Globo perde 'padrão de qualidade' e afugenta público, diz ex-vice do SBT

A Globo vem perdendo audiência porque está abandonando o padrão de qualidade estabelecido nos anos 1970 por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. O telespectador conservador não vê mais a Globo que conhece há 40 anos nas novas vinhetas e chamadas. As senhoras consumidoras de telenovelas não encontram seus ídolos em Além do Horizonte, que bate sucessivos recordes negativos _na última quarta, deu apenas 14,6 pontos na Grande SP.

A opinião é de Luciano Callegari, 75 anos, ex-superintendente e ex-vice-presidente do SBT, produtor e diretor de televisão que acompanhou Silvio Santos durante 43 anos, do início da carreira ao auge artístico da emissora, no início dos anos 1990, com Jô Soares e Boris Casoy no elenco. Callegari também passou pela Record, onde implantou o Domingo Espetacular.

Hoje aposentado, o ex-braço direito de Silvio Santos assiste à televisão de camarote. E faz críticas precisas em seu perfil no Facebook. Como essas: 

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"Você já perceberam? A Globo está mudando. A trilha sonora da novela Joia Rara não tem nada com nada. Novela de época com músicas atuais. [A Globo] Trocou o Vídeo Show por programa de auditório. A mensagem de Natal é a pior dos últimos 30 anos. Mal dá para você perceber quais artistas estão nela. Há tantos programas novos entrando na programação que deixa o telespectador confuso. E aí começam os fracassos. Exemplo: A Mulher do Prefeito. Resumindo: estão 'testando' os programas no ar. Balões de ensaio".

O Notícias da TV pediu a Luciano Callegari para aprofundar sua análise sobre o atual momento da Globo. Na entrevista a seguir:

Luciano Callegari com Silvio Santos em foto de 1983, do arquivo pessoal do ex-executivo do SBT

Notícias da TV - A Globo vem fazendo mudanças em suas chamadas, logotipos, músicas-tema e acelerando o modelo de temporadas curtas de programas. Está errando ou acertando? Por quê?

Luciano Callegari - As mudanças que vêm ocorrendo na Globo, em primeiro lugar, têm a ver com o distanciamento do padrão de qualidade. Com a saída do Boni, foi-se percebendo que alguma coisa estava mudando muito gradativamente. A falta de um líder rigoroso na parte artística possibilitou um relaxamento em algumas regras que eram seguidas a risco.

A fase Marluce [Dias da Silva, no início dos anos 2000], que era claramente administrativa, certamente contribuiu para as primeiras mudanças. Com a saída da Marluce, tivemos a fase do [Octavio] Florisbal [2004-2012], que era da [área] comercial. Por mais que a programação continuasse com audiências razoáveis, a artística continuava a se distanciar mais ainda do padrão de qualidade.

A programação é uma área em que deve prevalecer somente a orientação artística e não deve se submeter às vontades da comercialização. Você cria, joga no ar e o comercial tem que correr atrás. Isso não me parece que está acontecendo na Globo.

Com respeito às mudanças verificadas nesses últimos meses, percebe-se que a Globo deliberadamente está abandonando um padrão de muitos anos. Deve fazer parte de um projeto decidido por uma diretoria que busca uma nova cara para a TV Globo. Não quero acreditar que seja apenas uma falta de cuidado dos diretores dos diversos setores. Mas, certamente, não há alguém acompanhando de perto, “checando” tudo o que vai pro ar. Pra mim, particularmente, parece estar havendo um retrocesso no visual da emissora. Essa descaracterização de um padrão de décadas poderá vir a ser muito perigoso.

O que você chama de temporada curta de programas é o que está embaralhando um pouco a cabeça do telespectador. Acostumado com uma programação ao longo dos anos, ele se perde um pouco nesses lançamentos a toda hora. Nesse aspecto a Globo erra e corre o risco da dispersão da audiência. Concluindo: Alguém tem que ver antes o que vai pro ar, e repensar no que está acontecendo. Parece que cada um é responsável pelo seu produto. Assim não funciona.

Notícias da TV - O sr. assiste às novelas das seis e das sete? O que explica a baixa audiência?

Callegari - Porque são novelas que não agradaram ao público. A das seis, Joia Rara, novela de época que já é de difícil aceitação, não está agradando por vários motivos. A história pesada da política na época e a falta de uma historia mais inteligente. Embora o elenco, como sempre, seja dos melhores, ela não empolga. Além do Horizonte é um fracasso dos maiores. Não entendo como esse roteiro foi aprovado. Talvez seja a pior dos últimos dez anos.

Claro que o “carro-chefe” da Globo são as novelas. Se eles não acertarem também nas próximas novelas, a situação poderá se agravar. Existem muitos profissionais de primeiro time que estão há muito tempo afastados do vídeo. Isso também proporciona um desinteresse do telespectador pelo produto. Muita gente nova junta só funciona no segmento Malhação.

Notícias da TV - O sr. trabalhou no SBT e na Record. Por que essas emissoras de fato nunca ameaçaram a liderança da Globo, exceto em uma ou outra ocasião?

Callegari - Enquanto a Record não separar a igreja da TV, os resultados jamais serão positivos. Emissora de televisão tem que ser feita por gente com origem na TV. Profissionais do meio e de muito talento. Não há segredo. A igreja é outro departamento.

Quanto ao SBT, resolveu depois de algum tempo não tentar o primeiro lugar, visto que sempre foi um sonho irrealizável. A Globo sempre esteve muitos anos à frente das concorrentes.

Notícias da TV - Por que a Globo vem perdendo tanta audiência sem que as concorrentes dela cresçam na mesma proporção?

Callegari - As concorrentes não têm a menor condição de crescer. Não adianta você ter uma boa audiência em um, dois ou três programas. Você tem que ter uma audiência média boa. E para isso você necessita de muito dinheiro, muito talento, paciência  e tempo. 

Notícias da TV - Quais são os melhores programas da TV atualmente? E os piores?

Callegari - Isso depende do gosto pessoal de cada um. Eu gosto e assisto a Tapas e Beijos, Esquenta, entre outros. Fantástico é o pior.

Notícias da TV - Como o sr. imagina a TV aberta brasileira daqui dez anos?

Callegari - Certamente, a televisão sofrerá grandes modificações. Só que com a velocidade das novas tecnologias, fica difícil você sequer imaginar o que acontecerá daqui a cinco anos.

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