Raul Seixas: Eu Sou mergulha na mente do músico com direito a disco voador

Se estivesse vivo, Raul Seixas (1945-1989) completaria 80 anos no sábado (28); mas, como sugere a nova série do Globoplay, Raul Seixas: Eu Sou, ele nunca foi exatamente deste mundo. Com oito episódios, a produção dramatiza a trajetória do cantor desde a sua infância até a morte, fugindo do tradicional formato cronológico para mergulhar na mente rebelde de um dos maiores artistas da música brasileira.

O Notícias da TV assistiu aos dois primeiros episódios e adianta o que o espectador vai poder conferir a partir desta quinta-feira (26). A direção da série ousa ao apostar em elementos fantásticos e surrealistas para acessar os pensamentos de Rauzito.

Já na estreia ele é aspirado para dentro de uma poltrona e faz uma viagem sem fronteiras. Logo depois, há uma cena em que ele vê um disco voador com Paulo Coelho (João Pedro Zappa), criando um delírio psicodélico naquele que seria o "match" dos dois, que assinam canções que são sucesso até hoje.

Uma lagarta se transforma em borboleta no começo da narrativa, incorporando a "metamorfose ambulante" que Raul Seixas viveu. Ele se recusava a ser enquadrado, e a estética da série, alinhada à linguagem da contracultura, casa perfeitamente com a história do artista.

Protagonizada por Ravel Andrade, Raul Seixas: Eu Sou não apenas conta a história do homem por trás do "maluco beleza", mas também o apresenta em toda a sua contradição: um roqueiro que falava baixinho, que era tímido, um rebelde profundamente educado, um pensador popular que usava o palco para expor as feridas sociais do Brasil, um produtor musical que viu liga em misturar rock com baião e por aí vai.

A atuação de Ravel Andrade é intensa e respeitosa, contribuindo para dar densidade emocional a esse retrato íntimo e místico do artista.

Nos dois primeiros episódios, a caracterização de alguns personagens causa certo desconforto. O cabelo loiro de Edith (Amanda Grimaldi), a primeira mulher norte-americana do cantor; a cabeleira desgrenhada de Paulo Coelho e até o tom de voz utilizado por Zappa parecem, à primeira vista, artificiais.

A impressão inicial é de um resultado pouco realista, "fake". No entanto, o incômodo tende a se diluir conforme a narrativa avança. Com o tempo, esses elementos param de chamar a atenção.

Artista fora do comum

Raul Seixas: Eu Sou se descola da cronologia para explorar emoções, ideias e conflitos. Em vez de seguir linha reta, a série se deixa levar pelas obsessões e paixões de Raul. Mostra a infância em Salvador, o fascínio por Elvis Presley (1935-1977), o início da carreira como produtor musical, a guinada como cantor solo e a criação da Sociedade Alternativa.

Acima de tudo, o espírito provocador de Raul está presente o tempo todo. A produção também não economiza em detalhes musicais. Os bastidores de shows, composições e gravações foram recriados com precisão, incluindo parcerias e improvisações que revelam o processo criativo de Raul --algo difícil de ser retratado.

Em um dos momentos do começo da série, ele recita uma canção, ilustrada com animações que transmutam quem está assistindo para dentro daquele contexto.

Talvez o maior acerto da série seja revelar o Raul Seixas privado: o filho carinhoso, o marido apaixonado e o pai amoroso. A promessa do criador da história, Paulo Morelli, é que a trama explore todas as camadas do artista ao longo dos oito episódios, sem ignorar os excessos com álcool, os rompimentos e a decadência.

A morte precoce do ídolo aos 44 anos, em agosto de 1989, por complicações de uma pancreatite agravada pelo alcoolismo, encerrou uma carreira curta, mas que deixou um legado tão vivo que ainda incomoda, inspira e dialoga com as novas gerações.