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ANÁLISE

Público quer escapar da realidade com novelas, mas rejeita tramas de fantasia

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Bruna Marquezine como Catarina na novela Deus Salve o Rei

Bruna Marquezine como Catarina na novela Deus Salve o Rei: trama medieval ousou na fantasia

IVES FERRO

ives@noticiasdatv.com

Publicado em 6/9/2024 - 6h10

A pitada de fantasia em novelas brasileiras teve seu tempo de glória com Roque Santeiro (1985), Saramandaia (1976) e Vamp (1991), mas hoje é rejeitada pelo público que busca justamente por algo "leve" para escapar da realidade cotidiana quando liga a TV. Apesar do desejo por mais suavidade nas tramas folhetinescas, o telespectador quer se ver na tela e fica incomodado quando encontra histórias que se passam em universos paralelos.

Diferentemente das séries e filmes, que são mais maleáveis, a telenovela não tem um formato tão flexível. Novela é novela desde que Sua Vida Me Pertence (1951), o primeiro folhetim, foi transmitido na extinta TV Tupi (1950-1980). Os elementos estavam todos ali: um amor incompreendido, romance e muito sentimento envolvido. Até hoje, a chave para o sucesso pode ser revisitada no clássico de 73 anos atrás.

A fantasia já permeava a cultura norte-americana e europeia antes mesmo de a novela surgir no Brasil. Adventures of Captain Marvel (1941-2003), Tooper (1953), Além da Imaginação (1959) e Doctor Who (1963) foram sucessos inegáveis do gênero fantástico. O escapismo, sempre presente, se misturava a lições e problemas cotidianos enfrentados pelos personagens.

O Brasil teve clássicos importantes de Dias Gomes (1922-1999), como os já citados Saramandaia e Roque Santeiro, que cumpriram seu papel no realismo mágico --o mais próximo de fantasia que o Brasil havia chegado até então. Aguinaldo Silva transitou pelo gênero com Pedra sobre Pedra (1992), A Indomada (1997) e Porto dos Milagres (2001).

 Na década de 2010, a necessidade de produção de algo semelhante ao sucesso medieval Game of Thrones (2011-2019) trouxe um novo cenário para a televisão brasileira.

O dramaturgo Lucas Martins Néia explica que o maior erro da abordagem da fantasia nas telenovelas é apenas se afastar da realidade. O roteirista e diretor pontua que a novela brasileira, para além da fantasia, necessita de algo que faça com que o telespectador associe o que está assistindo com o que vive.

"Quando a gente pensa na telenovela brasileira, a gente vai pensar também em narrativas que estão muito próximas do cotidiano do país e que tenham uma pegada mais realista. Por conta disso, talvez algumas propostas nem sempre sejam bem recebidas pelo público", afirmou ele ao Notícias da TV.

Néia exemplificou sucessos como Saramandaia, em sua primeira versão, e Que Rei Sou Eu? (1989). "Há várias formas de se tratar assuntos. Temos a ideia de a novela estar muito ligada à realidade. Quando pensamos em explorar a fantasia, como é feito em outros países, elas não encontram sucesso porque se esquecem de fazer a ponte com a realidade brasileira, mesmo se passando em um universo distante", acrescentou.

Nós não temos mais novelas que fizeram tanto sucesso nesse formato, e isso também reverbera nos outros formatos. É uma questão do pacto com o telespectador. Por mais que exista essa ideia de escapar da realidade, fugir completamente do referencial da vida cotidiana é difícil por conta do código que ficou estabelecido com o público brasileiro.

O problema da fantasia na novela

O dramaturgo descreve que as produções bíblicas de sucesso da Record são obras que se aproximam da fantasia e usam elementos semelhantes aos de Game of Thrones. Os Dez Mandamentos (2015) e A Terra Prometida (2016) foram dois fenômenos inegáveis que forneceram o escapismo necessário e também uma dose certa de "cotidiano" com os ensinamentos dos personagens.

"Por você pensar que estamos perto do sucesso mundial de Game of Thrones, temos algumas narrativas que vão beber esteticamente dessa referência. Tem esse escape indo para um tempo e espaço distantes, e isso, de alguma maneira, conquista o público", discursou Néia.

"Nas telenovelas da Gloria Perez, ela mescla a questão da fantasia, do mundo exótico de outros países, mas também traz a realidade brasileira com uma temática social muito forte. Quando ela equaciona isso bem, nós temos grandes sucessos como O Clone e A Força do Querer, por mais que não seja em outro país", acrescentou.

A fantasia de Deus Salve o Rei (2018), uma prima distante de Game of Thrones da Globo, falhou em números na época em que foi exibida. A história medieval com reis, rainhas, princesas e plebeias só funcionou na reta final, quando a trama sofreu mudanças para evidenciar ao público os elementos folhetinescos. O remake de Meu Pedacinho de Chão (2014) teve o mesmo problema. Néia revelou o problema de novelas como esta.

"Nos últimos tempos, há a tendência de a telenovela explorar as questões mais primordiais do folhetim, como o sentimentalismo, em vez de investir em uma abordagem mais incisiva com relação à realidade. Isso para atender quem quer se afastar da realidade difícil, que está nos jornais. Eles precisam de uma novela que vá explorar os sentimentos do ser humano muito mais fortemente. Alguns debates estão sendo feitos de uma maneira mais suave para não afugentar o telespectador", concluiu.


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