Menu
Pesquisar

Buscar

Facebook
X
Threads
BlueSky
Instagram
Youtube
TikTok

DOCUMENTÁRIO

De volta ao Fantástico, Ernesto Paglia desafia crise na TV com caça a tempestades

FOTOS: DIVULGAÇÃO/ALINE BRANCA

Ernesto Paglia usa um camisa bege e uma calça marrom; ele sorri para a câmera

Ernesto Paglia com drone em caça a tempestades; ele estreou corte de documentário no Fantástico

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 12/1/2025 - 18h00

Quando Ernesto Paglia deu um depoimento em comemoração aos 50 anos do Jornal Nacional, ele disse acreditar que um projeto tão ousado quanto o JN no Ar --no qual ele rodou o Brasil de jatinho durante 30 dias, visitando uma cidade escolhida por sorteio diariamente-- nunca mais aconteceria na TV aberta. De fato: o investimento em conteúdos de peso como esse é cada vez menor, porque eles muitas vezes não têm o retorno financeiro esperado. 

Cinco anos depois dessa fala, essa realidade bate ainda mais fundo no repórter. Após romper seu contrato de 43 anos com a Globo, no final de 2022, ele tem se dedicado aos documentários, gênero naturalmente mais custoso. É o caso do Caça Tempestades, cuja versão completa será lançada no canal History em outubro, com quatro episódios de cerca de 25 minutos. Uma "palinha" do projeto foi exibida no Fantástico no último dia 5, e o segundo capítulo vai ao ar na edição deste domingo (12).

Para o repórter, a possibilidade de veicular esse produto nos dois meios é uma maneira de recuperar o investimento feito. Afinal, se no Fantástico é veiculada uma versão de apenas 10 minutos do conteúdo, na TV fechada será uma hora inteira de documentário. O valor dessa segunda negociação tem uma possibilidade maior de cobrir os custos com a produção, a viagem e todo o trabalho de pesquisa por trás do projeto.

"Sem dúvida, se você consegue parcerias e em acesso a diferentes plataformas para atingir cada vez mais audiência, você pode ter um caminho que tem se mostrado muito, muito produtivo", declara Paglia, em entrevista ao Notícias da TV.

O profissional afirma ainda que essa "crise" é uma preocupação geral no mercado de conteúdo de alto impacto. Um dos temas mais recorrentes no congresso de documentaristas de que ele participou em dezembro do ano passado, em Marrakech (Marrocos), era justamente como custear esses trabalhos. 

Cada vez há menos veículos convencionais investindo pesado neste tipo de produto, que é caro, muito caro, tem retorno a longo prazo. Então você veja que algumas das sessões desse congresso falavam exatamente disso, né? De onde virá o dinheiro para fazer grandes documentários de ciência, de divulgação científica, no futuro?

De fato, o projeto foi bastante complexo. Iara Cardoso, diretora, roteirista e produtora do documentário, passou cerca de dois anos levantando informações e pensando em como mostrar o tema ao público. E olha que ela conhece o tema. Dona da produtora Storm (tempestade, em inglês), criadora de outros projetos sobre o assunto e filha de Osmar Pinto Jr., pesquisador sênior do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos principais especialistas do documentário, ela é uma amante das tempestades.

"A ciência sempre esteve diante de mim, nas conversas do almoço. E desde que eu era pequena já estava captando imagens de tempestade na sacada com os meus pais, o meu irmão... A gente fazia toda aquela turbulência, uma caça a tempestades em família, dentro de casa, numa escala menor. Eu tinha cinco, seis anos, e acho que isso imprime a nossa vida para sempre", lembra.

Expedição maluca

Munidos com as informações, Paglia, Iara, Pinto e outros profissionais embarcaram numa expedição na Amazônia --o único lugar no Brasil onde os temporais ocorrem durante todo o ano. Com cerca de 500 mil tempestades e 50 milhões de descargas atmosféricas registradas anualmente, a floresta se destaca como uma das principais chaminés de raios do mundo.

A caçada, no entanto, não foi nada fácil. O primeiro problema foi a seca histórica que a região tem enfrentado. O transporte aquático foi altamente prejudicado, e muitas vezes eles não conseguiam chegar ao local da tempestade porque não havia rio o suficiente para navegar de barco. 

O transporte rodoviário também é bastante deficitário, e ainda há a imprevisibilidade das próprias tempestades. Na Amazônia, elas são bastante localizadas e costumam durar cerca de 40 minutos. Às vezes não há tempo hábil para chegar ao local, mesmo quando os raios atingem a parte urbana.

Iara Cardoso, Ernesto Paglia e Osmar Pinto Jr.

Paglia, Iara e Osmar Pinto Jr. em Manaus

"As pessoas esquecem que é Manaus é uma metrópole, né? E uma boa parte da nossa caçada aconteceu na área urbana, assim. E você caçar a tempestade numa cidade de 2 milhões de habitantes, com um trânsito complicado, que fica ainda mais complicado no dia de chuva... Todo mundo quer correr pra se abrigar... Olha, a gente já apanhou bastante, não é mole, não", ri o jornalista. 

"Às vezes, a gente passava pela frustração de ver no radar uma atividade elétrica incrível, mas num lugar inacessível. Nós literalmente chegamos ao fim da linha em várias ocasiões. A gente pegava nosso radar com satélite, conexão com internet... E aí chegava, e a rua acabou. Não tem mais rua, e às vezes no mapa aparecia", conta Iara.

