ANDRÉ CÂMARA
MANOELLA MELLO/TV GLOBO
Diretor artístico de Volta por Cima, André Câmara faz balanço sobre novela que chega ao fim
"A gente fez uma novela com a cara do Brasil, contando histórias do povo, que é, afinal, quem está do outro lado da tela", declara André Câmara, diretor artístico de Volta por Cima. A novela das sete da Globo se despede do público neste sábado (26) após conquistar crítica e audiência com sua abordagem popular, diversa e emocionalmente potente.
Em entrevista exclusiva ao Notícias da TV, ele revela os bastidores e as escolhas que levaram ao sucesso da trama escrita por Claudia Souto. Câmara aponta que a identificação do público com os protagonistas foi um dos pilares da resposta calorosa à novela.
"A gente quer torcer por alguém que seja do bem, gente boa, mas não pode ser bobo. Tem que agir, tem que ter coragem", afirma o diretor, ao comentar a construção dos heróis Madalena (Jéssica Ellen) e Jão (Fabrício Boliveira).
A humanização dos personagens e o resgate de valores coletivos também foram estratégias narrativas fundamentais para a conexão com o telespectador. A valorização dos subúrbios como espaços de potência criativa, cultural e afetiva foi uma das marcas da produção, segundo Câmara.
Elementos como samba, jongo, festas populares e fé permeiam a fictícia vila Cambucá, inspirada em territórios reais como Madureira e Penha, bairros da zona norte do Rio de Janeiro.
Para André, deslocar o foco das narrativas comuns e colocar a diversidade brasileira no centro da cena foi mais do que uma escolha estética --foi um gesto político.
Com passagens emocionantes sobre o impacto social da novela e depoimentos comoventes de nomes como Zezé Motta, o diretor também reflete sobre as diferenças entre seu trabalho em Amor Perfeito (2023) e Volta por Cima, além de comentar sobre a evolução na representação de protagonistas negros na TV.
A seguir, leia a entrevista completa com André Câmara:
fabio rocha/tv globo
André Câmara comanda equipe de Volta por Cima
NOTÍCIAS DA TV - Crítica e público elogiaram Volta por Cima do começo à reta final. Quais ingredientes você destaca para o projeto ter essa resposta?
ANDRÉ CÂMARA - É difícil cravar uma fórmula para fazer sucesso com uma novela. Mas tem alguns elementos do folhetim, do melodrama, que eu acho fundamentais para conquistar o público. Um deles é o seguinte: o público precisa torcer pelos protagonistas. E, para isso acontecer, é importante que o telespectador se identifique com eles. Acho que o comportamento e o caráter dos protagonistas precisam andar junto com a virtude.
A gente quer torcer por alguém que seja do bem, gente boa, mas não pode ser bobo. Tem que agir, tem que ter coragem. Aquela época do "mocinho" que só reagia ao vilão já passou. Hoje, o público quer ver protagonistas ativos. E a gente viu um ótimo trabalho da Claudia Souto na construção dos personagens a Madalena e o Jão, dois heróis românticos que agem com o coração.
Outro ponto que acho que fez muita diferença foi o aspecto identitário. A gente fez uma novela com a cara do Brasil, contando histórias do povo, que é, afinal, quem está do outro lado da tela. Acho que o brasileiro se reconheceu ali e se viu em toda a sua diversidade e potência.
O texto e a escalação refletiram a alma do brasileiro na tela. Que balanço você faz sobre imprimir na história a realidade e a nossa diversidade?
Quando conversei com a Claudia Souto pela primeira vez, ela me disse que o cenário principal da novela seria uma empresa de ônibus. Ou seja, desde o início, o coração do Brasil já estava no centro da história. Os ônibus movem esse país, carregando o nosso povo em toda a sua diversidade. E essa diversidade está presente não só em quem acorda cedo para pegar o ônibus e trabalhar, mas também em quem trabalha nas empresas de ônibus.
Essa é a realidade do povo brasileiro, que em sua maioria vive nos subúrbios, nas periferias, nas comunidades espalhadas por todo o Brasil. Então, eu diria que o primeiro passo para pensar o conceito da novela veio das empresas de ônibus e dos subúrbios do Brasil.
Você vinha de Amor Perfeito, uma novela de época, mas à frente do seu tempo. Quais são as diferenças e as evoluções no seu trabalho da novela anterior e da atual?
O ponto de partida do conceito de Amor Perfeito foram os cabelos. Eu estava decidido a não mexer nos cabelos dos personagens pretos. Queria subverter, na imagem, esse imaginário colonial em que pessoas pretas eram sempre representadas com cabelos alisados, vivendo em casas sem vida, usando figurinos sem cor. Essa imagem estava tão enraizada nas nossas retinas que, quando eu dizia que não ia seguir por esse caminho, muita gente perguntava se eu ia criar um Brasil que "não existia naquela época".
Mas esse Brasil existia, sim! Existia um Brasil de pessoas pretas que não alisavam os cabelos, que se vestiam e moravam com dignidade, que ocupavam posições de decisão e destaque --também lá nos anos 1930 e 1940, que é quando se passa a novela. Só que esse Brasil foi apagado. Não foi mostrado.
