ENTREVISTA EXCLUSIVA
Divulgação/Catarina Ribeiro
Maria de Medicis é a diretora de Beleza Fatal, primeira novela da Max; ela passou 29 anos na Globo
Lançada na última segunda-feira (27) na Max, a novela Beleza Fatal rapidamente caiu nas graças das redes sociais. Personagens como a divertida vilã Lola (Camila Pitanga) e o malandro doutor Peitão (Marcelo Serrado) têm recebido elogios, assim como a velocidade do folhetim, que terá 40 capítulos no total. A diretora Maria de Medicis, porém, não acredita que o modelo do streaming substituirá o da TV aberta, mais longo e tradicional, ao qual o público brasileiro já está tão acostumado.
"As novelas do streaming vão coexistir com as da TV aberta durante muito tempo, porque é rico para os profissionais, que têm mais oportunidades, é bom para o público, que tem mais opções. Se você me perguntar: 'Você acha que o gênero novela está em crise?'. Não, não acho. Vão existir épocas com novelas de maior ou menor sucesso, mas elas não vão acabar", aponta Maria em conversa exclusiva com o Notícias da TV.
A diretora sabe do que está falando. Afinal, antes de ser responsável pela estreia da Max nas novelas, passou 29 anos na Globo. Por lá, dirigiu obras como Cheias de Charme (2012), Sangue Bom (2013), Babilônia (2015), Rock Story (2016) e Segundo Sol (2018).
Ela também esteve atrás das câmeras em Paraíso Tropical (2007) --a parceria com Camila Pitanga até rendeu uma piada em Beleza Fatal, quando Lola solta a clássica frase "que boa ideia esse casamento primaveril em pleno outono", tal qual Bebel na novela de Gilberto Braga (1945-2021) e Ricardo Linhares.
Maria usa a prostituta, aliás, como exemplo do motivo pelo qual as novelas mais longas da TV aberta não vão acabar tão cedo: a capacidade de adaptação de uma obra aberta. "Bebel e Olavo [Wagner Moura] não eram protagonistas, mas são deles que a gente se lembra quando fala em Paraíso Tropical. Eles não eram um casal, só iam ter um trambique rápido, durante uma semana e meia. Só que foi um estouro! O público criou Bebel e Olavo, eles aconteceram por causa do público. Essa é a beleza da obra aberta, receber o feedback, corrigir o que não funciona e explorar o que funciona."
"Mas é uma delícia fazer uma obra fechada também. O ator sabe todo o arco do seu personagem e consegue construí-lo de acordo. E na direção também é ótimo, você sabe onde começa e para onde vai, dá para Almodovarizar [referência ao cineasta espanhol Pedro Almodóvar] os personagens e os momentos certos. Para o conceito artístico, ajuda muito!", valoriza a diretora.
Na conversa com a reportagem, Maria de Medicis ainda revela se é do tipo que acompanha os comentários do público nas redes sociais --"sou tuiteira viciada", brinca--, se a TV aberta ficou mais careta nos últimos anos e como foi o desafio de dirigir uma obra em que os personagens estão acima do tom.
Confira a entrevista exclusiva com Maria de Medicis:
NOTÍCIAS DA TV - Beleza Fatal finalmente estreou. Como tem sido o retorno do público nos primeiros dias? Você fica nas redes sociais vendo tudo?
MARIA DE MEDICIS - Eu sou tuiteira viciada (risos). Comecei a usar o Twitter [atual X] quando eu fazia novela na TV aberta, porque adorava ver os comentários em tempo real. Com o streaming já tem sido diferente, porque cada um vê no seu tempo. Obviamente, eu tive insônia de domingo [26] para segunda [27], 4h da madrugada eu já estava acordada e vendo o que os tarados de televisão estavam falando de Beleza Fatal (risos).
