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O CONDE DE MONTE-CRISTO

Inédita, Mar do Sertão vira repeteco de fórmula usada em Chocolate com Pimenta

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Montagem com uma foto de Sergio Guizé, o José de Mar do Sertão, e Mariana Ximenes, a Ana de Chocolate com Pimenta

Os vingativos José (Sergio Guizé), de Mar do Sertão, e Ana (Mariana Ximenes), de Chocolate com Pimenta

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 7/11/2022 - 6h40

Desde o início, Mar do Sertão não parecia ter nada de muito inédito. A trama de José (Sergio Guizé), protagonista injustiçado que desaparece durante dez anos, enche o bolso de dinheiro e volta para se vingar, é uma antiga conhecida dos noveleiros --a reprise de Chocolate com Pimenta, exibida nas tardes da Globo, prova isso.

Com bases que remontam ao clássico literário O Conde de Monte-Cristo (1844), um dos primeiros romances com a temática e inspiração óbvia de boa parte das histórias posteriores, a fórmula já foi repetida à exaustão e não empolga mais como antes. Com isso, duas perguntas se sobressaem: qual é o futuro das novelas agora, depois de tantas repetições das fórmulas clássicas? E, afinal, por que gostamos tanto de uma boa vingança?

Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana pela USP (Universidade de São Paulo), assegura que assuntos como esse acabarão voltando, de uma forma ou de outra. Eles fazem parte da essência do melodrama, gênero que as telenovelas integram. 

"Esse tema é eterno, está na criação do humano. O desafio é sempre como apresentá-lo, renovando as circunstâncias pelas quais o protagonista foi vítima e chegou ao fundo do poço e os métodos para alcançar a vitória. Quem nunca passou por isso, seja na vida profissional, pessoal, relação amorosa? A apoteose do êxito individual após todos os percalços é extremamente popular e rica de possibilidades dramáticas. Em particular na história contada em capítulos, como as telenovelas e as séries de ficção", define o pesquisador.

Prazer por trás do ódio

Tramas nesse sentido fazem tanto sucesso justamente por se entrelaçar com as experiências pessoais do público. É como se, ao assistir ao triunfo de um protagonista, a pessoa visse as próprias tristezas sendo vingadas. É comum que o ser humano deseje que seus algozes sejam presos, ou mortos, ou que haja alguma justiça divina que os puna pelos seus pecados. Só esse tipo de pensamento já libera serotonina e dopamina, os chamados "hormônios da felicidade".

Ou seja: não é preciso sequer arrematar a vingança para gerar felicidade. Mas, ao vê-la concretizada, mesmo que em um produto de ficção, o sentimento é melhor ainda. Como explica Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP:

Para um individuo médio, concluir uma vingança na vida real é extremamente complicado. Ele sofrerá todas as consequências da Justiça ao matar alguém, por exemplo. Mas só de assistir à vingança de um personagem que é prejudicado e atinge a redenção no final ao acabar com seus inimigos, a pessoa tem sensações que são extremamente prazerosas. Nosso sistema nervoso se desenvolve com essa noção de justiça e moral, e isso passa pela vingança e pelo perdão.

Também há uma certa característica sociocultural nisso. Os maiores fãs do tema --profundamente ligado à mobilidade social e à superação da dor-- são os membros da América Latina, território que foi colonizado e saqueado pelos povos europeus. Ainda assim, as origens do gênero remontam aos primórdios da democracia da França. O mesmo país que influenciou a produção de folhetins na América Latina e, em particular, no Brasil.

O tema também está ligado ao surgimento do capitalismo, em que as obras de arte precisavam ser rentáveis, de certa forma. "E todo esse contexto de 'consumo da arte' do século 19 foi a base para a nossa indústria cultural e de entretenimento", explica Alencar. 

RAPHAEL DIAS/TV GLOBO

Nina/Rita (Débora Falabella) em Avenida Brasil; novela foi sucesso comercial

Débora Falabella em Avenida Brasil

Com "consumo da arte", o estudioso remonta ao tipo de obra que tem potencial para agradar todo mundo e, assim, dar o retorno financeiro esperado --exatamente o que as telenovelas precisam. Por tantos motivos aqui listados, é óbvio que a vingança é um ingrediente básico para isso. Vide tantas radionovelas, telenovelas e séries de ficção baseadas nela.

