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Deserto dos domingos

Record quer ser a Globo, mas parece o SBT sem Silvio Santos

Antonio Chahestian/TV Record

Rodrigo Faro  - Antonio Chahestian/TV Record

Rodrigo Faro

CARLOS AMORIM, ESPECIAL PARA O NTV

Publicado em 17/12/2013 - 17h28
Atualizado em 17/12/2013 - 20h28

Aquele pobre infeliz não gosta de acompanhar o futebol pela TV. Também não se interessa por programas de auditório. Coitado. Está perdido diante da programação das grandes redes no domingo. Nesse último fim de semana sem graça, curtindo uma gripe de verão, fui obrigado a enfrentar a telinha durante muitas horas. Não conseguia ler ou escrever, porque a cabeça doía demais. E acabei descobrindo _lamentavelmente_ o real significado da expressão “o deserto televisivo do domingo”.

Comecei tarde. Já no esquentamento da Regina Casé. Gosto dela demais: é uma das personalidades mais versáteis da TV Globo, mesmo quando está fazendo comercial de banco estatal. Mas o programa é fácil além da conta _e não surpreende ninguém. Aliás, é de uma repetência de casting capaz de irritar o mais gripado dos espectadores. Se você é um cara minimamente exigente, cai fora logo. Foi o que fiz, escorregando no tobogã do controle remoto: canais para cima, canais para baixo, e nada de interessante. A Band, autoproclamada “o canal do esporte”, é para quem realmente gosta do tema. Isso a torna uma emissora de três pontos de média no Ibope. E o SBT? Não preciso descrever, certo?

Parei uns dez minutos no programa do Rodrigo Faro, onde a repórter mostrava uma família de criadores de tigres no interior do Paraná. Bichos impressionantes. O treinador ficava dando nacos de frango aos felinos, para que não se animassem a comer alguém da produção. A Record queria ser Globo, mas empacou nos custos e se perdeu no formato. Dizem que demitiu _só esse ano_ mais de mil profissionais. E no domingo se parece mais com a TV do Silvio Santos – só que sem o próprio, o que a torna muito frágil, empobrecida mesmo.

Há uns 40 anos que a televisão aberta no Brasil repete de maneira quase insana as mesmas fórmulas de sucesso. E olha que são fórmulas quarentonas. Ninguém arrisca nada. Uma crise de criação (ou de impedimento da criação) varre as emissoras de Norte a Sul do país. Talvez esteja justamente aí a resposta para a substancial perda de audiência nos últimos anos.

As classes C e D, hoje melhor remuneradas e mais escolarizadas, mergulham na multimídia, abandonando a TV tradicional. Hoje, as chamadas “outras mídias” estão em terceiro lugar de audiência, se colocadas sobre o universo estatístico do Ibope. E você sabe por que os empresários da comunicação não rompem com a mesmice? Porque faturam alto mesmo sem audiência. De todo o bolo publicitário do país, 66% estão concentrados na TV aberta, que chega a 96% dos 200 milhões de brasileiros. Se a perda de espectadores tivesse o mesmo peso no faturamento, a televisão mudaria. Mas não é assim, infelizmente. Passam-se as décadas e vemos os mesmos rostos na telinha, dizendo as mesmas coisas, entregando a mesma programação. Tudo igual.

Como sou assinante do cabo, com mais de uma centena de opções no dial, fiquei andando de um lado para o outro. Tentei os canais de notícias (Globo News, Band News, CNN, Fox e até a NHK japonesa). E, surpresa: parece que a programação está de folga em todos eles. É uma infinita repetição de coisas que já foram exibidas durante a semana, entrecortadas por telejornais rápidos, que logo se transformam também em algo já visto. Credo! Volto às emissoras abertas. Na Globo, um especial de fim de ano, parte de um caríssimo esforço de produção. E _de novo_ o mesmo elenco e as mesmas músicas que já ouvi centenas de vezes. Outra opção, os canais de cinema. Pasmem: os mesmos velhos filmes outra vez.

É verdade que o Telecine Premium exibiu Les Mis, a versão musical do grande Os Miseráveis, ganhador de Oscar. Mas eu já tinha visto. E a HBO HD exibiu o último filme do Batman _mas também já tinha visto. As possibilidades de cinema não foram capazes de resolver o meu problema. E por aí as coisas foram, com a tarde virando noite. Ah, sim: tem um novo humorístico na Globo. Mas é mais do mesmo. Já vimos essas esquetes no Zorra Total _e com o mesmo elenco. O novo programa tem, inclusive, um nome exótico: Divertics, seja lá o que isso quer dizer.

Tentei o reino animal e as aventuras. Discovery, NetGeo, Animal Planet, History e mais dezenas de cliques no controle remoto. Que tal umas formigas, savanas africanas, índios, uns rabos de baleia, crocodilos, tubarões? E... Nada interessante para ver. Só reprises.

Me dei conta, repentinamente, que o modelo de produção chamado weekend television, inventado pelos americanos e que dispunha de equipes próprias apenas para o sábado e o domingo, desaparecera das planilhas de custos dos empresários das redes de televisão. Não há mais profissionais pensando exclusivamente no fim de semana. E a programação reflete essa carência. Com certeza, podemos dizer que há o pessoal do Fantástico, do Domingo Espetacular, dos PSS, como no SBT as pessoas se referem aos programas do Silvio Santos. Isso ainda existe, quero crer, mas e o resultado? Surgiu algo novo?

Recentemente, o programa de final de noite de domingo mais bem sucedido foi o Sai de Baixo, na Globo. Mas era uma reprise de especiais exibidos na Globosat. É uma produção relativamente barata, concentrada num único cenário, palco de um teatro paulista. O que há de novo ali? Inteligência, elenco, texto de qualidade. Só isso? Sim, só isso. Tomara que algum gênio da lâmpada no Jardim Botânico tenha a ideia de produzir novas temporadas. Só de sacanagem! Ou só para atender ao interesse do público!

Então, derrotado pela gripe e sem conseguir atravessar o deserto televisivo de domingo, me refugiei numa gravação que fiz na Net Digital: o concerto de comemoração dos 50 anos da banda Rolling Stones, verão de 2013, no Hyde Park, centro de Londres. Produção da BBC, mais de 40 câmeras, som Dolby digital 5.1, cem mil pessoas na plateia. O programa tinha mais de duas horas. Voltando a gravação em alguns momentos, virou pelo menos três horas de boa música e entretenimento. Vi Mick Jagger, aos 70 anos de idade, correndo pelo palco como um menino. E Keith Richards, tão velho quanto o outro, acendendo cigarros entre uma música e outra (sabe-se lá que tipo de cigarros!). Jagger, na segunda parte do show, vestiu a mesma roupa que usara naquele mesmo palco, só que em 1969.

Assim me dei conta de que qualidade não é sinônimo do novo. Qualidade é igual a qualidade.


CARLOS AMORIMé jornalista. Trabalhou na Globo, SBT, Manchete, SBT e Record. Ocupou cargos de chefias em quase todos os telejornais da Globo. Foi diretor-geral do Fantástico. Implantou o Domingo Espetacular (Record) e escreveu, produziu e dirigiu 56 teledocumentários. Ganhou o prêmio Jabuti pelo livro-reportagem Comando Vermelho - A História Secreta do Crime Organizado. É autor de CV_PCC - A Irmandade do Crime e O Assalto ao Poder. Criou a série 9mm: São Paulo, da Fox. Atualmente, se dedica a projetos de cinema.


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