E a recepção está muito legal, fiquei feliz que as pessoas entenderam o que a gente queria, que é fazer uma novela sem vergonha de ser novela, porque é feita por quem ama novela. O Rapha [Raphael Montes, autor de Beleza Fatal] teve o primeiro contato com narrativas em novelas, muito antes dos livros, ele sempre quis escrever novela. Ele encontrou o suspense, que é a grande paixão dele, vendo A Próxima Vítima [1995].
E eu também amo fazer novela, já fiz 14, 15, 16, nem sei mais (risos). Gosto, acho que é um gênero que é a cara do Brasil, mas também fala com o resto do mundo. Aquela coisa de mostrar o quintal da própria casa para que todo mundo se identifique, sabe? E fico sempre feliz quando uma novela é boa, independentemente de trabalhar nela ou não, porque eu sou noveleira mesmo.
E é tão bom ver uma novela que assume ser novela mesmo, não é? Eu tenho uma preguiça dessa coisa mais recente de "novela com cara de série", de não ter vilão ou mocinho, pois "todos temos tons de cinza". Sim, acho que dá para fugir do maniqueísmo, mas o público precisa ter um vilão para odiar e um mocinho para torcer... Novela tem que ser novela!
Olha, eu também tenho muita preguiça. Porque a novela é um gênero tão nosso, a gente tem que louvar muito. E Beleza Fatal é uma novela sem medo do exagero, a gente brinca que é uma novela "botocada", com algo a mais, porque todo mundo ali gosta muito do gênero.
Se você me perguntar: "Você acha que o gênero novela está em crise?". Não, não acho. Vão existir épocas com novelas de maior ou menor sucesso, mas elas não vão acabar. As novelas do streaming vão coexistir com as da TV aberta durante muito tempo, porque é rico para os profissionais, que têm mais oportunidades, e é bom para o público, que tem mais opções. Todos ganham.
Eu ia perguntar exatamente isso. Depois dessa sua experiência no streaming, como você vê o mercado, o futuro das novelas? Trabalhar com produtoras é um caminho? Novelas com menos capítulos se sustentam financeiramente? Ou a novela que a gente conhece há 50, 60 anos ainda tem lenha para queimar e vamos ficar entre o tradicional e o premium, por assim dizer?
Eu acho que, assim como vão coexistir as novelas da TV aberta com as do streaming, vão coexistir os formatos, novelas mais curtas e outras mais longas. As mais longas já são uma tradição do brasileiro, a gente senta no sofá naquela hora marcada para assistir ao capítulo do dia --embora isso também já esteja mudando, acho que as pessoas também veem no Globoplay.
Mas que bom que a TV aberta tem essa grade de dramaturgia grande, que deu e ainda dá a chance de muita gente trabalhar. A gente tem que valorizar muito essa história! E acho que podem coexistir também as maneiras de produzir, com produtoras menores, produtoras maiores, as próprias emissoras...
A coexistência se retroalimenta, se refresca e se ensina. Quando a galera da TV aberta vê Beleza Fatal, refresca o olhar dela, que vai ver coisas diferentes. Assim como me refresca ver Garota do Momento, que é um novelão maravilhoso, com direção incrível de uma mulher [Natalia Grimberg]. E eu vou ressaltar que é uma diretora mulher porque elas merecem (risos)!
divulgação/pivô audiovisual
Maria dirige Camila Queiroz e Romaní em Beleza Fatal
Maria, eu vi os dez primeiros capítulos de Beleza Fatal e confesso que, no começo, tive um estranhamento por causa das atuações acima do tom. Depois que eu entendi a proposta da novela e mergulhei nela de cabeça, tudo ficou mais divertido. Foi uma preocupação para você dirigir todo mundo no over e encontrar esse equilíbrio?
Isso é uma coisa que a gente discutiu muito, desde o início, eu e o Raphael. Logo que eu li o texto, pensei: "Isso não é naturalista". Não teria como fazer uma atuação naturalista, porque se fosse assim, ia ficar chocho. O tom da novela, do jeito que o Raphael escreveu, tinha que ser acima.
