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Análise | Jornalismo

Denúncias da Lava Jato levam jornais a julgar antes de investigar

Reprodução/TV Globo

Reportagem do Bom Dia Brasil de quarta (5) expôs Fernando Collor, um dos investigados da Lava Jato - Reprodução/TV Globo

Reportagem do Bom Dia Brasil de quarta (5) expôs Fernando Collor, um dos investigados da Lava Jato

CARLOS AMORIM, Especial para o Notícias da TV

Publicado em 5/8/2015 - 15h48
Atualizado em 8/8/2015 - 6h28

O noticiário televisivo sobre a "Operação Lava Jato" se caracteriza, de modo geral, por publicar toda e qualquer informação que tenha como fonte a Polícia Federal e o Ministério Púbico. Ou o juiz Sérgio Moro, que comanda a devassa. Este, inclusive, nunca aparece para gravar uma entrevista. Na maior parte dos casos, a informação é tão "boa" (ou confiável), que se dispensa a prova em contrário ou a investigação independente. Primeiro a notícia vai ao ar _e depois vamos ver no que dá.

Isso contraria uma regra básica do jornalismo: o repórter que acredita na primeira versão do fato deveria mudar de profissão. Quase nunca se pergunta: Como os federais chegaram a tal conclusão? Ou: quais são as provas?

Como a fonte é oficial, publique-se. Um jornalista inglês, Phillip Knightley, autor do notável livro A Primeira Vítima, já ensinava: "Em situações de conflito, a primeira vítima é a verdade e a liberdade de informação".

Aqui parece que não damos muita bola para isso. E nessa minha opinião não vai nenhum juízo de valor sobre o noticiário das TVs e da mídia eletrônica. Não quero saber de outras implicações políticas ou ideológicas. É que me pergunto: "Será que foi assim mesmo?" Serve para um acidente de trânsito ou para uma denúncia de corrupção governamental.

Os investigadores da Operação Lava Jato, uma gente que tem fé pública e pode assinar documentos, garantem ter fortes indícios de que o senador Fernando Collor (PTB-AL), que renunciou à Presidência da República para evitar um impeachment (1992), está envolvido no escândalo de desvio do dinheiro público que ganhou o apelido de "petrolão".

Segundo os federais, Collor papou uma parte da grana. Algo parecido com 26 milhões de reais, em cinco anos. A notícia saiu no Bom Dia Brasil (TV Globo), às 8h da última quarta-feira (5) _e com grande estardalhaço. A denúncia também saiu nos principais portais de notícias do país.

Baseada em fontes da Polícia Federal e do Ministério Público, a mídia digital fez enorme barulho com essa novidade da Lava Jato. As TVs embarcaram. Curioso: não foram exibidas provas para sustentar a acusação. Aliás, o noticiário em torno das denúncias de corrupção é feito a partir de "repercussões" e não de "comprovações".

Não se trata de defender o senador alagoano, cujo governo foi um desastre para o país _tanto que resultou na renúncia. Collor confiscou a poupança dos brasileiros. Algo inédito na história. Mas o fato é que se publica qualquer acusação sem a necessária apresentação das provas. 

O primeiro grande telejornal de rede da TV Globo, que tem uma audiência significativa, chegou a informar que Fernando Collor deve algumas prestações de um dos carros de luxo apreendidos na Casa da Dinda, em Brasília, o quartel-general de Fernando Collor na capital da República.

A enorme residência da família Collor, quando era presidente, ficou famosa pela cobertura global, que acompanhava até mesmo as corridas do então presidente, quando governava: "O presidente, acompanhado pela primeira-dama, saiu para correr na manhã de hoje...". Vendo de hoje, é quase ridículo. Na semana passada, mostrou a apreensão do famoso Lamborghini, uma Ferrari e mais um auto de luxo. Qual diferença tem uma "notícia" da outra? A diferença é o cenário político.

Sabemos que se trava em Brasília uma luta política de vida ou morte. Há uma "pauta-bomba" na Câmara dos Deputados, cuja intenção é ferir de morte o governo, até mesmo com o aumento do rombo nas contas públicas. A aliança PT-PMDB está por um fio. Sem um acordo entre os dois maiores partidos políticos do país, será impossível governar.

As consequências do enfrentamento vão desabar sobre as eleições locais de 2016 e as presidenciais de 2018. Está em jogo a sobrevivência, pouco provável, do PT de Dilma. Observando os telejornais, o tamanho da crise não aparece. O noticiário, oportuno, é supérfluo. E não dá a dimensão do novo desastre.

Quem há de entender o tabuleiro da crise? No próximo dia 16, é esperado o maior protesto de rua de todos os tempos. Aonde vamos parar? Ah, sim: o banco que financiou a compra do Lanborghini de Collor entrou na Justiça para recuperar o veículo.


CARLOS AMORIMé jornalista. Trabalhou na Globo, SBT, Manchete, SBT e Record. Ocupou cargos de chefia em quase todos os telejornais da Globo. Foi diretor-geral do Fantástico. Implantou o Domingo Espetacular (Record) e escreveu, produziu e dirigiu 56 teledocumentários. Ganhou o prêmio Jabuti, em 1994, pelo livro-reportagem Comando Vermelho - A História Secreta do Crime Organizado e, em 2011, pelo livro Assalto ao Poder. É autor de CV_PCC - A Irmandade do Crime. Criou a série 9 mm: São Paulo, da Fox. Site: www.carlosamorim.com


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