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Entrevista | Stepan Nercessian

Ex-galã, intérprete de Chacrinha diz que televisão 'mata' atores em vida

Fotos: Cristiane Camelo/Notícias da TV

Stepan Nercessian em seu camarim no teatro Alfa, onde atua como progratonista de Chacrinha - O Musical - Fotos: Cristiane Camelo/Notícias da TV

Stepan Nercessian em seu camarim no teatro Alfa, onde atua como progratonista de Chacrinha - O Musical

DANÚBIA PARAIZO

Publicado em 9/6/2015 - 5h38

Stepan Nercessian marcou época como mocinho na TV. Na virada dos anos 1970 para os 1980, foi galã de novelas da Globo. Desde 2007, no entanto, ele não aparece na tela da maior rede de TV do país. Aos 61 anos, Nercessian renasceu graças ao teatro, interpretando o protagonista de Chacrinha - O Musical, espetáculo já visto por mais de 100 mil espectadores. Renascer, neste caso, é o verbo adequado. Para Nercessian, a televisão "mata" os atores vivos, os descartando quando ficam velhos.

"A TV é ingrata, o cinema é ingrato. As pessoas [da TV e do cinema] têm aqui uma mania de querer matar os outros em vida. Mata em vida porque determina se você deve estar no ar ou não. Isso pode ser qualquer imbecil, qualquer diretor de merda, qualquer autor: 'Não, fulano está velho, não chama'”, diz em entrevista ao Notícias da TV.

Além do musical sobre a história de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, em cartaz no teatro Alfa, em São Paulo, o ex-vereador e ex-deputado federal pode ser visto na série Magnífica 70, da HBO, na qual interpreta um produtor de pornochanchadas.

Na entrevista a seguir, o ator fala do "peso de envelhecer", critica os programas de auditório (as plateias de hoje são falsas, diz) e afirma que há muita gente desinteressante fazendo talk show para telespectadores igualmente desinteressantes. "Tem uma proliferação desinteressantíssima de programas de entrevista. Parece que agora todo mundo quer fazer talk show. É tudo ejaculação precoce, quando você começa a se interessar, já encerram a atração e pulam para a próxima", diz.

Stepan Nercessian caracterizado com Chacrinha no musical escrito por Pedro Bial (Foto: Divulgação)

Notícias da TV - Como é para um ator que começou na televisão como galã se ver hoje em papeis mais maduros?

Stepan Nercessian - Minha sorte é que fui envelhecendo trabalhando. O telespectador me viu envelhecer junto com ele. Mas eu sempre percebi esse processo [de envelhecer]. Ele é bem cruel na nossa cabeça. A vaidade não me tocou tanto, porque realmente nunca achei que meu atrativo fosse físico. Mas ao mesmo tempo, eu senti algumas transformações. Gente que chegava e dizia: 'Pô você está barrigudo'. Fui percebendo que a idade traz algumas coisas desagradáveis que não são necessariamente só estéticas. Você vai se sentindo mais cansado. Isso é que me preocupava mais. Eu nunca fui de me cuidar, eu fumo, sempre bebi, farreei muito.

Como percebeu que já não se encaixava mais nos papéis de mocinho?

Sempre pensei que os papeis e personagens vão se adaptando, você tem que ter discernimento. Não dá para você querer competir numa área que não desperta interesse. Não pode ficar frustrado. Você desce no aeroporto ou vai em um evento, aí tem 3.000 adolescentes que vão correr atrás do ídolo do momento. Você não pode ficar com inveja, ódio da juventude. Tem gente que olha para aquele menino e nem sabe quem é, mas quando me vê, vai reconhecer, dizer que me adora. É preciso usufruir de cada etapa da vida. Mas para muitas coisas você vai se tornando invisível. Isso é uma coisa meio triste em relação à idade. Aquela coisa de despertar a atenção, de ter sempre alguém te paquerando, e de repente você já não tem mais aquilo.

A Globo acaba de completar 50 anos e você fez parte de mais de 40 anos dessa história. Muitos artistas veteranos já reclamaram que foram deixados para escanteio. Já se sentiu assim?

É uma gangorra filha da puta. Hoje estou aqui me sentindo absolutamente integrado e feliz e fazendo sucesso com esse musical [Chacrinha], mas poderia estar numa situação contrária, sem trabalho, procurando espaço em alguma novela. Graças a Deus eu corri todos os riscos. Nunca administrei minha vida em prol da minha carreira. Porque senão eu poderia ter virado um boneco. Minha imagem era boa e ruim, você tanto poderia me ver na TV quanto de porre num botequim. Essa é minha verdade.

Depois de uma certa idade, as oportunidades diminuem? A TV é ingrata com os veteranos?

