RACISMO
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Roberta Rodrigues como Berenice em Cidade de Deus (2002); atriz falou sobre pagamentos da época
Cidade de Deus (2002) foi um marco não somente para o cinema brasileiro, mas também mundial. Com direção de Fernando Meirelles e Kátia Lund, o longa-metragem deu início à febre do favela movie, reposicionou o Brasil no mercado audiovisual, e concorreu em quatro categorias da maior premiação cinematográfica do mundo, o Oscar. Um filme de tamanho prestígio deveria ter deixado seus protagonistas milionários --mas não foi bem assim.
O filme foi responsável por abrir portas antes consideradas até inimagináveis para diversos atores. O elenco, em sua grande maioria formado por intérpretes que vieram do projeto Nós do Morro, teve um grande impacto na carreira de cada um deles.
Entretanto, por se tratar de um dos longas mais importantes da história, uma questão fica no ar entre o elenco: como os nomes envolvidos nessa história não enriqueceram tanto na profissão quanto outros atores?
"A gente não tinha dimensão do quão grandioso o filme seria. A gente já fazia arte antes no Nós do Morro, tínhamos um grande compromisso com a arte, mas não sabíamos que seria esse boom explosivo, e foi só depois que lançou que vimos a grandiosidade de tudo", relembra Roberta Rodrigues, intérprete de Berenice no filme e na série derivada que está no ar na Max, em entrevista ao Notícias da TV.
"Sempre foi um privilégio fazer parte desse filme, tanto para os atores, diretores, equipe, produtores. Ele transformou e ainda vai transformar pessoas que vão ver. Ele representa a minha identidade, a minha história, então foi muito além. Ele deu um tapa de realidade no nosso compromisso como artista brasileiro", afirma a atriz.
Ela, no entanto, reconhece que não sabia como funcionavam as grandes produções na época em que participou do longa-metragem. "A gente vem de um lugar muito genuíno, de fazer arte por amor, e a gente nem tinha estrutura financeira para essa coisa tão grande. De repente, o mercado se abriu, a gente vai invadindo porque é obrigado, mas ao mesmo tempo, porque estamos trabalhando e entregando muito", pondera.
"De repente, eu entendi que a gente estava em um filme renomado, um filme que foi para o Oscar, e aí? E o dinheiro?", questionou a intérprete. Roberta atribui ao racismo estrutural essa desvalorização dos atores pretos.
Hoje, 24 anos depois, eu posso falar: é absurdo a gente não estar milionário, e digo isso com toda a humildade do mundo, com todo respeito. É absurdo a gente não ter a nossa casinha onde quer que a gente quisesse. Qualquer filme, com esse lugar que atingiu, se fosse com pessoas brancas, teria sido um outro lugar. Essas pessoas não precisariam trabalhar nunca mais.
"O mercado viu qualidade nessa linguagem nova, começou a usar, mas sem fazer gerar o capital para a gente. Isso vem vindo desde sempre. Agora que a gente começa a falar de dinheiro, esse lugar da conscientização e da evolução", declara.
A atriz afirma que Cidade de Deus a deu uma condição de vida melhor, tanto que ela fez viagens internacionais depois que gravou o filme. Porém, ao voltar para o Brasil, ela continuava na comunidade onde viveu a vida inteira. "As pessoas falavam: 'cara, vocês estão milionários, né?'. A gente conta no dedo quem conseguiu comprar casa! Foi um reboliço dentro do mercado, mas a gente também luta por esses direitos", conta.
"A gente entrega tanto quanto qualquer ator, e é impressionante que, por mais que estejamos num país muito preconceituoso --e eu falo sobre a questão de você vir da favela, independente da sua cor, você é pago a partir de onde você vem. E aí a gente começou a entender nossos direitos. A favela aumenta o ibope, e não é pela violência, é pela humanidade. As pessoas estavam carentes de ver relações verdadeiras", finaliza ela.
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