MARIO TEIXEIRA
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
O autor Mario Teixeira, de No Rancho Fundo; ele faz um balanço final sobre a novela das seis
O último capítulo de No Rancho Fundo vai ao ar nesta sexta (1º), e o autor Mario Teixeira faz um balanço sobre a trajetória da novela das seis da Globo. Em entrevista exclusiva ao Notícias da TV, ele fala sobre o desempenho da trama, suas cenas favoritas, o fato de ter feito um intercâmbio com sua novela anterior, Mar do Sertão (2022), e a possibilidade da continuação deste universo rural nordestino em uma próxima novela.
Teixeira termina esta obra, que foi sua décima novela na Globo, com sentimento de satisfação e de dever cumprido. Ele acredita que conseguiu segurar bem o público da faixa horária das 18h e que os trabalhos no folhetim foram muito bem executados por todas as equipes envolvidas --além de contar até com uma ajudinha providencial do clima, que se manteve firme em várias cenas gravadas em locações externas.
Outro ponto marcante de No Rancho Fundo foi o fato de o autor trazer de volta personagens que haviam conquistado o público de Mar do Sertão, como Deodora (Debora Bloch) e Sabá Bodó (Welder Rodrigues).
Teixeira explica que escolheu reviver personagens que tiveram suas trajetórias interrompidas no fim da novela anterior e que ganharam uma chance de recomeçar em Lapão da Beirada (cidade fictícia de No Rancho Fundo).
Confira a entrevista completa com o autor Mario Teixeira:
NOTÍCIAS DA TV - Como avalia a trajetória de No Rancho Fundo, a evolução e o desenvolvimento do projeto?
MARIO TEIXEIRA - Tenho uma parceria excelente com o diretor, Allan Fiterman, e isso se refletiu no trabalho. Fazer televisão diária é um desafio a cada momento. Dependemos de um roteiro de gravação preciso, e qualquer coisa pode afetar o andamento da produção.
A novela teve muitas externas e cenas gravadas em locações distantes. Ainda assim, nada interferiu em seu curso, do início ao fim. Nos últimos meses, gravamos em locações fora do Estado [o elenco deixou o Rio de Janeiro e foi para Minas Gerais], e tudo deu certo, até o tempo contribuiu.
Diria que No Rancho Fundo é a melhor novela que já fez, levando em conta todo o processo entre a pré-produção e o final? O que acha que conseguiu aprimorar e/ou aprender em seu ofício ao escrever No Rancho Fundo?
Todo trabalho tem suas singularidades. No Rancho Fundo, esteticamente, foi uma novela incrível, com interpretações memoráveis, uma excelente estreia e uma audiência crescente. Uma nova experiência sempre ensina e engrandece. O horário das seis é singular, as pessoas ainda não chegaram em casa, estão em trânsito… É um público fugidio, mas que se manteve fiel.
Tem alguma cena que seja sua favorita, uma trama mais emocionante, algo que tenha te tocado de maneira especial ao ver o capítulo no ar?
Todas as cenas com a família Leonel, um clã brasileiro, com filhos, agregados, tia… Um universo muito particular. Mas todo o elenco merece destaque. A televisão ganhou atores incríveis, como o Igor Fortunato, intérprete do Zé Beltino, que tem uma longa trajetória em teatro, mas nunca tinha feito TV.
No Rancho Fundo e Mar do Sertão são vistas como novelas "irmãs", que têm o mesmo molde. Como você avalia isso, agora que ambas estão concluídas? É mais fácil fazer uma novela que tem similaridades com uma obra que você já criou, com elementos com que o público já está familiarizado, que você domina bem? Ou é mais difícil, justamente por seguir um legado de sucesso? Como foi a experiência de No Rancho Fundo neste sentido?
O formato de cidade pequena não é exatamente uma exclusividade dessas duas novelas. Tampouco o ambiente rural, o recorte de uma determinada região. É uma característica de cada autor, de suas experiências, de sua vivência.
Como você avalia também o intercâmbio de personagens entre Mar do Sertão e No Rancho Fundo? Queria que você elaborasse um pouco sobre o ponto positivo de já ter personagens queridos do público numa nova novela e ao mesmo tempo ter o desafio de criar novas e interessantes histórias para estes personagens, que continuem acrescentando algo à trama geral e agradem aos telespectadores.
Os personagens resgatados de Mar do Sertão tiveram suas vidas de alguma forma interrompidas: Sabá Bodó (Welder Rodrigues) e Nivalda (Titina Medeiros) foram presos, Deodora foi a responsável pela morte do filho…
Em Lapão da Beirada, eles tiveram a chance de recomeçar, de não repetir seus erros. Tiveram histórias novas, totalmente diferentes --e, exatamente por isso, foram tão bem aceitos pelo público. Xaviera (Giovana Cordeiro) e Timbó (Enrique Diaz) fizeram uma participação no final porque eu e o público sentíamos saudade. Eram personagens muito queridos.
A novela recebeu críticas ao longo dos meses por supostamente ter trama arrastada, girar em círculos para alguns núcleos, ter falta de acontecimentos emocionantes em alguns momentos. Como você recebeu estas críticas, se recebeu? Como você lida com repercussões e comentários sobre a novela?
