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Fim do ciclo

De Emetevê à MTV Brasil

João Cotta/TV Globo

Zeca Camargo no Rock in Rio da Globo: jornalista se fez na MTV Brasil - João Cotta/TV Globo

Zeca Camargo no Rock in Rio da Globo: jornalista se fez na MTV Brasil

LUIZA LUSVARGHI

Publicado em 26/9/2013 - 11h26
Atualizado em 26/9/2013 - 13h56

Autora de livro sobre a MTV, a jornalista Luiza Lusvarghi analisa a história do canal, que muda de mãos no fim do mês. Ícone da linguagem pós-moderna, a MTV perdeu relevância com a internet, analisa a estudiosa: "O tempo em que Madonna e Michael Jackson se converteram em astros já virou história. A web foi mais importante para Lady Gaga do que a MTV"

Há meses, a imprensa anuncia o “fim” da MTV Brasil. Isso já rendeu páginas de matérias e programas com antigos VJs e personalidades que por lá passaram nesses 23 anos.

De quem seria a culpa por essa perda? Do Grupo Abril, que explorou a franquia no Brasil por todo esse tempo, ou da Viacom, a malvada dona da marca?

Nem tudo é o que parece. Na verdade, a partir de 96, a Viacom passou a ter mais influência direta no canal, e sede no país, contribuindo para promover um processo de popularização da grade, e de maior aculturação da marca, como parte de uma nova estratégia global. E franquias não morrem, apenas mudam de endereço. Não seria diferente com a MTV, que vai “renascer” para o canal pago com diretor novo, Tiago Worcman, que deixou o GNT para essa nova empreitada. Enquanto isso, o destino do acervo anterior é incerto.

A MTV tornou-se o único canal do grupo a operar em emissão aberta no mundo em função de um imprevisto: a Abril não havia ainda lançado a TVA, a primeira operadora a cabo do país, mas tinha necessidade de preencher a programação de sua concessão UHF, sob o risco de perdê-la.

Marcelo Tas (à esquerda), em imagem de Netos do Amaral, programa dos primórdios da MTV Brasil

Foi assim que nasceu a MTV Brasil. Lançada numa feira no parque do Ibirapuera em 1990, a MTV prometia investir em novos formatos televisuais e nos videoclipes brasileiros, uma vez que a qualidade dos nossos, produzidos pela Rede Globo, deixava a desejar para o padrão internacional.

Os primeiros clipes, de fato, foram produzidos aqui, como o de Marina cantando Garota de Ipanema na inauguração do canal. Mas logo os internacionais predominaram na tela. A cara brasileira da MTV era mesmo a programação, aliando informação e entretenimento.

Programas criativos como Netos do Amaral, de Marcelo Tas (a produtora Olhar Eletrônico foi parceira da Abril Vídeo), mais caros, foram progressivamente deixados de lado para dar espaço a programas mais baratinhos, como Fica Comigo (2000), que rendeu o primeiro beijo gay em canal aberto, e Erótica (1999), com Jairo Bouer e Babi, um sucesso tão grande que alarmou os diretores, porque era considerado fora do target.

No final da década de 90, com o processo de retomada da produção audiovisual, amparada por leis de renúncia fiscal, a MTV pouco fez em termos de produção própria. Aos poucos, tudo o que ela tinha de inédito banalizou-se, pois os demais canais a cabo faziam algo semelhante, e as emissoras brasileiras começaram a se empenhar em se tornar mais competitivas nesse segmento, vide o êxito do Multishow na Globosat.

Inovação e Precariedade

As tentativas de fazer versões brasileiras de realities, como 20 e Poucos Anos (2000), que pretendia pegar carona no The Real World, antes do BBB bombar no Brasil, ou mesmo campanhas políticas, como Tome Conta do Brasil (1999), sempre esbarraram na precariedade de produção e de distribuição do sinal. O empreendimento mais bem-sucedido foi o Acústico, cujas edições sempre venderam bem, à exceção do histórico programa feito com Roberto Carlos (2001), vetado pela Globo, que fez uma versão própria do formato e o exibiu no Natal.