Tem uma frase em iorubá que diz: "Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje". Essa frase fala de um tempo que não é linear. Fala sobre ressignificar o passado com uma ação do presente. E foi exatamente isso que aconteceu. Ouvi relatos de meninas pretas que decidiram fazer a transição capilar inspiradas pelos cabelos das personagens da novela. Meninos que deixaram os cabelos crescer para se parecerem com Marcelino [Levi Asaf].
Ou seja, uma ação no presente iluminou um passado apagado, e isso gerou impacto no presente também. O que a gente fez foi justamente colocar luz nesse Brasil que ficou nas sombras. Mostrar o que não foi mostrado. Ressignificar uma memória visual e afetiva que foi negada por tanto tempo.
Se em Amor Perfeito o desejo era resgatar um passado invisibilizado, em Volta Por Cima o propósito foi representar o Brasil de hoje de forma diversa, plural e com muita brasilidade. Mostrar pessoas do povo em espaços de positividade, otimismo e protagonismo. Um bom exemplo de avanço entre uma novela e outra foi o protagonismo preto.
Lembro que, em Amor Perfeito, numa conversa com a atriz Iza Moreira, ela me questionou sobre a ausência de casais pretos protagonistas nas novelas. E, de certa forma, também sobre o fato de o casal principal da trama ser formado por um homem preto e uma mulher branca. Eu disse a ela que ter um casal protagonista preto era também um desejo meu. Hoje temos um casal preto protagonista em Volta Por Cima. E, com isso, conseguimos dar mais um passo na construção de uma televisão mais brasileira e diversa.
Batalhadores, oportunistas e vilões se revelaram aos poucos em Volta por Cima. Uma mistura que deu samba. Aliás, samba, jongo, evangélicos... Como é abraçar tantas culturas e representações? O que foi mais difícil nessa caminhada e o que foi prazeroso de trazer à TV aberta?
Desde o início, minha intenção e a da Claudia Souto foi dar visibilidade aos subúrbios como territórios de potência cultural, criatividade e resistência. A gente quis romper com a lógica que muitas vezes representa esses espaços apenas pela carência ou pela violência. Quisemos mostrar o outro lado --o da riqueza cultural, das tradições populares, da fé, da festa, do trabalho coletivo.
A vila Cambucá é fruto disso: uma construção a partir de referências reais dos subúrbios cariocas --o comércio de rua, as festas populares, os encontros nos transportes públicos. Trouxemos também elementos históricos e culturais como o baile charme de Madureira, o Jongo da Serrinha, o jogo do bicho, o Carnaval, o Mercadão de Madureira, a Igreja da Penha, os bate-bolas, o forró e as rodas de samba.
Essa multiplicidade cultural não foi inventada por nós --ela já existe, pulsando há décadas. O que fizemos foi deslocar o foco e colocar essas expressões no centro da cena, com dignidade e luz. Isso, para mim, foi um dos maiores prazeres desse projeto.
Na brincadeira com a série documental Vale o Escrito e o universo dos contraventores, você fez descobertas? Quais? Como foi encontrar a medida certa para não ficar pesado?
A série Vale o Escrito foi uma referência importante pra gente na construção do universo do jogo do bicho, que é parte da história do Rio. Está na base da nossa criação e conceituação. Mas, como estamos falando de uma novela das sete --que, historicamente, é um espaço mais voltado pra comédia--, o nosso desafio era abordar esse tema sem pesar a mão.
A ideia foi tratar o assunto com leveza e humor, inspirados tanto nas figuras reais desse universo quanto em personagens icônicos da nossa teledramaturgia, como os bicheiros vividos por Nuno Leal Maia [em Mandala, de 1987], e José Wilker [em Senhora do Destino, de 2004]. Apostamos nesse tom popular e carismático para que o público pudesse rir, se divertir e, ao mesmo tempo, reconhecer na novela e nos personagens figuras e histórias que fazem parte da vida real. E acho que conseguimos.
Teve algum retorno que você não esperava, algo que te comoveu?
Sempre me comove a reação de pessoas do povo, de pessoas negras, de indígenas, de pessoas amarelas, quando se veem representadas nas nossas novelas de forma positiva, digna e otimista. Isso aconteceu em Amor Perfeito e voltou a acontecer agora, com Volta Por Cima. São reações que me dão a certeza de que estamos fazendo a diferença, contribuindo para a construção de um imaginário mais democrático e de uma televisão mais brasileira, mais diversa, mais parecida com o nosso país.
Um depoimento que me tocou profundamente foi o que a Zezé Motta publicou. Ela escreveu: "É uma vitória ligarmos a televisão e encontrarmos diversidade. Na minha época, personagens negros não tinham pai, mãe, filho, não tinham uma família, não tinham núcleo. Ficávamos soltos na história, não fazíamos realmente parte da história, não fazíamos realmente parte da trama. Sinto que estamos em evolução e isso me traz alívio". Saber que estou colaborando com essa conquista me emociona de verdade. Sigamos, Zezé!
Além de férias, quais são os próximos planos? Pode revelar o que vem aí?
Por enquanto, só férias. Mas pretendo aproveitar o descanso para trabalhar em dois projetos que estou desenvolvendo.
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