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Beatriz Abagge revela ataques de ódio após O Caso Evandro: 'Revivi a dor de 1992'

REPRODUÇÃO/GLOBOPLAY

Beatriz Abagge com uma blusa amarela e colar colorido

Beatriz Abagge no documentário O Caso Evandro; fisioterapeuta enfrentou ataques de ódio após estreia da série

Quase 30 anos após ter sido presa em Guaratuba (PR) pelo suposto assassinato do menino Evandro Ramos Caetano, Beatriz Abagge voltou a enfrentar uma onda de ataques de ódio com a estreia do documentário O Caso Evandro, no Globoplay. Pessoas que não conheciam ou não se lembravam da história foram aos perfis dela nas redes sociais para xingá-la e ameaçá-la. "Revivi a dor de 1992", revela.

Em entrevista exclusiva ao Notícias da TV, a terapeuta ocupacional diz que a intensidade dos ataques e xingamentos se tornaram muito maiores do que no dia em que ela e sua mãe, Celina Abagge, foram detidas em casa, em 2 de julho de 1992, por terem sido apontadas como as principais culpadas pela morte do garoto.

"As redes sociais têm muita força. Mas eu não deixei de responder a nenhum comentário negativo. Um por um. Eu não dormia e ficava respondendo as perguntas. A gente tem que responder e expor, porque o inocente esperneia, ele grita, não se esconde. E é essa a nossa visão", avalia.

A maneira como o Globoplay estruturou a série permitiu essa onda de ataques. Semanalmente, o serviço de streaming publicava apenas dois episódios. E até o final do segundo capítulo, a história mostrava todas as evidências contra Beatriz e Celina. Quem desconhecia o caso acabou comprando a ideia de que elas seriam culpadas e passou a atormentar a fisioterapeuta.

Bastaram os demais episódios virem à tona para que a raiva dos desavisados acabasse, e Beatriz passou a receber acolhimento e apoio de inúmeros desconhecidos.

"Hoje me abordam de uma maneira mais acolhedora. Eu estou tão acostumada a lidar com a crítica negativa, respondendo em redes, enfrentando. Quando somos acolhidos assim, não temos nem reação. Sinal de que estamos conseguindo provar a nossa inocência", afirma.

Crime de tortura

Uma das partes mais angustiantes do documentário é o episódio em que Beatriz e Celina Abagge relatam as torturas que sofreram antes de serem presas pela acusação de homicídio qualificado. As duas assumiram a culpa pela morte de Evandro, que teria sido usado em um ritual satânico. Mas toda a confissão, segundo elas, foi arquitetada por homens ligados à Polícia Militar do Paraná, que as forçaram a criar a história sob ameaça de morte.

"Tenho as marcas de tortura em mim até hoje. Tenho nos dedos e em outras partes do corpo que nunca foram periciadas, mas não precisa. As dos dedos já são suficientes para mostrar que sofri choque elétrico. Não há necessidade de expor mais do que a gente já foi exposta", diz.

Além das marcas físicas, as torturas atingiram o psicológico de Beatriz. Ela afirma ter perdido a memória durante muito tempo e diz que se lembra apenas de situações pontuais dos momentos em que ficou no cativeiro. Tem a certeza, no entanto, de que foi estuprada mais de uma vez.

"Fui estuprada, não sei por quantos homens, porque tenho apenas flashes na minha cabeça. Eu desmaiava a todo instante. Primeiro eu estava em uma cama de casal, depois em uma de solteiro. Quando eles tiraram as nossas vendas depois, eu sei mais ou menos me localizar onde estava, mas não sei o que estava acontecendo. Desmaiei por diversas vezes, e nesses desmaios eu não sei se voltei ou se deletei essas cenas da minha cabeça", relembra.

Da perda de memória, Beatriz cita o episódio em que recebeu na cadeia a visita de uma ex-sócia, com quem tinha uma clínica para auxiliar crianças com deficiências física e mental. Por conta do escândalo, precisou fechar a empresa. E quando sua ex-parceira foi à detenção para ela assinar o destrato social, ela sequer se lembrava da mulher e de seu próprio negócio.

"Uma outra colega de faculdade conseguiu entrar no presídio junto com a supervisora carcerária. Ela veio no pátio me abraçar, e eu fiquei olhando: 'Quem é essa louca?'. Ela falou nome e sobrenome, eu não sabia quem era, não lembrei durante anos", relata.

Depois das torturas, eles deram um líquido meio amargo pra gente, e a gente apagou. Acho que foi por causa disso que eu perdi a memória. Por isso que eu tive que escrever muito, me forçar, forçar meu cérebro bastante para lembrar as coisas.

Vida na prisão

Poucos dias antes da estreia do documentário no Globoplay, Beatriz e Celina lançaram o livro Malleus: Relatos de Injustiça, Tortura e Erro Judiciário, um relato pessoal, com reproduções fidedignas dos diários que mãe e filha escreveram durante os seis anos que estiveram atrás das grades pela morte do menino Evandro, além de seus desabafos sobre a armação feita a elas e aos outros cinco homens que foram incriminados no caso.

Além de quase serem linchadas em praça pública e torturadas antes de serem presas, elas também enfrentaram resistência na prisão. Fome, xingamentos, agressões físicas e ameaças de morte não lhes faltaram.

Fomos colocadas em isolamento. Era uma cela escura, não tinha luz, a gente não conseguia ver nada, e o que me salvou foi uma aranha. Eu morria de medo de aranha e quando olhei por cima, naquela escuridão, consegui enxergar uma aranha grandona que vinha descendo. Eu assoprava para ela subir e não cair em mim. Isso é que foi devolvendo a minha sanidade mental. Não sei quanto tempo passou ali, não sei dizer quando era dia ou noite.

"Depois disso a gente foi colocada em uma galeria, a pior do presídio. As internas abriam a portinhola, xingavam a gente: 'Bruxas! Nós vamos matar vocês'. Tiraram a gente da solitária, porque o psiquiatra determinou. Depois fomos para o convívio com todas as outras. A gente tinha que entrar no refeitório, e eu não comia. As internas começaram a chutar a gente por baixo das mesas e nos deixaram [com as pernas] roxas."

As agressões cessaram após uma das líderes do presídio se aproximar para investigar como elas estavam, perguntando se alguém as havia maltratado. Mãe e filha disseram apenas que estava tudo bem. Por não terem dedurado as outras detentas, foram acolhidas e passaram a ser respeitadas.

"Aos pouquinhos foram falando com a gente até ficamos protegidas. Mas era um medo terrível. A gente não sabia se iam matar a gente, se iam violentar, se os torturadores iam entrar lá. Quase não dormia. Quando eu dormia, minha mãe ficava acordada. E quando ela dormia, eu ficava acordada", diz.

Reparação

Com o fim da série O Caso Evandro, Beatriz Abagge não ficará parada. Ela quer usar todas as provas que foram apresentadas no documentário e pedir uma reparação na Justiça por todos os danos que ela e sua mãe sofreram ao longo destes anos.

"Vou entrar primeiramente com o pedido de revisão criminal na Comissão de Direitos Humanos sobre a tortura, para que o Brasil seja condenado e responda sobre isso. Espero que os torturadores sejam identificados e responsabilizados. Eles destruíram a nossa família", afirma.


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