Foi somente no final que a emissora investiu num seriado que faz jus à tradição inovadora do canal, o excelente A Menina sem Qualidades (Felipe Hirsch, 2013), baseada no best seller alemão homônimo de Juli Zeh, que reinventa o célebre romance de Robert Musil, O Homem sem Qualidades (1930).

Foi o talento de seus jovens VJs e diretores que impediu e emissora de desaparecer, este sim o maior acervo da MTV, considerada um ícone da linguagem pós-moderna, reverenciada por obra antológica da ensaísta E. Ann Kaplan nos anos 1980, quando ela surgiu nos EUA.

A necessidade de atingir o seu público jovem e a falta de recursos transformou a emissora nacional numa autêntica escola, algo em que as emissoras da grande mídia nunca se propuseram a investir. A liberdade de trabalhar numa emissora aberta com estratégias de canal a cabo segmentado deu à MTV uma liberdade de experimentação que talvez só tenha existido nos primórdios da televisão no Brasil.

Pela sua história atípica, nossa MTV desenvolveu uma história em paralelo à da MTV Latino, baseada em Miami, com uma programação voltada para o público latino-americano de fala hispânica, tratado de forma estereotipada.

Cena de A Menina sem Qualidades: no final, MTV Brasil investe na inovação que marcou sua história

Se por um lado isso representou um sopro de criatividade genuinamente brasileira em suas produções locais, por outro certamente dificultou sua integração com o grupo. Essa posição evidenciou-se na guinada da emissora rumo à MPB, no final da década de 1990, em que aparentemente pesou mais a mão do grupo, pressionado pela crise do mercado fonográfico do que a do grupo Abril, quando músicos considerados bregas como Sandy e Junior passaram a frequentar as premiações e a grade da emissora. Num período em que os índices do mercado fonográfico apontavam queda de 17% e os grandes ídolos eram os sertanejos Leandro e Leonardo, não poderia ser diferente.

A MTV Latino, que chegou a ser transmitida no Brasil, foi extinta em 2010, pela dificuldade de incorporar a diversidade do continente em produções com o tempero "glocal", síntese de produção global e local em um novo mundo pretensamente sem fronteiras. As outras marcas do grupo Viacom presentes no Brasil, como Comedy Central, Nickelodeon, Nick Jr., VH1, sempre foram representadas pelo próprio grupo, e é a eles que a nova MTV no Brasil deve se unir, o que pode significar um maior entrosamento em termos de produção.

Grupos como HBO, pertencente a outro gigante midiático, a corporação Time Warner, demonstram mais desenvoltura ao realizar seriados e programas próprios em coprodução com produtoras locais do continente do que a MTV, que acabou se viciando em produzir versões locais de VMA e outros programas.

O tempo em que Madonna e Michael Jackson se converteram em astros já virou história. A web foi certamente mais importante para Lady Gaga do que a MTV. E a Viacom perdeu feio duas vezes nos tribunais americanos para o mundo Google, a última em abril deste ano, o que lhe tirou o direito de retirar do YouTube todos os seus programas, afinal quem posta os vídeos é o usuário.

Se bem que, de vez em quando, ela emplaca uma restrição, como na recente polêmica envolvendo a apresentação de Miley Cyrus no VMA 2013.  Assim, é bem possível que a nova MTV no Brasil possa ser tão interessante quanto a velha que se foi, ainda que, para falar a verdade, a marca tenha perdido a ousadia e o ineditismo em termos mundiais.

O Rock in Rio deste ano foi apresentado por nomes que se fizeram na MTV, caso de Zeca Camargo e Marina Person, na Globo, e a cobertura do Multishow fez lembrar os bons tempos do canal, com Jimmy London, do Matanza, Didi Wagner (ex-MTV) e Rodrigo Pinto. A velha Globo soube aproveitar a lição, e entrou para o McWorld.


LUIZA LUSVARGHI é jornalista, professora, autora dos livros De MTV a Emetevê, Pós-Modernidade e Cultura McWorld na Televisão Brasileira (2007), Cinema Nacional e World Cinema (2010) e Fora do Eixo (2010), sobre a produção audiovisual nordestina. Atualmente faz pesquisa sobre filmes e seriados policiais na América Latina.

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