JORNALISMO
Reprodução/TV Globo
Susana Naspolini exibe caderno com erros de português que ela mesma escreveu em reportagem no RJ1
Em mais um capítulo da guerra que travam o prefeito Marcelo Crivella e a TV Globo, a Prefeitura do Rio de Janeiro publicou um vídeo na quarta-feira (11) em que acusa a repórter Susana Naspolini de inventar "uma grande farsa", expondo crianças "de maneira covarde" em uma reportagem exibida no RJ1 da última sexta (6).
Intitulado A Farsa da Globo, o vídeo da prefeitura (veja no rodapé deste texto) na verdade distorce o que foi a reportagem de Naspolini, uma das jornalistas mais populares do Rio. Diz que ela "insinuou que as crianças da rede pública mal sabem escrever" ao mostrar na TV um caderno em que aparecem, em letras bem grandes, palavras com grafia errada (casa com z, feliz com s e escola com x).
O material apela para o emocional. Apresenta crianças escrevendo na lousa "as três palavrinhas que fizeram muita gente chorar" e declarações de amor à Escola Municipal Heitor Beltrão, em Parada de Lucas (na zona norte do Rio), que passou por um reforma recentemente.
"A realidade é que algumas crianças ainda estão envergonhadas de terem sido expostas de maneira tão covarde", diz a locutora, com imagens de uma menina chorando. Uma mãe de aluno, Vivian de Jesus, é apresentada como "testemunha" da suposta fraude jornalística.
"A Susana Naspolini pegou o piloto [pincel Pilot] e escreveu no caderno enquanto fazia a reunião de pauta com pessoal dela, com o que ela ia fazer na reportagem. Eu questionei sobre o bilhete, porque achei um insulto muito grande, [ela] chacoalhou o ombro pra mim e disse: 'Eu não posso agradar todo mundo'", denuncia Vivian.
"A reportagem tentou denegrir (sic) o ensino público, mas acabou ridicularizando quem mal sabe se defender", sentencia o vídeo da prefeitura de Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal, sobrinho de Edir Macedo, dono da Record.
Susana Naspolini, de fato, induz o telespectador a acreditar que os alunos da escola estão mal de gramática, mas, diferentemente do que diz o vídeo, sua reportagem não era sobre a qualidade do ensino público, mas sobre a qualidade da reforma realizada pela prefeitura (veja a reportagem neste link).
No material exibido na sexta, Susana aparece ao vivo, em frente à escola, junto a um grupo de seis pais de alunos e com um caderno na mão. "O aluno faz essa redação e entrega para a professora", diz ela, mostrando duas folhas do caderno.
"Tá vendo aqui? Casa com z, feliz com s, essa letra aqui, escola com x. Ele [aluno] entregou, tá aqui", continua, mostrando o caderno para os pais. "Professora, que nota ele ganha?", pergunta. "Três, três e meio. Corre o risco de repetir de ano", diz um pai.
Susana faz toda essa introdução para mostrar que o serviço da prefeitura "não foi bem feito", seria reprovado se fosse submetido a uma avaliação como as que os alunos são submetidos. A reportagem era sobre a calçada da escola, que continua toda esburacada após a reforma. Não era sobre a suposta ignorância dos alunos.
Em nenhum momento Susana diz que o caderno que mostrava pertencia a um aluno. Mas também não fala que foi ela quem intencionalmente grafou as palavras de forma errada. Procurada pelo Notícias da TV, a Globo emitiu a seguinte nota:
"O RJ Móvel, comandado pela Susana Naspolini, é um quadro de prestação de serviço que mostra o que acontece na região metropolitana do Rio de Janeiro. A matéria em questão discorre sobre os problemas das obras feitas na escola. Em nenhum momento, a reportagem fala sobre o nível de ensino das crianças ou o desempenho de alunos e funcionários. A edição feita pela prefeitura faz parecer que se tratou de um matéria sobre educação, quando na verdade o tema era a obra mal-feita."
"A Globo lamenta a atitude da prefeitura. Susana Naspolini é uma repórter admirada pelo belo jornalismo comunitário que faz. Nem ela nem a Globo jamais faria uma reportagem sobre educação expondo crianças. Nunca fizemos, nunca faremos."
No RJ1 desta quinta (12), a Globo voltou ao assunto e apresentou editorial com conteúdo semelhante ao da nota acima. Assista ao vídeo aqui.
"A Susana não disse em nenhum momento que a criança tinha escrito a redação com aqueles erros. E matéria não trata, aliás, do desempenho escolar das crianças, só que a Prefeitura do Rio de Janeiro divulgou um vídeo deturpando o que a Susana disse", leu a apresentadora Mariana Gross.
"A gente lamenta a atitude do prefeito Marcelo Crivella, que editou frases da matéria com a clara e condenável intenção de jogar as crianças contra a repórter. Susana Naspolini é admirada pelo belo jornalismo comunitário que faz. Nem a Susana, nem a Globo jamais fariam uma reportagem expondo as crianças daquela forma", enfatizou a âncora, que, na sequência, avisou que a matéria seria reexibida.
Depois de reprisar o conteúdo que foi ao originalmente em 6 de setembro, Mariana Gross voltou a falar. "A Escola Heitor Beltrão tem uma avaliação acima dos níveis de desempenho do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, o que indica a excelência de seus alunos. Isso, aliás, nunca esteve em questão. A gente vai continuar cobrando o pedido dos moradores."
Também nesta quinta, a Prefeitura do Rio publicou nota em seu site informando que está tomando medidas legais contra a Globo e a repórter Susana Naspolini. Confira a nota:
"É lamentável que, em sua sanha de perseguir o prefeito Marcelo Crivella, a Rede Globo de Televisão se preste a um papel preconceituoso e covarde, atingindo a honra e a autoestima de jovens alunos da rede municipal de ensino e de seus professores."
"Por isso, a Prefeitura do Rio vai processar a emissora pela matéria mentirosa e manipulada, exibida no telejornal RJTV 1 na sexta-feira, dia 6 de setembro. Nela, a repórter Susana Naspolini exibe um caderno, com palavras escritas com erros de ortografia, para induzir o público a acreditar que, na Escola Municipal Heitor Beltrão, em Parada de Lucas, não há ensino de qualidade."
"O que a Globo não contou: que o texto com erros foi escrito pela própria repórter.
A Escola Municipal Heitor Beltrão alcançou, no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2017, a nota 5,5 --média semelhante à nacional das escolas do Ensino Fundamental do 1º segmento, que é de 5,8, e à municipal, de 5,7."
"Por isso, a administração municipal decidiu:"
"Representar contra a repórter no Ministério Público para apurar eventual prática de crime de falsidade ideológica";
"Representar no órgão do Ministério Público especializado na proteção da criança e do adolescente, para apuração e responsabilização da Rede Globo por violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)";
"Pedir, na Justiça, direito de resposta, para que a população do Rio de Janeiro seja corretamente informada";
Veja o vídeo que a prefeitura publicou no YouTube e no Twitter:
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