E a Lola, por exemplo, é over, mas tem muitos momentos de humanidade também. Quando ela recebe a notícia da morte da prima, você vê que ela sofre, mesmo sendo responsável por aquilo. Então, tem muita verdade nos personagens também. Porque, se o exagero não for feito com verdade, ele é vazio, ele não te pega.
Então, isso foi uma coisa que a gente conversou muito, eu e o Rapha, com a Ana Kutner, que fez a preparação de todo o elenco, nós ensaiamos todos juntos. É um tom difícil de alcançar, porque a gente tinha que dar essa verdade, ao mesmo tempo em que é tudo "botocado".
O que mudou especificamente no seu trabalho ao fazer uma novela para o streaming em vez de para a TV aberta? Além de ter mais tempo para rodar? Deu para experimentar mais, se envolver mais no processo?
Eu tive que dividir bem com a minha equipe, porque eram duas frentes de gravação. Só na primeira semana que a gente não teve duas frentes, aí eu acompanhei tudo mesmo. Mas montei uma equipe de minha total confiança, sabia que, nos lugares em que eu não poderia estar, mas gostaria de estar, eles iam fazer um trabalho tão bom quanto o meu ou, muitas vezes, melhor do que eu faria (risos).
Ainda tinha uma frente de pré e pós-produção que me mantinha bem ocupada. Acho fundamental ter a maturidade de saber delegar, às vezes eu vejo que o jovem é mais ansioso e não consegue fazer isso. Ter inteligência emocional é saber delegar, dar abertura para que os outros sejam criativos e criem.
O que muda bastante é o tempo que a gente tem para fazer. Mas eu acho que set é set em qualquer lugar. É sempre corrido, mesmo quando tem mais tempo, é sempre um desespero (risos). Mas também é sempre um tesão! Os lugares que eu mais amo no mundo são set e bloco de Carnaval. Porque ambos têm o coletivo, o transe, a festa, são alegres, criativos, são os lugares onde eu sou mais feliz. Um dia vou fazer uma novela que tenha bloco de Carnaval, aí eu vou ser verdadeiramente feliz (risos).
Também muda muito ter uma novela aberta e uma fechada. Na aberta, o personagem muda de acordo com a aceitação do público. Às vezes você vê a sinopse, que tem dois núcleos importantes ali, e gasta R$ 5 milhões fazendo uma cidade cenográfica. Aí, quando entra no ar, aqueles núcleos não dão certos e você desperdiçou R$ 5 milhões em um cenário que não vai usar.
A gente não tem isso em Beleza Fatal. O que ajuda muito o planejamento, porque você sabe quantas cenas vão ser na mansão Argento, quantas na Lolaland, fica tudo mais fácil. O ator sabe todo o arco do seu personagem e consegue construí-lo de acordo. E na direção também é ótimo, você sabe onde começa e para onde vai, dá para Almodovarizar os personagens e os momentos certos. Para o conceito artístico, ajuda muito! Para o figurino, por exemplo, você lê e já sabe que a Lola começa aqui e vai para outro lugar.
Eu sempre faço a comparação com Bebel e Olavo, que não eram protagonistas, mas são deles que a gente se lembra quando fala em Paraíso Tropical. Eles não eram um casal, só iam ter um trambique que armavam juntos, uma coisa rápida, ia durar uma semana e meia. Só que foi um estouro! O público criou Bebel e Olavo, eles aconteceram por causa do público. Essa é a beleza da obra aberta, receber o feedback, corrigir o que não funciona e explorar o que funciona. Mas é uma delícia fazer uma obra fechada também!
Acho que o streaming também permite algumas liberdades, né? A Festa do Sim jamais aconteceria na TV aberta e, em um momento em que a gente vê um romance lésbico sendo censurado [em Mania de Você], em Beleza Fatal todo mundo é meio bissexual, né?