A TV é ingrata, o cinema é ingrato. Aqui nós não cultuamos o trabalho que as pessoas já fizeram. É como se não valesse nada. A luta de um ator veterano é tão grande quanto a de um iniciante. As pessoas têm aqui uma mania de querer matar os outros em vida. Mata em vida porque determina se você deve estar no ar ou não. Isso pode ser qualquer imbecil, qualquer diretor de merda, qualquer autor: 'Não, fulano está velho, não chama'.

Pega na música. Se o cara for fã do Wanderley Cardoso, que foi ídolo de milhões de pessoas que hoje têm 60, 70 anos, não tem show dele em lugar nenhum. Esse é um problema brasileiro. Problema de memória. É como se o mundo todo estivesse com Alzheimer. Acho que o foco está no quanto você é útil para produzir e render para alguém. As pessoas vão encostando as outras como se fossem um ferro velho, um liquidificador, uma televisão quebrada.

Acha que hoje é mais difícil ser ator do que quando começou?

Se você me perguntar sobre a qualidade das coisas, por exemplo, acho que a galera estudou muito pouco. Eu, com 14 anos, ia para a aula de expressão corporal, aula de voz, canto, e em todos os lugares que eu ia, grandes atores já estavam lá se aprimorando, como Marília Pêra, José Wilker, Fernanda Montenegro, Tônia Carrero. Eles estavam com a carreira consolidada, mas não deixavam de estudar.

Antes, demorava-se muito tempo para se desenvolver uma carreira sólida na televisão. Hoje a exposição é tão imediata que você pode estrear antes de terminar a novela das 21h e já ser famoso no Brasil. Já ser chamado para comercial e tudo o mais. Daí a vida vai levando e daqui a pouco essa pessoa vai se esgotando em si mesma e não tem mais nada a oferecer.

O ator brinca com a buzina, representativa de Chacrinha, que manipula no musical

Como vê a disputa pela audiência hoje? O telespectador está mais exigente?

Acho que um tipo de gente desinteressante começou a fazer sucesso na televisão e isso é assim porque uma porrada de telespectador desinteressante também começou a se identificar. Você tem que aguentar porque você está lá, mas é de uma babaquice. Você olha para esses programas, quase todos eles, é uma chatice de gente ignorante, gente burra, que não diz nada que se aproveite. Você assiste horas e não se aproveita nada. Tem gente sem carisma demais na televisão. Não estou falando que o Silvio Santos é um gênio, mas pessoas assim tinham um certo showman dentro delas que faziam com que as coisas ficassem interessantes. Agora não. Tem programa que não acontece nada há meses e continua fazendo sucesso.

Quais?

Tem uma proliferação desinteressantíssima de programas de entrevista. Uma porrada de programa que é a cópia dos feitos pela TV americana. Parece que agora todo mundo quer fazer talk show. Nem sempre você consegue levar pessoas interessantes. E às vezes, os entrevistados são muito mais interessantes do que os apresentadores e você não tem chance de conhecer. É tudo ejaculação precoce, quando você começa a se interessar, já encerram a atração e pulam para a próxima. Outra coisa é que os programas de auditório estão muito pasteurizados, muito fakes. Você não vê mais um auditório espontâneo. Aquilo é tudo mentira.

Isso em todos os programas? Até nos mais tradicionais, como o do Faustão?

Isso em todos, sem exceção.

Como tem sido interpretar o Chacrinha? Sentiu a pressão de um personagem tão icônico?

O Andrucha [Waddington] dirige o musical e estava nessa fase de escolher quem seria o Chacrinha. Em um dado momento, a Fernanda Montenegro falou: 'Andrucha você é louco. Só quem pode fazer o Chacrinha no Brasil é o Nercessian'. Engraçadas essas coisas que a Fernanda vê na gente que nem a gente vê. Nunca me imaginei fazendo o personagem. Não sei imitar, nunca soube, não danço, não canto. Tinha uma série de coisas que eram contra eu fazer o musical. Aí eu falei: O que eu tenho que procurar é ter o espírito do Chacrinha. Onde está o espírito dele? Onde anda aquela alegria, aquele cara transformador, revolucionário, louco que se arriscava, que se entregava, que amava tudo o que fazia, que era um homem obsessivo?

Com tantas facetas, como foi o processo para compor o personagem?

Eu sabia que não adiantava muito eu me apegar à figura carnavalesca do Chacrinha, à buzina, esses elementos que ele usava porque isso aí todo mundo fica parecido ou igual se usar. Eu pensava: Tem vários momentos em que ele está dentro de casa, que está falando com a mulher. Então, se as pessoas não identificarem o Chacrinha naquela hora não vai adiantar nada na hora da buzina. Fui ensaiando, pegando o jeito naturalmente. Evitei assistir vídeo, só deixei para ver isso na reta final, quando faltava uma semana, dez dias para estrear. Só fui ver o Chacrinha no vídeo para pegar certas expressões no texto. Por exemplo: eu chamo os Titãs para cantar, e se não tivesse visto imagens de arquivo não saberia que o Chacrinha os chamava de Os Tetãs. Era o jeito dele.


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