta da obra, estar ou não no horário nobre não é um problema. Os programas podem voltar a passar no horário do almoço ou aos fins de semana. "A questão é ser exibido de uma maneira bacana, justa e coerente com o histórico da obra", diz.
E finaliza: "Mas sem edições, sem cortes e, principalmente, sem aplicar filtros onde não há necessidade. Remasterização não se faz em duas horas de processamento num software. Remasterização se faz com cautela, vendo quadro a quadro, frame a frame, não com IA".
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