Análise | Teledramaturgia
Reprodução/TV Record
Os atores Paulo Vilela e Roberto Bomtempo em cena da série Conselho Tutelar, da Record
JANAÍNA ÁVILA, especial para o Notícias da TV
Publicado em 10/12/2014 - 3h25
Atualizado em 11/12/2014 - 11h18
RESUMO: Para rebater as críticas a Conselho Tutelar, publicada no último dia 6 no Notícias da TV, a atriz Janaína Ávila, que levou a produção para a Record, afirma que a série não é excessivamente explicativa, mas didática, devido ao desconhecimento do público sobre como funcionam os conselhos tutelares na vida real. Hábito do telespectador não permitiu afastamento total do gênero folhetim
Assim que recebi o projeto de Conselho Tutelar, percebi que seria uma série para muitas temporadas. Os resultados mostram que não errei em minha avaliação.
No entanto, para que minha previsão se confirmasse, algumas questões deveriam ser encaradas, e a primeira delas era a falta de conhecimento por parte do público sobre o funcionamento dos conselhos tutelares. Essa foi a grande dificuldade enfrentada para obtermos aprovações ou para conseguirmos parceiros e patrocinadores, pois muitos sequer sabiam de sua existência e não acreditavam na adesão do público a um seriado que levaria o nome de um órgão, até então, pouco conhecido.
Para a primeira temporada, após grandes debates com o diretor Rudi Lagemann, com o produtor Carlos Andrade e com Marco Borges, roteirista-criador da série, foi feita a opção por um pouco de didatismo, mostrando o conselheiro César, interpretado por Paulo Vilela, como um personagem ingênuo. A ideia era não subestimar o telespectador, e esse personagem serviu para adiantar respostas a algumas questões que talvez o público faria, como "Por que não entramos lá e pegamos a criança?".
Assim, enquanto o novo conselheiro entendia o funcionamento do órgão, nós aprenderíamos com ele. Por isso, o didatismo foi uma escolha consciente e não uma casualidade.
A estrutura da série é outro ponto que, na minha opinião, pode levar a muitas temporadas. Conselho Tutelar deveria ser instigante como CSI ou Law & Order, produções focadas em investigação de crimes, com a solução de pelo menos um caso por episódio. Esse gênero foi batizado pelos americanos como “procedural drama”.
Uma das minhas maiores preocupações era não cair na tentação de fazer um produto muito semelhante a uma novela. Entretanto, como nosso público está habituado a esse modelo, não poderíamos abandoná-lo por completo. A solução foi trabalhamos a cada episódio com duas histórias, uma mais relevante, e a outra um pouco menor, o que permitiria imprimir um ritmo adequado.
Optamos por ter mais três arcos, que permeiam a temporada inteira com as histórias de Sereno (Roberto Bomtempo), de César e do próprio conselho. Essas histórias paralelas foram a opção encontrada para que não houvesse uma ruptura total com a estrutura do folhetim. Se implantássemos também um "núcleo cômico", estaríamos nos aproximando demasiadamente da novela, mas nosso propósito não era relaxar o drama, e sim se aprofundar nele.
Avaliar o produto tendo como modelo o folhetim é uma forma equivocada e anacrônica de fazê-lo. Conselho Tutelar traz uma estrutura diferente de dramaturgia, que serve à emoção, não ao melodrama. A música, composta especialmente para a série, tem como referência o filme Identidade Bourne, foi estudada e apresentada com muito acerto pelo diretor, e confere suspense e dramaticidade à trama, além de pontuar e potencializar cenas de emoção, como a que mostra o momento em que a menina Tuane (Camille Oliveira) é descoberta por Sereno dentro do armário.
Cativar o público não é lhe dar melodrama regado a Laura Pausini. Trata-se de um processo de identificação com o drama humano que é retratado. Impossível não se emocionar quando a mãe viciada em crack, interpretada por Marli Negrah, percebe que vendeu a filha por um botijão de gás. Um bom texto, um bom elenco, uma boa direção. Tudo isso colaborou para que Conselho Tutelar fosse um sucesso e aumentasse em 30% a audiência do horário, em relação à semana anterior.
Podemos gostar ou não das opções estéticas e estruturais, podemos criticá-las, apontando outros possíveis caminhos. Mas não devemos compará-la à telenovela, apenas pelo hábito de consumo. Que venha a segunda temporada!
JANAÍNA ÁVILA é gestora cultural e atriz. Na TV Record, foi Gestora de Projetos Especiais da Dramaturgia (2012/2014), responsável pela seleção e supervisão da série Conselho Tutelar, entre outras atrações feitas em parceria com produtoras independentes.
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