A questão é que a novela na TV aberta está ligada para todo mundo da casa. Por mais que tenha uma classificação indicativa, a criança vai acabar assistindo também. Então, precisa ter certos cuidados na hora de abordar alguns assuntos. Não estou falando dos casais homoafetivos, por favor, eles podem e precisam ser mostrados! Mas a TV aberta é um eletrodoméstico que está na casa das pessoas, você não tem controle sobre quem está vendo.
Já sobre os personagens serem bissexuais, é que Beleza Fatal é uma novela tesuda. E o tesão não tem essas fronteiras, é para todo mundo. E você viu só os dez primeiros capítulos, tem muita coisa para rolar ainda...
No fim das contas, a arte tem essa missão de desafiar os limites também, né? Que bom que no streaming você consegue fazer isso...
Mas na TV aberta você também consegue. Eu me lembro de A Força do Querer [2017], na época da novela o filho da minha funcionária estava começando a transicionar, e a novela ajudou a entender o que ela estava vivendo, a dor do luto de perder uma filha, mas a alegria de ganhar um filho. Ela se identificava com o que a personagem da Maria Fernanda Candido [Joyce] estava vivendo, e entendia melhor o filho vendo o personagem da Carol Duarte [Ivana/Ivan].
Acho que a novela tem essa função e essa missão de discutir esses assuntos. A questão é que eu e você vivemos numa bolha progressista, que fala sobre isso normalmente. Mas o Brasil é um país enorme, com diferentes realidades e cada vez mais conservador, infelizmente. Mas dá para falar, dá para abordar.
A gente pega o Félix [Mateus Solano], de Amor à Vida [2013], que era um vilão horrível, jogou o bebê da irmã numa caçamba logo no início. Mas todo mundo torcia pelo amor dele e do "carneirinho" [Niko, vivido por Thiago Fragoso]. O beijo final da novela foi dos dois, não dos protagonistas! Acho que a novela ajuda a sociedade a compreender, desde que a história seja bem contada.
Para você ter uma ideia, um dos maiores públicos de Malhação [1995-2020] não era formado por jovens, mas pelas mães dos jovens, que assistiam para entender como falar com o filho, então a novela tem essa função sempre. E acredito que continuará tendo.
A gente passa por momentos mais conservadores, sim, em que muitas coisas são retiradas, mas é da natureza da dramaturgia brasileira discutir isso. Como o filme Ainda Estou Aqui coloca na mesa a Ditadura Militar [1964-1985], e até a direita está gostando (risos). Porque coloca na narrativa, na emoção, mas sem impor nada. Acho mais frutífero na ficção quando você faz o público viver junto com o Félix, com o Ivan, a ficção funciona porque é apaixonante.
Maria, eu percebi que você é uma lolover, né? Nas lives da Lola, aparecem comentários com o seu nome...
Com o meu e com o de toda a equipe (risos). Todo mundo que está ali comentando na live trabalhou em Beleza Fatal de alguma maneira. Eu morro de rir! Mas televisão é a coisa mais de equipe, mais coletiva do mundo. E equipe tem que ser muito celebrada, sempre. E isso tem que ser muito dito!
Quando a gente fala de novela, tem que falar do plural, de equipe. Aliás, não só novela, não existe fazer nada na vida sem um grupo. É muito importante dar valor, amar a equipe, jogar junto... Para mim, era essencial fazer todo mundo trabalhar com alegria. Foi um aprendizado pra todo mundo.
E o futuro, Maria? O que vem depois de Beleza Fatal? Ou ainda está trabalhando na edição dos próximos capítulos?
Não, a novela eu já entreguei tudo, agora é só colher os louros (risos). Agora meus planos são curtir o Carnaval, porque não tive ano passado. Eu só consegui sair com meu bloco no pré-Carnaval, fiquei chorando na segunda de Carnaval porque o bloco saiu de novo e eu estava em São Paulo, tinha gravação no dia e achei que seria sacanagem colocar a equipe para trabalhar enquanto eu curtia. Aí todo mundo foi pro trabalho fantasiado, a gente tentou manter o clima para cima, de festa. Mas esse Carnaval eu vou aproveitar!
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