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Indignação

'Globo tratou figurante morto como cachorro', reclamam colegas de trabalho

Reprodução/TV Globo

Figurantes em cena de O Sétimo Guardião em que Júnior (José Loreto) tomou posse como secretário municipal - Reprodução/TV Globo

Figurantes em cena de O Sétimo Guardião em que Júnior (José Loreto) tomou posse como secretário municipal

MÁRCIA PEREIRA

Publicado em 11/3/2019 - 6h09

A morte do figurante Joseph Lima dos Santos, 23 anos, que passou mal durante uma gravação de O Sétimo Guardião no último dia 27, ainda repercute nos bastidores e chama a atenção pela revolta de seus colegas. O Notícias da TV ouviu vários profissionais indignados com o tratamento que os figurantes recebem das TVs. Eles dizem que sofrem discriminação e são submetidos a condições "desumanas" de trabalho na Globo e na Record. As emissoras negam.

"Todo mundo cagou para isso [a morte de Santos]. Não valemos nada. Se o figurante morrer num set [estúdio], a gravação vai continuar. Eles continuaram a gravação como se não tivesse acontecido nada ou como se tivesse morrido um cachorro que você coloca no canto", diz um figurante que estava presente no dia em que o colega morreu e pediu à reportagem para não ser identificado.

Santos usava o sobrenome Zimmerman como artístico. Ele gravava na cidade cenográfica da Globo dentro de um ônibus que levava turistas para Serro Azul. A cena está prevista para ir ao ar nesta terça-feira (12).

Colegas contam que ele chegou à Globo pela manhã, suado e reclamando de dores no peito. Foi atendido no posto médico da emissora, onde teriam lhe dado uma injeção para dor muscular. Depois, ele foi almoçar, mas continuou com dores.

"Ele passou mal sentado dentro do ônibus. Desmaiou, e ali ele morreu. Imediatamente a senhora Rede Globo de Televisão tirou ele numa maca e levou para o hospital para dar o óbito lá. A Globo diz que ele morreu no hospital para tirar o corpo fora", continua o colega de Zimmerman, sob anonimato.

Joseph Zimmerman morreu no último dia 27 após passar mal em gravação (Reprodução/Instagram)

A Comunicação da Globo afirma que o figurante recebeu os primeiros atendimentos e foi levado para o hospital, onde morreu. "A Globo reitera que lamenta profundamente, presta solidariedade e acompanha toda a assistência dada à família de Joseph pela empresa da qual era funcionário", declara a emissora.

Zimmerman trabalhava como figurante há cinco anos. Toda a figuração das novelas da Globo é contratada por meio de agências de casting.

A Luz e Cor Casting era a responsável pelo trabalho do rapaz no dia de sua morte. Os amigos dele afirmam que somente a agência deu apoio. "Não vi a Globo se manifestar em nada, nenhum apoio, nada", diz uma fonte.

Célia Lima, sócia da Luz e Cor, afirma que acompanhou a liberação do corpo e arcou com os custos funerários. Ela não vai comentar se a morte aconteceu dentro ou fora da Globo e espera que o laudo do IML (Instituto Médico Legal), que sairá 60 dias após o óbito, esclareça isso. 

R$ 60 por dia de trabalho

O pai do rapaz, Nelson Santos, que mora em Colombo, no Paraná, foi para o Rio de Janeiro liberar o corpo e acompanhar o transporte até a cidade onde mora e na qual Zimmerman viveu até os 18 anos. "Ele foi enterrado na sexta [1º]. Eu sei o que os amigos estão dizendo. A gente fica na dúvida do que aconteceu", comenta Santos.

A morte de Zimmerman mostra o elo mais frágil das novelas. Os figurantes trabalham terceirizados pelas agências, sem nenhum vínculo empregatício. São remunerados por diária, em geral, no valor de R$ 60. Dessa quantia, ainda são descontados 11% de impostos.

"Vejo como uma ajuda de custo. Desse valor tem de tirar o transporte e um lanche muitas vezes. Muitas diárias demoram mais de dez horas, e os figurantes só ganham uma alimentação. A Globo fica isenta de qualquer responsabilidade", fala Nani Cardoso, que é ator e produtor de veículos de cena.

Cardoso acompanha o dia a dia da figuração há quatro anos e afirma que é uma classe muito reprimida. "O melhor era que um departamento da emissora cuidasse disso [ao invés de agências terceirizadas], para oferecer condições melhores", opina.

munik chatack/record

Os atores Felipe Cardoso e Heitor Martinez entre figurantes em cena de O Rico e O Lázaro

O Notícias da TV ouviu relatos que revelam discriminação com a figuração. Figurantes afirmam que são tratados como lixo, objeto de cena e que muitos atores do elenco não olham na cara deles. São coagidos a seguir um código de conduta para não ficarem marcados de forma negativa na empresa. Quando um figurante tem seu CPF bloqueado, ele não consegue mais trabalhar.

Sobre as condições de trabalho, a Globo afirma que atua com pelo menos dez agências de figuração experientes e reconhecidas pelo mercado, cujo trabalho é acompanhado durante o ano todo.

"Quando alguma conduta não é a adequada, substituímos a agência, como em qualquer contratação de terceiros", informa a Comunicação da emissora.

Uma das fontes diz que as condições na Record são piores. Alega que falta até papel higiênico e limpeza nos banheiros usados por figurantes. Ele também já viu um colega sair todo queimado por causa de uma explosão em cena, e outra ser abandonada em um hospital com figurino de época após passar mal.

"Odiava gravar na Record, quando eu fazia Os Dez Mandamentos [2015], O Rico e o Lázaro [2017], essas novelas bíblicas, tinha muitas cenas de batalha. Gravava em um sol de 40 graus, com roupa de soldado, peruca, fingindo que estava lutando, saindo fogo em cima da gente. Não importa se você está passando mal, querem a cena pronta", relata a fonte da reportagem.

"É quase um trabalho escravo, só falta um chicote na mão. A sensação que a gente tem é essa", continua.

A Comunicação da Record respondeu que as perguntas feitas pela reportagem se referem a relações entre as agências de figuração e a produtora que realiza as novelas. A emissora tercerizou a produção de novelas em 2015. 

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