Tudo isso para correr da tempestade quando estavam dentro dela --afinal, há um grande risco de ser atingido por um raio. No momento que ela se aproxima demais, eles precisavam se abrigar. "Foi muito interessante, uma experiência única. Nunca, em 44 anos de jornalismo, vi nada parecido", revela.

A ideia da diretora Iara Cardoso era justamente a de trazer esse dinamismo e essa sensação de "aventura" ao projeto. Eles abordam o fenômeno dos super-raios, mas de uma maneira atrativa, que desperte a emoção do público.

"Eu tenho uma pegada cinematográfica, estudei Cinema no exterior. Então, esse 'uau' que a gente tem... Um filme de ficção toca o coração de uma forma diferente que o jornalismo, e nossa aposta aqui é unir a credibilidade do jornalismo e a emoção do cinema", afirma.

Crise climática em foco

O objetivo do documentário, afinal, vai além de apresentar o fenômeno. Ele também discute o impulso das mudanças climáticas nas tempestades, que estão até abrindo clareiras na vegetação amazônica. Diante disso, o compromisso deles em manterem o público atento é ainda maior. Ainda mais depois de tanta gente deixar de prestar atenção em temas relacionados --o surgimento do termo "ecochato" é uma prova disso. 

"Se a gente não aborda isso tocando a corda da emoção, se a gente não dá um acabamento diferenciado, que vai além do que as pessoas assistem diariamente nos telejornais, a gente corre o risco de estar alimentando uma sensação de cansaço", diz. "E aí seria um imenso desserviço, para a ciência e para a nossa sobrevivência no planeta. Não podemos fazer algo que reforce essa sensação de 'ah, eu já sei'. Porque ninguém sabe direito. Nem a própria ciência sabe direito a dimensão da crise climática."

Esse enfoque ficará mais claro no segundo corte produzido para o Fantástico, que irá ao ar neste domingo (12). Com o sumiço das árvores, toda a população é afetada. Paglia cita que uma única sumaúma joga 1000 litros de água por dia na atmosfera. Essa umidade é levada para o Sudeste e Centro-Oeste, o que impacta a indústria de soja. Ou seja: a economia a a alimentação do país são diretamente influenciadas por isso.  

Ele afirma não ser um ativista, embora reconheça esse valor. Como já havia dito no lançamento de 3x Ártico - O Alerta do Gelo, que também aborda as mudanças climáticas, é apenas um jornalista --que, ancorado em fatos, percebe a gravidade do problema. O papel dele, agora, é mostrar esses fatos para o público:

O sentimento que as pessoas vão ter pode ser muito diferente, mas a maior parte vai querer se engajar, vai querer lutar a favor desse meio ambiente, como é o nosso sentimento quando a gente está gravando.

É Fantástico!

A importância de transmitir parte do documentário na TV aberta também vem dentro disso. Afinal, o Fantástico atinge 40 milhões de telespectadores, de todas as classes. "O History já é uma TV paga, um canal mais segmentado, mas com formadores de opiniões. Eles se somam. É um modelo de negócio importante para levar a ciência à frente", destaca Iara.

As mudanças causadas a partir da transmissão no programa de TV aberta são perceptíveis. Iara e Ernesto Paglia perceberam isso em 2013, quando trabalharam, juntos, na série O País dos Raios. Eles explicaram como se proteger do fenômeno e, desde então, houve uma diminuição de cerca de 50 feridos por raios por ano.

Iara Cardoso e Osmar Pinto Jr. em expedição

Iara Cardoso e Ernesto Paglia em expedição

"Esse tipo de narrativa consegue realmente criar uma mudança. E a gente tem muitas coisas que precisam mudar. A questão dos indígenas, dos povos originários, que a gente traz também para o segundo episódio. O conhecimento milenar e ancestral deles se somam à ciência", destaca a cineasta.

Temos uma missão de levar esse conhecimento à frente, e encontramos caminhos de levar isso para uma grande audiência. E aí, claro, você tem de desafiar o mercado e, muitas vezes, criar uma nova forma. Por que não? Eu acho que naquela história de 'o não a gente já tem', eu vou sempre atrás do sim.

A exibição no Fantástico também marca o retorno de Paglia à TV aberta. Desde sua saída da Globo, ele lançou apenas o documentário 3x Ártico, no streaming Globoplay. Ele chegou a dar entrevistas nos programas da casa, mas ainda não havia atuado como repórter desde sua saída. 

Assim como no Caça Tempestades, o jornalista reencontrou a mesma equipe com a qual havia trabalhado anos antes no 3x Ártico. "É uma das vantagens de ficar velho. É você acumular experiências, histórias, trabalhos, e poder revisitar tudo. Isso é fantástico. É muito bacana revisitar, especialmente nesse momento do planeta. Você poder buscar há 30, 40 anos atrás, uma matéria que foi feita falando de clima, e agora comparar, né? É quase uma obrigação jornalística fazer essas comparações, porque elas são testemunhos nessa grande mudança que nós estamos vivendo", destaca.

Paglia realmente tem um grande acervo em seu "HD mental", como chama. Especialmente no âmbito do meio ambiente. Ele cobriu a Rio-92, fez reportagens sobre o desmatamento na Amazônia e até apresentou o Globo Mar (2011-2013). Questionado se pretende continuar nesse caminho, ele é sucinto. "Ser repórter de meio ambiente é uma das características do meu trabalho, e é para isso que devo minha fama", arremata. 


Mais lidas


Comentários

Política de comentários

Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.