ENTREVISTA
REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
Ella Viana em foto publicada no Instagram; cantora trans critica conservadorismo e defende a arte
De estrela da música gospel a ativista trans e criadora de conteúdo adulto, Ella Viana vive uma nova fase artística e pessoal --marcada por liberdade e autoconhecimento. Mesmo premiada e até indicada ao Grammy Latino, ela ainda assim sentia na pele o silenciamento causado pelo fundamentalismo religioso. Após um longo processo de reinvenção, ela agora encara a arte do jeito mais cru e libertador possível: através da própria pele.
Ella abriu recentemente um perfil na Privacy, uma plataforma de conteúdo adulto, com o objetivo de mostrar que seu corpo é um instrumento de expressão e enfrentamento político.
"[Criar um perfil na plataforma] Foi uma decisão principalmente artística. A Privacy, é claro, dá retorno financeiro, mas minha âncora financeira sempre foi a música. Mostrar o corpo é arte", justifica em entrevista ao Notícias da TV.
"E sendo uma mulher trans, exibir meu corpo com orgulho é também um ato político. As pessoas precisam desconstruir muitas camadas --e eu mostrar o meu corpo, exibir, ser feliz, ter orgulho e ser elogiada por isso, acho que é um ato político enorme", celebra ela, que lançou um de seus projetos musicais diretamente na Privacy, unindo sensualidade à arte.
Descoberta artisticamente por Raul Gil aos 12 anos, Ella ganhou projeção nacional ainda no meio gospel e foi criada em um ambiente estritamente religioso. Isso dificultou seu entendimento sobre si mesma.
"Eu acho que me livrar do fundamentalismo religioso foi o primeiro passo. Cresci num ambiente fundamentalista, e mesmo sendo grata pela fé da minha casa, isso me privou de descobrir meu gênero e minha sexualidade", lamenta.
"Quando me libertei disso, comecei a descobrir meu corpo. E foi aí que encontrei um caminho para me redescobrir, inclusive através da Privacy, que conheci por amigos. Foi uma forma de unir essa nova fase com tudo o que vivi até agora", acrescenta ela.
A transição de imagem e identidade veio acompanhada de julgamentos e violência. "Foi muito difícil. Se não fossem as terapias, seria ainda mais. Tive que lidar com extremismo, inclusive ameaças de morte", relembra.
A religiosidade baseada no fundamentalismo é uma doença. Mas isso me amadureceu, me fortaleceu. Me fez ainda mais verdadeira. Muita gente se camufla em nome de Deus, e eu não quero isso para mim.
Apesar das dificuldades no começo e do cenário cruel fora de casa, ela conquistou o apoio dos pais, e hoje se sente cada vez mais próxima a eles. "Meus pais rejeitaram de cara. Foi dolorido. Mas eu sabia que eles precisavam de tempo. Fui morar na Colômbia e, quando voltei, mostrei que não era só uma fase. Hoje, tenho o apoio deles", conta.
"Minha mãe é a minha maior referência. Meu pai tem 89 anos, é de outra geração, mas me apoia muito, e me respeita de uma forma incomparável", valoriza a artista.
Depois de enfrentar tantos preconceitos, Ella Viana resolveu escrever sobre eles. A faixa Amor à Luz do Dia, lançada exclusivamente na Privacy, escancara as dores e os desejos de quem teve o corpo silenciado.
"A música fala sobre um amor que só podia acontecer no escuro, uma realidade de muitas mulheres trans que são negadas durante o dia e exploradas à noite. Hoje, eu posso falar disso com liberdade", pondera.
A faixa toca em um ponto sensível, que é a hipocrisia que ela vê todos os dias como criadora de conteúdo adulto. "O Brasil lidera o consumo de pornografia trans e também o assassinato de pessoas trans. A hipocrisia é gigante. O mesmo pai de família que me julga no Instagram pode estar assinando meu Privacy", dispara.
Outro tabu que ela quer enfrentar é o da educação sexual. No fim das contas, a artista considera seus conteúdos como uma forma de autonomia. "O preconceito contra plataformas adultas vem do mesmo lugar da pessoa que tem problemas para falar sobre sexualidade com o seu parceiro, com a sua parceira", acrescenta.
"Então, eu acho que vai muito além da questão erótica. Eu acho que é o ponto de você se autoconhecer. Para mim, sexualidade e exploração do corpo são formas de autoconhecimento total", finaliza.
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