Do inferno ao céu

Obra francesa precursora do gênero, O Conde de Monte-Cristo foi um sucesso estrondoso desde a primeira publicação, entre 1844 e 1846, num jornal francês. Um capítulo era publicado por dia, e o público esperava, afoito, para descobrir se o protagonista ia ou não conseguir a vingança e, se sim, quais meios iria utilizar e quais obstáculos teria de superar para atingir seu objetivo.

A obra em questão narra a vida de Edmond Dantés, capitão em ascensão de um próspero navio. Invejado por outros companheiros de viagem, no entanto, ele é denunciado por traição à pátria e padece durante 14 anos na prisão. Livre, ele se dedica a assumir vários disfarces para se vingar de todos os envolvidos em sua derrocada.

Para isso, o marinheiro sai do fundo do poço, faz fortuna e atinge o topo da pirâmide social. Também não corrompe seus valores e fica em paz com sua consciência, ao promover planos que não resultam na morte dos inimigos.

No Brasil, a trama também foi sucesso desde sua primeira publicação, em 1845, no Jornal do Commercio. A partir daí, virou figurinha marcada em várias obras culturais, expondo a face mais realista do ser humano. É um contraponto à imposição do perdão a qualquer custo, pregado por boa parte das religiões. E essa necessidade de esquecer a própria dor em prol do outro chega a contrariar a natureza das pessoas, além de ser bem mais difícil e menos prazerosa, como afirma o psiquiatra entrevistado pelo Notícias da TV.

O primeiro trabalho mais aprofundado neste sentido foi a clássica Eu Compro Essa Mulher (1966), estrelada por Carlos Alberto (1925-2007), Yoná Magalhães (1935-2015) e Leila Diniz (1945-1972). De origem cubana, Gloria Magadan (1920-2001), supervisora de novelas da Globo entre 1965 e 1969, trouxe ao Brasil diversos temas relacionadas ao melodrama --inclusive o romance de Alexandre Dumas (1802-1870).

Depois, vários sucessos beberam desta fonte. Mauro Alencar destaca Os Inocentes (1974), de Ivani Ribeiro (1922-1995); Fera Radical (1988), de Walter Negrão (ambas as novelas inspiradas no texto teatral A Visita da Velha Senhora); Tieta (1989), de Aguinaldo Silva; Quatro por Quatro (1994), comédia de costumes de Carlos Lombardi em que quatro mulheres juram vingança contra seus homens; e a inovadora Avenida Brasil (2012), de João Emanuel Carneiro --o maior sucesso da última década na TV aberta.

E agora?

Para citar um exemplo mais fresco, Pantanal (2022) também contou com traços dessa trama, especialmente na figura de Alcides (Juliano Cazarré). O capítulo em que o capataz matou Tenório (Murilo Benício), que o havia torturado e estuprado, atingiu o maior índice de audiência da novela

Mas ninguém se inspirou mais claramente que Walcyr Carrasco. Depois de Chocolate com Pimenta, que já contava com uma boa inspiração na história, o autor foi ainda mais literal em O Outro Lado do Paraíso (2017). A trajetória de Clara (Bianca Bin) foi extremamente semelhante à de Edmond, passando pelo confinamento numa ilha, o isolamento durante anos no hospício, a ajuda de uma mentora e a fuga dentro do caixão. O novelista admitiu a inspiração ainda durante a exibição da novela em uma postagem nas redes sociais. 

Assim como as antecessoras, O Outro Lado do Paraíso foi um grande sucesso. Mar do Sertão também vem marcando bons índices de audiência, embora a trama principal seja a que menos reverbera nas redes sociais --a redenção de Xaviera (Giovana Cordeiro) e os trancos e barrancos de Timbó (Enrique Diaz) têm muito mais destaque. 

De qualquer forma, não parece que esse tema esteja esgotado. No caso da atual novela das seis, o problema está mais nos motivos mal desenvolvidos do protagonista. Não deu para se identificar com as dores dele antes de sermos jogados para a nova fase da novela. Enquanto isso, os personagens cheios de erros despertaram a identificação do público.

Mar do Sertão vai ao ar na faixa das 18h da Globo. O folhetim é escrito por Mario Teixeira e dirigido por Allan Fiterman. Leia os resumos dos próximos capítulos da novela das seis.


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