Memória da TV
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Imagens dos incêndios na Record, na Globo e na Bandeirantes em julho de 1969: 'terroristas'
DANIEL CASTRO
Publicado em 31/7/2017 - 5h25
No intervalo de apenas três dias de julho de 1969, Globo, Record e Bandeirantes viram suas instalações em São Paulo virarem cinzas. Para autoridades e executivos de TV, a destruição foi obra "criminosa" de guerrilheiros contra emissoras submissas à Ditadura Militar (1964-1985). A participação da esquerda revolucionária nos três incêndios nunca foi provada, mas uma coisa é certa: o fogo ajudou a Globo a decolar e a se firmar como a maior rede do país (e a quarta do mundo).
Quem defende essa tese é o principal gestor da Globo na época, em grande parte responsável por tudo o que a emissora se tornou: Walter Clark (1936-1997). Na autobiografia O Campeão de Audiência, escrita em parceria com o jornalista Gabriel Priolli, Clark conta que chegou a comemorar a tragédia com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, apesar do prejuízo de 4 milhões de cruzeiros e de todos os transtornos decorrentes do incêndio.
"Recomeçar uma estação do zero, em instalações improvisadas, poderia desanimar qualquer homem de TV. Mas, para nós, isso foi simplesmente o melhor que poderia acontecer", diz no livro.
Os incêndios de 1969 ajudaram a Globo de três formas: 1) enfraqueceram as concorrentes, principalmente a Record, com quem disputava a liderança em São Paulo; 2) fortaleceu a própria Globo, pois o fogo destruiu equipamentos antiquados e o dinheiro do seguro permitiu comprar novos e modernos; 3) resolveu uma disputa interna, e a produção de teledramaturgia foi toda concentrada no Rio de Janeiro.
A sequência incendiária começou na tarde de 13 de julho, um domingo. Palco das grandes realizações da Record, como os festivais de música, shows internacionais e atrações como o programa Jovem Guarda, o Teatro Paramount começou a queimar. O prejuízo foi calculado na época em 600 mil cruzeiros.
Poucas horas depois, no início da noite, ardiam em chamas as instalações que a Globo herdou da TV Paulista na rua das Palmeiras, em Santa Cecília. Assim como na Record, o incêndio começou logo após a transmissão de um programa de auditório, no caso o de Silvio Santos.
A Globo já tinha acertado um esquema de ajuda da Bandeirantes, quando, três dias depois, o fogo dos "terroristas" deixava dez feridos e um prejuízo de 15 milhões de cruzeiros à emissora novata do Morumbi.
Auditório no estacionamento
Sem ter a quem recorrer na então solidária concorrência, a Globo se viu obrigada montar um esquema improvisado que acabou funcionando.
"O Boni fechou um pátio de estacionamento em frente à Globo, no prédio da Rádio Nacional, e improvisou um auditório, com o qual operamos por mais ou menos um mês, até alugarmos o Cine Miami, que ficava na praça Marechal Deodoro. Era um cinema nobre, novo, com poltronas estofadas e uma boa área nos fundos, onde dava para instalar a produção", conta Clark em O Campeão de Audiência.
A Globo operou na Marechal Deodoro até 2000, quando se mudou para a avenida Chucri Zaidan, na zona sul.
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Glória Menezes e Tarcísio Meira em Rosa Selvagem, novela esticada por causa de incêndio
Walter Clark detalha como a Globo renasceu das cinzas: "Com o incêndio, nos livramos de uma só vez de toda a velharia técnica que atrapalhava a nossa produção. E, com o dinheiro do seguro _uma bolada de 7 milhões de dólares_, pudemos comprar tudo que precisávamos, do jeito que queríamos, novo em folha. Mais ainda: com a incapacidade temporária de São Paulo, centralizamos a produção no Rio sem traumas e sem a resistência que certamente enfrentaríamos se não houvesse o álibi do incêndio".
Na época do incêndio, a Globo gravava na rua das Palmeiras a novela A Cabana do Pai Tomás, com Sérgio Cardoso. Com apenas oito capítulos prontos, a produção perdeu parte de seus cenários e teve de ser transferida às pressas para o Rio, onde chegou a ser gravada no terraço da emissora, com apenas tapadeiras ao fundo.
Sem espaço para produzir mais novelas, a Globo teve de adiar a próxima das oito, Véu de Noiva, e prolongar Rosa Rebelde (ambas de Janete Clair) no dia em que gravaria seu último capítulo. A produção de teledramaturgia nunca mais voltou para São Paulo.
No site Memória Globo, Roberto Irineu Marinho, hoje vice-presidente o Grupo Globo, explica a disputa que havia entre as duas cidades:
"Estávamos começando a ter uma programação com algum sucesso. No domingo, tínhamos o Silvio Santos em São Paulo e o Chacrinha no Rio. Mas havia uma grande discussão interna na Globo. Walter Clark achava que a programação deveria ser unificada, assim teria um custo menor. Já o Boni defendia que São Paulo tinha o gosto diferente do Rio, portanto deveria haver uma programação específica para cada cidade. O debate já durava uns seis meses, com discussões muito acaloradas. Eis que pega fogo em São Paulo. Acabou-se a discussão: a torre do Jaraguá virou o link para o Rio, e passou a haver uma única programação".
'Terroristas' de esquerda
Na semana dos incêndios de julho de 1969, autoridades como o então governador de São Paulo, Abreu Sodré (1917-1999), e generais do Exército colocaram a culpa nos "terroristas" de esquerda. As emissoras também não tinham dúvidas disso.
"No caso da TV Globo, não tínhamos a menor dúvida de que fora um terrorista que ateara o fogo. O sujeito colocou um frasco de napalm atrás de um cenário do auditório. Quando a temperatura atingiu certo ponto, com as luzes, o frasco explodiu; em cinco minutos, estava tudo queimando", conta Clark em O Campeão de Audiência. Ele explica por quê não se podia (nem queria) acusar os comunistas:
"Nós sabíamos disso, o Paulinho [de] Carvalho [da Record] também, o João Saad [da Bandeirantes] idem, e, da mesma forma, a polícia. Só que ninguém podia fazer nada. Nós, das emissoras, porque tínhamos contratos de seguro que não previam sabotagem, não tinham cláusulas garantindo a cobertura do sinistro nesse caso. E a polícia porque era tempo de censura, não podia ser divulgado que a guerrilha urbana tinha incinerado três televisões em menos de 48 horas".
A Globo, reconhece Walter Clark, tem uma dívida com os guerrilheiros. "Começava ali, sobre as cinzas do antigo prédio das Organizações Victor Costa [dona da TV Paulista, vendida à Globo], a poderosa Rede Globo de Televisão. Numa das maiores ironias da história recente do Brasil, os jovens idealistas da esquerda, de armas em punho, deram o empurrão que faltava à Globo para que ela se transformasse no que é. Muito mais que os militares, em qualquer tempo, ou que o [grupo] Time-Life, no começo, foram os revolucionários de 1969 que deram a Roberto Marinho o poder que ele tem...", escreveu em sua autobiografia.
LEIA MAIS: Inicialmente lançado em 1991, o livro O Campeão de Audiência ganhou uma segunda edição, atualizada, em 2015. Está à venda nas livrarias por R$ 54,90.
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