Indústria Americana
Imagens: Divulgação/Netflix
O operário Bobby Allen na fábrica chinesa Fuyao instalada em Dayton, cenário de Indústria Americana
JOÃO DA PAZ
Publicado em 31/8/2019 - 5h41
Quem acompanha assiduamente o cinema hollywoodiano e o mundo das séries norte-americanas pode ter percepções equivocadas sobre como é a vida real nos Estados Unidos. Lá, nem todo mundo pode ir a uma cafeteria e ficar de boa durante horas a fio. A vida de operários que sustentam a economia do país é árdua, e é isso o que mostra o primeiro documentário de Barack e Michelle Obama lançado pela Netflix.
Indústria Americana (American Factory), dirigido por Steven Bognar e Julia Reichert (indicada ao Oscar), foi exibido pela primeira vez em janeiro, no Festival Sundance. Os Obamas compram o projeto por US$ 3 milhões (R$ 12 milhões) para ser a primeira atração da Higher Ground, produtora criada pelo casal, a estrear na gigante do streaming --o longa está disponível na plataforma desde a semana passada.
Em um encontro entre os Obamas e os diretores do documentário, Michelle explicou o que Indústria Americana tem de especial: "Não é um editorial. Vocês [diretores] deixaram as pessoas falarem por elas mesmas".
E assim é a atração. Bognar e Reichert acompanharam durante três anos a transformação dos operários da cidade de Dayton, no Estado de Ohio. Em 2008, cerca de 2,4 mil pessoas ficaram desempregadas e 10 mil empregos indiretos foram perdidos após o fechamento de uma fábrica da General Motors. Assim, o enorme galpão ficou abandonado, mais um entre tantos que formam o chamado cinturão da ferrugem, no Nordeste e Meio-Oeste dos Estados Unidos.
Em 2015, chegou um alento. A empresa chinesa Fuyao, fabricante de vidros automotivos, com a expressiva participação de 70% nesse mercado, comprou a fábrica. Com clientes de peso como Honda, Chrysler, Toyota e a própria GM, a Fuyao investiu pesado na empreitada: nada menos do que US$ 500 milhões (R$ 2 bilhões).
Operários que não perderam apenas o emprego após o fechamento da GM, mas também seus carros e suas casas, bateram na porta da Fuyao em busca de uma vaga, que no início seria em número menor do que a americana empregava. Os chineses começaram a tocar a fábrica com mil funcionários.
A chinesa Yuzhu Yang ensina a americana Lori Cochran a manusear vidro na fábrica da Fuyao
Como Michelle Obama pontuou, o documentário se destaca por dar voz a essas pessoas, que na época da GM ganhavam US$ 29 por hora trabalhada e passaram a receber muito menos, US$ 12 por hora.
O público entra em contato com histórias de pessoas reais, pais e mulheres de família que tiveram de fazer manobras e ser criativos para sustentar a casa com um salário aquém do esperado.
As câmeras registram as dificuldades desses funcionários, que buscam se adaptar à metodologia chinesa de trabalho. A fábrica da Fuyao estabeleceu três turnos de oito horas cada. O empregado tinha 30 minutos de almoço (pelos quais não eram pagos) e dois intervalos remunerados de 15 minutos cada.
A equipe de operários procurou a todo instante melhorar as condições laborais, principalmente na questão do salário por hora. Surgiu o desejo de entrar em um sindicato--que os chineses, tão capitalistas quanto os americanos, resistiram.
Para os estrangeiros, os trabalhadores dos Estados Unidos eram preguiçosos, se divertiam demais no serviço e tinham uma vida boa. Isso porque na fábrica chinesa da Fuyao os funcionários não tinham oito folgas no mês, e sim uma só (ou duas, dependendo do ritmo da produção).
As duas horas de Indústria Americana passam rápido. Os relatos compartilhados pelos operários levam à reflexão, tanto sobre a ruína do capitalismo como a exploração da mão de obra. Durante a gravação do documentário, cerca de 3 mil pessoas não aguentaram o tranco e deixaram de trabalhar na fábrica.
No fim, é interessante ver e aprender com esse universo tão distante de Hollywood, de norte-americanos que vestem uniforme e levam marmita para o trabalho.
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