O público vibrou a cada momento. Novela não é série americana. É uma narrativa que tem quase 200 capítulos diários, ou mais. [O escritor Honoré de] Balzac (1799-1850), por exemplo, foi duramente atacado por contemporâneos por escrever às pressas, por publicar em jornais, por cometer supostos deslizes e incoerências --cujos mistérios viriam a ser revelados depois, em outro momento da história. A narrativa se renova a cada dia. Eu não costumo acompanhar as críticas, nem tenho redes sociais, sou um sujeito do século 19.
Eu escrevi uma série em parceria com a Sony Pictures, Passaporte para a Liberdade (2021). Os executivos da Sony tentavam entender como as novelas eram feitas. Um deles me inquiriu: 'Você escreve uma narrativa sequenciada, com 100 e tantos capítulos… Três ou quatro ganchos por dia mais um gancho final… Quanto você ganha?'. Novela é um mistério. Acho que foi o Gilberto Braga (1945-2021) quem falou que novela só é possível porque existe. Ninguém entende.
Houve algum ajuste feito ao longo da novela em alguma trama ou algum personagem, seja por algum problema ou obstáculo que apareceu, alguma mudança de percurso, por resultado de grupo de pesquisa ou mesmo por sua vontade?
Sempre acontece. Ao contrário do que se pensa, não por exigência do público ou por um grupo de discussão, mas pela intuição do autor. Mudar algo é perigoso, pode ser contraditório. O público percebe. O autor está a anos-luz da novela que se vê no ar, muitos capítulos adiante. Às vezes, não dá para voltar.
Você trouxe algo da sua vivência para a história e/ou para os personagens de No Rancho Fundo?
Eu nasci em São Paulo, mas me dividi, durante toda minha vida, entre o sertão do Ceará, Itapipoca, terra natal de meu pai, e o vilarejo onde nasceu minha mãe, a Vila Surumu, em Roraima –não por acaso, berço de Deodora.
Quando ajudei Walter George Durst (1922-1997) a adaptar o romance Tocaia Grande para a TV Manchete (em 1995), tive o topete de enviar a Jorge Amado (1912-2001) uma carta, que, para minha surpresa, foi prontamente respondida. Ele disse que eu era filho dos extremos do Brasil. Toda história parte da nossa. É isso que as faz originais.
O caso da tia Salete chama a atenção. A personagem cresceu muito, conquistou o público, roubou a cena. Mariana Lima disse que não sabia de nada sobre Salete ser mãe de Margaridinha (Heloísa Honein), que a personagem foi crescendo e ganhou essa história. Havia desde o início esta trama em sua cabeça ou ela foi desenvolvida ao longo da novela, dado o sucesso de Mariana no papel de Salete?
Tia Salete é um personagem trágico, cujos passos são determinados pelo destino. Era, é, uma personalidade marcante, com um discurso bíblico, extemporâneo.
Numa de suas primeiras cenas, ela invoca Deus, briga com padre Zezo (Nanego Lira), ruge imprecações dignas de um profeta louco. Ao mesmo tempo, costura, é racional nos cuidados da casa, no trato com os muitos sobrinhos. E tinha um destino traçado, que foi engrandecido pelo talento imenso de Mariana Lima.
Blandina não parece uma vilã clássica, está mais para uma anti-heroína. Fale um pouco sobre a concepção da personagem e se acha que há semelhanças entre ela e Xaviera, que também tinha suas falhas e no final se deu bem.
Você tem razão. É uma anti-heroína, uma espécie de Lazarillo de Tormes de minissaia. Ela começa a novela sendo espezinhada pela patroa e assediada por um cliente. Para ela, seus atos justificam o fim, que pode ser qualquer coisa, desde que ela saia ganhando. Dessa forma, é um Dom Quixote às avessas.
Uma menina realista e maliciosa, alguém que passou da infância à idade adulta, sem o tempo necessário da inocência. E é uma feminista à sua maneira. Sempre se fala de mulheres que têm um passado e de homens que têm um futuro. Ela quer subverter essa máxima.
Numa possível futura novela, haveria a possibilidade de fazer mais uma trama "irmã", ou seja, outra história que tivesse ambientações e semelhanças a Mar do Sertão e No Rancho Fundo? Se sim, que personagens de No Rancho Fundo poderiam transitar de uma novela para outra?
As histórias têm gestação dentro de nós, a partir da nossa experiência. Mesmo tendo nascido em São Paulo, eu tenho o Norte e o Nordeste no meu DNA, literalmente. E não dizem por aí que São Paulo é a maior capital nordestina do país?
Quais são seus planos daqui para a frente; já tem outras novelas em mente, pretende começar a trabalhar em sinopses para uma próxima trama das seis? Ou pretende tirar férias, se dedicar a outros trabalhos, deixar as novelas para um futuro mais distante?
Meus planos imediatos são férias. Mas me considero em férias quando estou trabalhando.
Tem vontade ou projetos de desenvolver tramas para outras faixas horárias na Globo?
Já escrevi para todos os horários, até para as manhãs, com o Sítio do Picapau Amarelo (2001-2007). Liberdade, Liberdade (2016) foi uma novela marcante, de boa memória para mim. Gosto muito da faixa das 23h. Gostaria que a Globo retomasse os projetos para o horário, seria ótimo criar uma história de novo para a faixa.
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